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Pode o esturjão regressar aos rios de Portugal?

29.03.2022
Esturjão. Ilustração: British fresh water fishes. (1879)/WikiCommons

O leitor da Wilder Daniel Veríssimo, um economista maravilhado com a vida selvagem, escreve sobre o declínio e o eventual regresso do esturjão, o calmo gigante que precisa de rios livres. 

O esturjão (Acipenser sturio), também conhecido pelo nome de solho, pode medir entre 2 e 3 metros, pesar até 300 quilos e tem uma grande longevidade; os machos podem viver cerca de 65 anos e as fêmeas podem atingir os 120 anos.

Acipenser é um dos géneros mais antigos de peixe no mundo e, por essa razão, o esturjão é considerado um peixe fóssil. 

No passado tinha uma distribuição vasta, desde os rios que encontram o oceano nos fiordes da Noruega, aos rios na fronteira do deserto do Norte de África. Dos rios que desaguam nas costas bravas do Atlântico aos deltas e estuários abrigados do Mar Mediterrâneo e do Mar Negro. 

Esturjão. Ilustração: British fresh water fishes. (1879)/WikiCommons

Os três grandes rios de Portugal já foram casa do esturjão. No Guadiana, na vila de Mértola, era tão abundante que moedas eram cunhadas com a imagem do solho, no século I a.c.. No Tejo, em Montalvão no ano de 1321, foi pescado um peixe tão grande que o rei D. Dinis deu ordem para ficar registado nas crónicas. Media 3,75 metros e pensava 275 quilos! No Douro, era relativamente comum até ao início do século XX mas depois da construção de várias barragens, o último exemplar foi pescado em Foz Côa em 1972.

Hoje desapareceu de vastas áreas da distribuição histórica, está extinto na Península Ibérica e é uma espécie considerada Criticamente em Perigo. Pode apenas ser encontrado como reprodutor no delta do Girone, em França. 

Várias razões contribuíram para o declínio da espécie. A pesca excessiva (o esturjão é famoso pelas ovas que dão origem ao caviar) teve um impacto forte numa espécie com um ciclo de reprodução longo; a construção de barragens bloqueou migrações antigas de que a espécie precisava para completar o ciclo de vida; a simplificação do habitat com a regulação de caudais e a remoção de zonas de areias e seixos diminuiu as condições para a espécie prosperar e, por fim, a poluição degradou os habitats.

Nos últimos anos, com o objetivo de recuperar a espécie, foram feitas várias soltas de juvenis no Girone para reforçar a população existente e no Elbe e no Reno para começar novas. Em Espanha, o Rio Ebro já foi alvo de um plano para o regresso do Esturjão e já se discutem planos para voltar a mais rios.

Em Portugal poderá, numa fase inicial, voltar ao Lima, Minho e talvez Vouga. Medidas como restaurar os ciclos naturais dos rios, demolir barreiras obsoletas e excessivas e melhorar as passagens de peixes existentes são chave para criar as condições para o regresso da espécie. Ações de conservação para o esturjão podem devolver os ritmos naturais aos rios, garantir um compromisso longo e duradouro para a conservação de habitats marinhos, costeiros e fluviais e beneficiar muitas outras espécies de peixes migradores. 

Economicamente é um bom investimento em conservação e restauro da natureza, tem escala, as ações dedicadas a uma espécie têm o potencial de beneficiar muitas outras e garantem a proteção a longo prazo de uma grande variedade de habitats.

Os peixes são a categoria de animais mais ameaçados mas também os mais esquecidos, principalmente os andrónomos, peixes que migram entre rio e mar. Estas migrações são importantes pois transportam nutrientes entre diferentes locais e dão vida à paisagem. 

Os rios de Portugal já não são rios. Mas para o esturjão regressar podem voltar a ser. 

Para quando o regresso do Esturjão a Portugal? 


Recorde aqui outros artigos de Daniel Veríssimo já publicados na Wilder sobre o regresso das espécies selvagens a Portugal.

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