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Rouxinol-do-Japão. Foto: Imran Shah/WikiCommons

Rouxinol-do-Japão, a ave exótica invasora que poucos sabiam que tínhamos

11.12.2019

Esta ave, originária da Ásia, é considerada uma das mais perigosas aves invasoras. A sua expansão, que tem passado quase despercebida, está a acontecer em 10 países europeus, incluindo Portugal, alerta uma equipa de investigadores portugueses.

O rouxinol-do-Japão (Leiothrix lutea) é tudo menos uma ave de cores neutras. Tem bico-vermelho, garganta e mascarilha amarelas, peito alaranjado, cauda azul escura e asas com uma cuidadosa composição de vermelhos, amarelos e azuis. 

Rouxinol-do-Japão. Foto: Imran Shah/WikiCommons

Mas apesar de ser colorida, esta pequena ave exótica – com cerca de 15 centímetros e entre 18 e 28 gramas – tem passado relativamente despercebida.

Ainda assim, já está instalada na natureza em 10 países europeus, incluindo em Portugal, onde deverão existir entre 500 a 700 casais só na região Centro, revela um artigo científico publicado a 1 de Novembro na revista Biological Invasions.  

“Esta espécie é muito discreta, vive em florestas densas, e é mais facilmente detectada pelo canto do que é vista”, explicou à Wilder Pedro Pereira, investigador da Universidade de Évora (Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas, Laboratório de Ornitologia) e o coordenador do artigo.

“O principal desafio à sua observação e identificação consiste na grande semelhança do seu canto com espécies nativas comuns, como o melro-preto (Turdus merula) e a toutinegra-de-barrete (Sylvia atricapilla).”

pequena ave de "barrete" preto na cabeça, pousada num ramo
Toutinegra-de-barrete. Foto: Bernard Dupont/Wiki Commons

Como resultado, “existe pouco conhecimento sobre a espécie”, que nem sempre aparece nos guias de identificação de aves europeus mais comuns.

De 2009 a 2018, esta equipa de investigadores portugueses recolheu dados de campo (em Portugal) e analisou a informação em plataformas de observação de aves – como o eBird, Observation e Ornitho – e em artigos científicos para avaliar qual a distribuição e estatuto populacional do rouxinol-do-Japão na Europa. 

“Havia muita informação dispersa (…) sobre a ocorrência do rouxinol-do-Japão em estado selvagem na Europa desde o final do século XIX”, explicou Pedro Pereira. Mas “essa informação nunca tinha sido agregada de modo a podermos compreender o padrão de distribuição espacial e temporal dos registos”.

Uma história que começou há mais de 100 anos

Talvez por ser uma ave tão colorida, no final do século XIX o rouxinol-do-Japão foi introduzido em várias regiões do mundo, incluindo na Europa, para exposições zoológicas ou para ser mantido como animal de estimação.

Rouxinol-do-Japão. Foto: Raju Kasembe/WikiCommons

Mais tarde, no final do século XX, deu-se outro grande período de introdução desta espécie exótica na Europa.

O rouxinol-do-Japão acabou por chegar à natureza, pela mão de várias introduções deliberadas ou acidentais, e escolheu as florestas de vegetação densa como habitat.

Este estudo, que fez a primeira avaliação da distribuição e estatuto populacional da espécie na Europa, descobriu registos de rouxinol-do-Japão em 10 países europeus: Alemanha, Áustria, Bélgica, França, Itália, Holanda, Portugal, Eslovénia, Espanha e Reino Unido.

Destes, há quatro países – França, Itália, Espanha e Portugal – onde a espécie já tem populações estabelecidas. Ou seja, nestes países, a espécie tem reprodução confirmada e foi observada, pelo menos, nos últimos cinco anos consecutivos, incluindo no último ano do estudo (2017).

As regiões com mais registos são Barcelona (Espanha), Bordeaux-Bilbao (França/Espanha), Paris (França), Coimbra (Portugal) e Calais-Bruxelas-Amsterdão-Dusseldorf.

Rouxinol-do-Japão. Foto: Raman Kumar/WikiCommons

“Em Portugal a espécie encontra-se estabelecida na natureza pelo menos nas regiões de Coimbra, Lisboa e Setúbal”, disse Pedro Pereira. A população de Coimbra está estimada entre 500 a 700 casais e sabe-se que a espécie já colonizou o Parque Natural Sintra-Cascais (Lisboa).

O estabelecimento do rouxinol-do-Japão na Europa começou, principalmente, depois de 2000. Desde então, esta espécie tem-se expandido, quase duplicando a sua área de distribuição até 2017. 

Este aumento deve-se, defendem os investigadores, a uma expansão natural. “A espécie foi introduzida várias vezes na Europa. Quando essas introduções envolveram um grande número de exemplares ou quando ocorreram em locais de habitat e de clima favoráveis (clima ameno) permitiram o estabelecimento de populações que começaram a aumentar em número de indivíduos e em área de distribuição”, explicou o investigador.

Os impactos de uma ave exótica invasora

O rouxinol-do-Japão pode viver cerca de quatro anos na natureza. Alimenta-se de invertebrados e frutos e reproduz-se de Abril a Setembro. Tem, em média, quatro crias por ano.

O primeiro alerta para a convivência pouco pacífica desta ave com outras aves nativas na Europa chegou em 2010, quando um artigo científico chamou a atenção para uma população de rouxinol-do-Japão introduzida na Catalunha. Foi a partir deste momento que se ganhou a noção da ameaça desta espécie na Europa.

“Esta espécie é, comportamentalmente, dominante sobre os passeriformes nativos”, disse Pedro Pereira. Por um lado, é maior do que os seus competidores mais directos – como o pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula) e a toutinegra-de-barrete (Sylvia atricapilla). Por outro, “tem maior robustez de bico e patas, vencendo as aves nativas nos confrontos por alimento”.

Rouxinol-do-Japão. Foto: Raman Kumar/WikiCommons

A nível mundial, esta espécie é considerada uma das aves invasoras mais perigosas porque, além de competir com as espécies nativas, dispersa plantas exóticas e alberga a resistência à malária das aves.

De acordo com este estudo, o rouxinol-do-Japão tem o potencial de aumentar a sua área de distribuição.

Em Portugal, diz Pedro Pereira, “as áreas de invasão mais prováveis no futuro serão zonas de clima ameno ao longo da costa ocidental portuguesa”.

Mas, por enquanto, a situação da espécie em Portugal “ainda não é tão alarmante quanto em França, Itália e Espanha”, acrescentou. 

Para este investigador, é crucial “aumentar o conhecimento da distribuição do rouxinol-do-Japão a nível nacional”.

“É essencial tornar a espécie mais familiar para os observadores de aves e ornitólogos de modo a monitorizar a sua tendência populacional nas áreas onde se encontra estabelecida ou permitir localizar populações actualmente desconhecidas.”


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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