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um sapo parteiro comum
Sapo-parteiro-comum (Alytes obstetricans). Foto: Felix Reimann/Wiki Commons

Fungo mortal já causou declínio de pelo menos 501 espécies de anfíbios

29.03.2019

Vinte anos depois da descoberta da quitridiomicose, causada por dois fungos microscópicos, cientistas fizeram uma revisão exaustiva dos estudos sobre o impacto da doença.

 

Contas feitas, concluíram que nos últimos 50 anos as infecções por quitrídio, que afectam a pele dos anfíbios e acabam por conduzir à sua morte, já causaram o declínio de pelo menos 501 espécies por todo o mundo. Ou seja, uma em cada 16 das espécies conhecidas para a ciência.

Os resultados do estudo, agora publicados na Nature, indicam que esta infecção é responsável pela “maior perda documentada de biodiversidade atribuível a um agente patogénico”.  Um dos dois fungos microscópicos responsáveis pela doença, o Batrachochytrium dendrobatidis – indicam os investigadores – é “uma das espécies invasoras mais destruidoras de sempre, comparável aos roedores (420 espécies ameaçadas) e aos gatos (430 espécies)”.

 

gráfico
Cada barra representa uma das espécies de anfíbios afectadas e o grau de declínio, segundo a cor.

 

Em causa estão os efeitos de um mundo globalizado, sublinham os autores do estudo coordenado por Ben Scheele, da Australian National University: “O comércio global recriou uma Pangeia [um continente único] funcional para as doenças infecciosas na vida selvagem, com impactos de longo alcance na biodiversidade, no gado e na saúde humana”.

“Uma bio-segurança eficaz e a redução imediata do comércio de vida selvagem são urgentemente necessários” para se espalharem menos estas doenças, apelam também.

As 501 espécies de anfíbios em declínio nos últimos 50 anos devido à doença representam 6,5% das espécies conhecidas. Dessas, 90 (18%) já se extinguiram ou estão presumivelmente extintas na natureza e outras 124 (25%) sofreram uma redução de mais de 90% no número de animais.

 

Galinha-da-montanha (Leptodactylus fallax) com quitridiomicose na ilha de Montserrat, onde a população foi empurrada para a beira da extinção. Foto: Gonçalo M. Rosa

 

Os dados recolhidos indicaram também que o fungo Batrachochytrium dendrobatidis, descoberto em 1998, é responsável pelo declínio de praticamente todas estas espécies. Já o Batrachochytrium salamandrivorans, descrito apenas em 2013, afecta a salamandra-de-pintas-amarelas (Salamandra salamandra).

“As perdas associadas à quitridiomicose têm uma ordem de magnitude maior do que outros grandes agentes patogénicos da vida selvagem, como a síndrome do nariz-branco nos morcegos (seis espécies) ou o vírus do Nilo Ocidental nas aves (23 espécies).”

Onde é que doença tem afectado mais anfíbios? “Nos trópicos da Austrália, Mesoamérica e América do Sul, o que sustenta a hipótese de o Batrachochytrium dendrobatidis se ter espalhado desde a Ásia para o Novo Mundo.” Já na Ásia, África, Europa e América do Norte as baixas causadas por este fungo são bem menores, apesar de estar bastante espalhado nessas regiões. Porquê? Ninguém sabe ainda muito bem.

Em Portugal, os primeiros registos desta infecção surgiram em 2009, quando foram encontrados centenas de sapos-parteiros mortos numa das lagoas do Parque Natural da Serra da Estrela.

Mas nem tudo são más notícias. A equipa confirmou que há pequenos sinais de esperança: 60 das 292 espécies para as quais se conhece a tendência populacional  têm mostrado alguns indícios de recuperação.

“Ainda assim, as recuperações geralmente representam pequenas subidas na abundância de populações individuais, não a recuperação completa ao nível da espécie”, ressalvam.

Para já, concluem, além de travar o comércio mundial de anfíbios, é urgente mais investigação e uma monitorização apertada, “para identificar mecanismos de recuperação das espécies e desenvolver novas acções de mitigação para as espécies em declínio.”

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Leia aqui sobre o trabalho do investigador português Gonçalo M. Rosa com anfíbios em Madagáscar, na luta contra esta doença.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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