Um novo estudo internacional quantificou a ameaça da nova variante do vírus da Doença Hemorrágica Viral, que chegou a Portugal em 2012 e tem causado o declínio das populações de coelho-bravo. Os investigadores alertam que a conservação do lince-ibérico e da águia-imperial pode estar comprometida.
A equipa internacional, coordenada por investigadores do CIBIO-InBIO, publicou agora um artigo na revista Scientific Reports onde alerta para os danos que a nova variante do vírus da Doença Hemorrágica Viral está a ter nos ecossistemas mediterrânicos. Desde que chegou, a nova estirpe tem causado um “drástico decréscimo” das populações de coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus), principal alimento do lince-ibérico (Lynx pardinus) e da águia-imperial (Aquila adalberti).
A Doença Hemorrágica Viral (DHV) é uma doença altamente contagiosa que afecta mortalmente o coelho-bravo. No final dos anos 80 do século XX causou mortalidades entre 55 e 75% das populações deste animal. Até 2011, todas as estirpes a circular nas populações europeias de coelho-bravo pertenciam ao mesmo grupo. Mas uma nova estirpe (RHDV2 ou RHDVb) chegou a Espanha em 2011 e a Portugal em 2012.
“Esta nova variante difere das estirpes que circulavam na Península Ibérica até 2011 por ser geneticamente muito distinta e afectar coelhos jovens (menos de dois meses de idade), o que dificulta a renovação das populações”, explicam Pedro Esteves e Joana Abrantes, autores do artigo e membros do CIBIO-InBIO, em comunicado.
Mas até agora, o impacto desta nova variante nas cadeias tróficas mediterrânicas ainda não tinha sido avaliado.
Para conseguir quantificar o impacto da RHDV2 nas populações de coelho-bravo e avaliar o impacto do declínio de coelho nos predadores, os investigadores recolheram dados em duas áreas representativas de lince-ibérico e de águia-imperial: a Serra de Andújar e o Vale do Guadiana.
De Janeiro de 2012 a Outubro de 2015, os investigadores analisaram 85 amostras de carcaças de coelho encontradas no campo e 138 de animais aparentemente saudáveis (mortos pela caça ou atropelamentos). Todas as amostras que deram positivo para a doença foram identificadas como RHDV2. O vírus estava presente em 83,5% dos animais encontrados mortos no campo e em 10,9% dos animais mortos na caça ou atropelados.
“Os dados recolhidos sugerem que a nova variante da DHV é a principal causa de mortalidade nas populações naturais de coelho-bravo”, acrescentam os autores.
Outra das conclusões é que 54,9% dos animais encontrados no campo eram coelhos com menos de seis meses de idade.
Segundo o artigo científico, na Serra de Andújar, a população de coelho aumentou ligeiramente de 2003 a 2010. Depois da chegada do RHDV2, a população decresceu 69,4% em cinco anos.
No Vale do Guadiana, a abundância relativa de coelho aumentou quatro vezes entre 2004 e 2010. Depois da chegada do RHDV2, a população decresceu de 2010 a 2015. A abundância relativa caiu 44,2% de 2010 a 2013 e continuou a cair continuamente nos anos seguintes. Em 2015, a abundância era de 37,7% em relação a 2010.
“De acordo com o actual ritmo de declínio, a abundância relativa de coelho deverá diminuir em três anos: 21% e 15% em relação a 2010, para a Serra de Andújar e para o Vale do Guadiana, respectivamente.”
Impactos nas populações de lince-ibérico e águia-imperial
A escassez de coelho, principal fonte de alimento do lince-ibérico e da águia-imperial, causou uma diminuição das populações destas espécies. “Na ausência de alimento, estas espécies vão reduzir os gastos de energia com funções não vitais, nomeadamente com a reprodução”, explicou Pedro Monterroso, investigador do CIBIO-InBIO que liderou a equipa.
De 2004 a 2011, a população de fêmeas de lince em Andújar aumentou gradualmente. Um ano depois da chegada da doença, a população entrou em declínio; houve uma redução de 30,4% no número de fêmeas territoriais entre 2011 e 2015. “Se as condições se mantiverem, o número de fêmeas territoriais deverá cair para 24 indivíduos, cerca de metade (58%) em relação a 2011”, escrevem os autores no estudo. “Esta redução drástica originou acções de gestão de emergência, como reforço de coelhos e activação de estações de alimentação suplementares”. Estas acções conseguiram recuperar a fecundidade dos linces em 2014 e em 2015. Ainda assim, era 56,1% mais baixa que em 2011.
Uma população reprodutora de águia-imperial começou a estabelecer-se naturalmente em 2007 no Vale do Guadiana e aumentou gradualmente nos anos seguintes. Depois da chegada da doença, o número de casais reprodutores diminuiu quatro vezes em 2014. O declínio dos coelhos teve um impacto imediato, reduzindo a fecundidade média das águias em 45,5% de 2012 a 2013 e em 16,7% de 2013 a 2014.
Os investigadores concluem que “a emergência da RHDV2 teve impactos negativos severos nos dois predadores endémicos” e “ambos responderam com uma quebra na fecundidade”.
Os cientistas sugerem que esta nova estirpe poderá causar impactos maiores no lince do que a clássica DHV. “A RHDV2 deverá causar importantes declínios nas populações de lince e águia, pondo potencialmente em perigo os esforços de conservação e reverter a suas recentes tendências positivas populacionais”.