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Ganga (Pterocles alchata), espécie Criticamente Em Perigo em Portugal. Foto: Francesco Veronesi/WikiCommons

Extinções de aves em Portugal terão afetado negativamente populações de outras espécies, diz investigadora

10.10.2024

A Wilder falou com Filipa Coutinho Soares, investigadora de pós-doutoramento no Museu Nacional francês de História Natural, em Paris, que participou no estudo agora publicado segundo o qual o ser humano já causou a extinção de 600 espécies de aves.

Segundo um novo estudo publicado na revista Science a 1 de Outubro, a actividade humana causou a perda de diversidade funcional da avifauna – uma medida dos diferentes papeis e funções que as aves têm no ambiente – e resultou na perda de cerca de três mil milhões de anos de história evolutiva única.

Desde o Dodo (Raphus cucullatus) até à coruja oo-de-kauai (Moho braccatus), declarada extinta em 2023, os cientistas têm provas de que, pelo menos, 600 espécies de aves se extinguiram como resultado das actividades dos humanos desde o final do Pleistoceno, quando os humanos se começaram a espalhar pelo mundo.

Entre a equipa de investigadores por detrás deste estudo está a portuguesa Filipa Coutinho Soares.

“O primeiro autor, Dr. Thomas J. Matthews, convidou-me para participar neste estudo durante o meu doutoramento. Na altura, estava a estudar os efeitos das extinções e introduções de aves na diversidade taxonómica e funcional das ilhas oceânicas. Para isso, tinha recolhido dados sobre várias características funcionais (utilizadas neste estudo) para todas as espécies de aves, incluindo as extintas, de 74 ilhas oceânicas. Comecei por contribuir para este estudo com estes dados e, posteriormente, colaborei na discussão dos resultados e na revisão e edição dos textos. Foi uma oportunidade incrível poder participar neste trabalho, pois sinto que aprendi imenso”, contou Filipa Coutinho Soares.

Filipa Coutinho Soares. Foto: D.R.

Uma espécie é considerada oficialmente extinta quando não há dúvidas razoáveis de que o último indivíduo da espécie tenha morrido, de acordo com a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza. “Para que uma espécie seja classificada como extinta, devem ser realizados estudos exaustivos em áreas onde a espécie era conhecida e/ou habitats onde a presença da espécie era provável, a fim de garantir que não existem indivíduos remanescentes”, explicou Filipa Coutinho Soares. “Estes estudos devem ser realizados em períodos do ano apropriados para a espécie em questão e abranger toda a área de distribuição da espécie. Geralmente, se não há avistamentos confirmados da espécie num período considerável, normalmente de 50 anos, esta pode ser considerada extinta.”

Em Portugal estão registadas 11 espécies de aves regionalmente extintas: charrela (Perdix perdix), tetraz-real (Tetrao urogallus), galeirão-de-crista (Fulica cristata), grou-pequeno (Anthropoides virgo), grou-comum (Grus grus), ostraceiro (Haematopus ostralegus), toirão (Turnix sylvaticus), quebra-ossos (Gypaetus barbatus), falcão-da-rainha (Falco eleonorae), gralha-calva (Corvus frugilegus) e calhandra-de-dupont (Chersophilus duponti).

Embora não seja exactamente o mesmo tipo de extinção de que fala a investigação, uma extinção regional também tem consequências na diversidade funcional dos ecossistemas e biodiversidade? A investigadora considera que sim.

“A extinção regional também tem consequências significativas para a diversidade funcional dos ecossistemas e para a biodiversidade. Embora uma extinção regional não signifique que a espécie está extinta globalmente, a sua ausência numa determinada área pode alterar profundamente as funções ecológicas que essa espécie desempenhava no ecossistema”. Essas funções essenciais vão desde a dispersão de sementes à polinização e ao controle de pragas, por exemplo.

“Quando uma espécie desaparece de um ecossistema, as suas funções são perdidas, o que pode provocar desequilíbrios ecológicos e reduzir a resiliência do ecossistema a perturbações. A perda de uma espécie pode afetar outras espécies que dependiam dela, direta ou indiretamente. Por exemplo, uma planta que depende exclusivamente de uma ave para dispersar as suas sementes corre o risco de desaparecer localmente se essa ave se extinguir na região”, explicou.

Em Portugal, as espécies que já se extinguiram “têm interações ecológicas importantes e, muito provavelmente, a sua extinção regional afetou negativamente as populações de outras espécies. Infelizmente, a falta de estudos limita a nossa compreensão mais detalhada das consequências destas extinções”.

Estudo pode ajudar a definir prioridades de conservação

A investigação alerta que nos próximos 200 anos corremos o risco de perder 1000 espécies de aves. Segundo a Birdlife International estão registadas mais de 11.000 espécies de aves em todo o mundo.

Na crise da biodiversidade que enfrentamos, a comunidade científica apressa-se a reunir informação que possa ajudar a travar a perda de mais espécies. Em Portugal há 14 espécies de aves Criticamente Em Perigo, por exemplo.

Ganga (Pterocles alchata), espécie Criticamente Em Perigo em Portugal. Foto: Francesco Veronesi/WikiCommons

“Este estudo revela que 610 espécies de aves estão extintas, em grande parte devido às ações humanas. Este número, que provavelmente está significativamente subestimado, pois muitas ilhas nunca foram alvo de estudos paleontológicos e algumas espécies podem não ter deixado vestígios dos seus esqueletos, mostra a dimensão da crise de extinção”, comentou a investigadora.

Segundo Filipa Coutinho Soares, “este estudo permite destacar a necessidade urgente de compreender e prever os impactos das extinções antropogénicas, tanto passadas como futuras, sobre o funcionamento dos ecossistemas. Essa informação é crucial para estabelecer metas eficazes para as estratégias globais de conservação, assim como para os esforços de conservação em Portugal, por exemplo, priorizando a conservação de espécies em risco que são consideradas funcionalmente e/ou evolutivamente distintas”.  

Estas extinções representam mais do que um simples número. “Além das perdas em termos de número de espécies, também houve uma perda significativa de outros aspetos da diversidade, nomeadamente de diversidade funcional e filogenética. Descobrimos que essas extinções de aves resultaram em grandes perdas de diversidade funcional, superando o que seria esperado com base apenas no número de extinções. Isso significa que muitas dessas espécies desempenhavam funções distintas no ecossistema que são difíceis de substituir.”

A investigadora explicou que “cada espécie extinta representa a perda de uma linha evolutiva única”. “Essas espécies estariam ligadas à árvore da vida (i.e., árvore filogenética que inclui todas as espécies) por um ramo (com um comprimento específico dependendo de quanto tempo a espécie se separou da sua espécie irmã mais próxima) e, se se extinguir, significa que esse ramo se cortou definitivamente. Como muitas dessas aves desempenhavam funções ecológicas distintas, a sua extinção não só reduz o número total de espécies, mas também elimina variações filogenéticas que podem ser importantes para a resiliência dos ecossistemas.”

“Com a perda de diversidade filogenética, há uma redução no potencial adaptativo do ecossistema, limitando a capacidade de resposta a novas pressões ambientais e doenças. Por exemplo, a extinção de aves com características evolutivas únicas pode diminuir a diversidade genética disponível para futuras adaptações.” 

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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