As novas espécies homenageiam naturalistas como David Attenborough, Edward O. Wilson e o povo de Angola. A Wilder entrevistou um dos investigadores responsáveis pela descrição destas espécies, resultado de 11 anos de trabalho.
Três investigadores portugueses – Mariana Marques (gestora das coleções de anfíbios e répteis do Carnegie Museum of Natural History em Pittsburgh e a finalizar o doutoramento no CIBIO-UPorto), Luís Ceríaco e Diogo Parrinha, estes dois últimos do CIBIO-BIOPOLIS da Universidade do Porto – e outros quatro colegas descreveram sete espécies de lagartixas de Angola que são novas para a Ciência. No artigo, publicado no final de Fevereiro no Bulletin of the American Museum of Natural History, a equipa reviu todas as espécies do género Trachylepis em Angola e concluiu que há sete novas espécies.
São elas Trachylepis attenboroughi, Trachylepis bouri, Trachylepis hilariae, Trachylepis ovahelelo, Trachylepis suzanae, Trachylepis vunongue e Trachylepis wilsoni.
Este trabalho enquadra-se numa longa parceria com o Instituto Nacional da Biodiversidade e Conservação do Ministério do Ambiente de Angola.
Duas das espécies homenageiam naturalistas icónicos: Trachylepis attenboroughi (lagartixa de Attenborough) e Trachylepis wilsoni. As outras homenageiam o herpetólogo francês Roger Henri Bour, as herpetólogas angolanas Suzana A. Bandeira e Hilária Valério, o chefe angolano Mwene Vunongue (1800-1886) e o grupo Ovahelelo.
A Wilder entrevistou Luís Ceríaco para saber mais sobre estas novidades, o que foi preciso fazer para chegar até elas e a sua importância.
WILDER: Pode descrever estas lagartixas? O que as caracteriza?
Luís Ceríaco: As lagartixas do género Trachylepis são, no geral, morfologicamente bastante banais. Possuem escamas lisas ou ligeiramente carenadas, raramente apresentam um pescoço distinguível do resto do corpo, possuem caudas longas e apresentam-se numa grande variedade de cores e tamanhos. São um dos géneros com maior número de espécies no continente Africano e ocorrem em quase todos os habitats do continente.
W: Este trabalho envolveu expedições no campo ou foi trabalho em colecções de museu? Pode explicar o vosso trabalho?
Luís Ceríaco: Este trabalho contou com expedições no campo e visitas a coleções em museus. Fizemos mais de 20 expedições em Angola desde 2012 e visitámos 28 coleções científicas nos Estados Unidos, na Europa e em África. No total estudámos mais de 770 espécimes de Trachylepis de Angola. Para fazer uma revisão deste género é fundamental consultar todos, ou quase todos, os espécimes que existem. Temos de ter a certeza que as interpretações feitas por outros autores que se debruçaram e publicaram sobre estes animais batem certo com as nossas atuais interpretações, pelo que é fundamental rever os espécimes que eles estudaram. Para isso contamos escamas, tiramos medidas, anotamos características morfológicas quer dos espécimes recentemente coletados em expedições de campo, quer dos históricos. Com isto temos uma base de dados padronizada das características morfológicas destas espécies. As novas expedições serviram para visitar áreas do país pouco amostradas mas também para recolher material passível de ser analisado do ponto de vista molecular. É ainda muito difícil extrair DNA de espécimes antigos, pelo que os novos espécimes permitiram estudarmos as relações filogenéticas entre as várias espécies e construir a sua “árvore genealógica”. Combinando os resultados do estudo morfológico com os resultados genéticos conseguimos ter uma imagem sólida sobre quantas espécies de facto ocorrem em Angola e como estão relacionadas entre si.
W: E quanto tempo foi preciso para todo esse trabalho?
Luís Ceríaco: Demos o ponto de partida para este estudo em 2013, há 11 anos. Revisões deste género demoram sempre muito tempo devido à necessidade de revisitar todas as coleções disponíveis.
W: O que pode explicar o facto de estas sete espécies ainda não estarem descritas para a Ciência?
Luís Ceríaco: Há várias explicações. A primeira é a falta de taxonomistas. De há umas décadas para cá instalou-se entre a comunidade científica lusófona a ideia de que a taxonomia era uma coisa do passado, que já tínhamos descoberto o que tínhamos para descobrir e que daqui para a frente interessava estudar-se outras coisas. Algumas destas novas espécies passaram décadas à frente dos olhos de biólogos, quer no campo, quer em museus, sem que ninguém se dedicasse a estudá-las a fundo. Não é um problema relativo apenas aos Trachylepis ou a África, é um problema global. Não há formação em taxonomia nas nossas universidades e conseguir fundos para fazer investigação em taxonomia é um cargo dos trabalhos. Assim sendo, e tendo em conta que mais de 3/4 da biodiversidade mundial está ainda por descrever, milhares de espécies novas para a ciência passeiam-se à nossa volta sem que ninguém saiba bem o que são. A segunda é a de que este grupo é considerado como “taxonomicamente difícil”. À primeira vista muitas destas espécies são muito parecidas, e havia várias dúvidas e problemas taxonómicos antigos que pouca gente tinha vontade de perder tempo a resolver. Se associarmos a isto o pouco valor dado aos estudos taxonómicos pelas nossas academias e agências de financiamento, o tempo e dedicação necessária para levar a cabo um trabalho deste género, a tarefa torna-se pouco apetecível para a maioria. Por último, algumas destas espécies de facto tem distribuições muito restritas, em áreas que nunca tinham sido amostradas.
W: Qual a importância/relevância desta revisão taxonómica?
Luís Ceríaco: As revisões taxonómicas são pedras angulares para o nosso conhecimento da biodiversidade. São obras de referência que vão informar biólogos e conservacionistas sobre as espécies de determinado grupo e/ou de determinada área geográfica. Por um lado, compilam em si todo o conhecimento disponível sobre esses animais, e por outro resolvem as várias dúvidas que se vão acumulando ao longo de décadas (por vezes séculos) relativamente a estas espécies. Servem também para trazer novidades, com a descrição de novas espécies, novas informações sobre a distribuição geográfica das mesmas, a sua história natural e ecologia, etc. Neste caso, apresentamos a revisão taxonómica de um dos grupos de répteis mais comuns de Angola, o que certamente servirá de base para futuras investigações por parte de estudantes, investigadores, conservacionistas e até das próprias autoridades angolanas.
W: Ainda haverá mais espécies dentro deste género em Angola por descobrir?
Luís Ceríaco: Não descarto essa possibilidade. A diversidade do género no sul do país revelou-se surpreendente. Algumas espécies novas que descobrimos têm distribuições muito restritas, em micro-habitats específicos, pelo que a possibilidade existe. Certas zonas do nordeste do país foram pouco amostradas, pelo que há a possibilidade de aí se encontrar mais alguma espécie que tenha passado despercebida até agora. Angola é um local único em termos de biodiversidade no continente africano.