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Eva Monteiro

Eva Monteiro, uma vida dedicada às borboletas, gafanhotos e grilos

Embaixadores por Natureza
01.08.2023

Na nossa mini série que lhe apresenta os peritos que, nos bastidores, identificam as centenas de espécies que os nossos leitores nos enviam, perguntámos à bióloga e entomóloga Eva Monteiro porque se interessa tanto por estes insectos.

Eva Monteiro, 44 anos, acredita ser crucial o contacto “com os bichos” e a partilha de histórias e de momentos passados na natureza. Fique a conhecer melhor esta especialista que dedica a sua vida à entomologia e que é coordenadora dos Censos de Borboletas de Portugal. 

WILDER: Que idade tem, qual é a sua ocupação profissional e em que está a trabalhar neste momento?

Eva Monteiro: Tenho 44 anos, sou bióloga e investigadora do Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal. Dedico-me ao estudo e divulgação dos insetos de Portugal, especialmente borboletas e gafanhotos e grilos. Sou coordenadora dos Censos de Borboletas de Portugal, que fazem parte do plano europeu de monitorização de borboletas diurnas, provavelmente um dos projetos mais famosos e antigos de ciência cidadã dedicado a um grupo de insetos. Desenvolvo ainda atividades de educação ambiental, que têm os insetos por protagonistas, e investigação em didática das ciências, procurando perceber como a experiência da natureza e a identificação de organismos pode contribuir para um maior conhecimento da biodiversidade e no engajamento em ações de conservação.

W: Porque é que se dedicou a este grupo de espécies?

Eva Monteiro: Sempre gostei de invertebrados. Atrai-me a diversidade, a enorme diferença nas estratégias de vida quando comparados com os vertebrados, as inúmeras formas. Embora tenha tido uma cadeira de Entomologia na universidade, só no Tagis comecei a debruçar-me sobre as borboletas. Pode dizer-se que o meu começo como entomóloga foi principalmente uma contingência profissional, mas fiquei completamente rendida ao fim de pouco tempo. Os ortópteros chegaram mais tarde, por questões práticas – são relativamente poucos, cerca de 150 espécies em Portugal (embora ainda não haja uma lista definitiva) uma diversidade que se pode abarcar -, mas também porque são giros, cantam, têm algumas espécies endémicas no nosso país e porque as questões da sua taxonomia ainda não estão bem resolvidas.

W: Como é que começou?

Eva Monteiro: Com as borboletas comecei no final de 2006, no Lagartagis, o borboletário do Jardim Botânico do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, onde trabalhei pela primeira vez com insetos. Criava borboletas e fazia visitas guiadas para escolas e para o público em geral. Tive de aprender primeiro a identificar as espécies comuns: borboletas, lagartas, ovos, crisálidas e também as plantas hospedeiras. Nessa altura foi bastante rápido, aprendi com as minhas colegas a observar e a criar as espécies que estavam no borboletário em cada momento. Também aprendi muito durante o trabalho de campo. O contacto direto com as espécies é, de facto, indispensável. Outra coisa que ajuda imenso é haver informação publicada. Lembro-me de devorar o livro “As Borboletas de Portugal” publicado em 2003, o primeiro livro dedicado à identificação de um grupo de insetos editado no nosso país. Lia-o à noite como se fosse um romance, muitas espécies de borboletas portuguesas conheci-as primeiro neste livro e algumas delas ainda não as vi ao vivo! 

No caso dos ortópteros foi mais difícil, não havia livros… O meu interesse por gafanhotos e grilos começou em 2009 com o projeto das Estações da Biodiversidade, quando o Tagis “se abriu” ao estudo e divulgação de outros grupos de insetos. Além das questões práticas já referidas, ter testemunhado uma explosão de grilos-de-sela (Neocallicrania sp., uma das espécies cuja taxonomia ainda está por resolver) na EBIO Souto da Casa (Serra da Gardunha) fez-me querer saber mais sobre este grupo. Ali estava todo um género endémico da Península Ibérica, com espécies de grandes dimensões, que “cantam” de forma ritmada e característica, e eu, que pretendia saber um bocadinho sobre insetos, não fazia a mínima ideia da sua existência! Toda a gente devia ficar a conhecer essa beleza! Mais tarde escolhi os ortópteros como caso de estudo para o meu projeto de doutoramento, onde avaliei a influência das atividades de identificação de organismos na aprendizagem da biodiversidade e no conhecimento de ações de conservação. A proposta era uma atividade de identificação com 30 espécies comuns de gafanhotos, grilos e saltões ibéricos, usando uma ferramenta de identificação disponível on-line e especialmente concebida para o efeito: o Orthopter-ON (uma homenagem à Flora-ON).

W: O que a fascina mais nos insectos?

Eva Monteiro: Tudo! A diversidade. O facto de haver sempre coisas novas para aprender, para ver, espécies novas para descobrir, seja para um local (por exemplo um jardim de Lisboa, ou uma Estação da Biodiversidade por mais visitas que já se tenham feito), seja para uma pessoa (os entomólogos gostam muito de dizer “esta é nova para mim”, ou seja, é uma espécie que nunca tinham visto), seja para um país (todos os anos se descobrem novas espécies de insetos para Portugal), seja para a Ciência (a maior ambição de qualquer entomólogo é encontrar uma espécie que nunca tenha sido descrita). O facto de poderem ser observados, tocados mesmo, em qualquer lugar, proporcionando a experiência da natureza até em sítios com pouca diversidade biológica. A sua longevidade e sucesso evolutivo: os insetos estão cá há 400 milhões de anos! A evolução e o equilíbrio da vida na Terra está intimamente ligada aos insetos, não é por acaso que E. O. Wilson lhes chama “os pequenos seres que governam o mundo”. Proporcionam inúmeros serviços de ecossistema da decomposição e reciclagem de nutrientes, à polinização, ao controlo biológico de pragas e a servirem de alimento a outros organismos, como aves e restantes vertebrados.

Além disso os insetos são extremamente bonitos e inspiradores. Estou convencida que foram os insetos voadores, como as borboletas, as libélulas ou as crisópas, que inspiraram as histórias das fadas, o que não é de todo descabido já que são estes seres misteriosos que fazem o trabalho invisível de manter a teia da vida a funcionar!

W: Quais são os principais desafios quando está a identificar espécies?

Eva Monteiro: A incerteza e a falta de informação acessível. Quando comecei a identificar gafanhotos e grilos apenas conhecia outra pessoa em Portugal que já tinha trabalhado com este grupo de insetos, a Sónia Ferreira, especializada em grilos. Ela emprestou-me toda a sua bibliografia o que foi uma grande ajuda, mas não havia, nem há até ao momento, nenhum guia ou trabalho especializado nas identificação de ortópteros portugueses. A bibliografia sobre o assunto encontra-se repartida por muitas publicações, há chaves e guias sobre esta fauna mas são de territórios estrangeiros, deixando várias espécies que ocorrem no nosso país de fora. Além disso as chaves utilizam caracteres de difícil interpretação, uma linguagem hermética e são pensadas para espécimes em coleção, descoloridos e em que é necessário observar características à lupa. Há características que permitem distinguir as espécies quando vivas, mas que se perdem após a secagem ou no álcool. Normalmente estas características não são referidas nas chaves. Era fundamental que houvesse um guia fotográfico, que se pudesse usar no campo, para colmatar esta falta. 

W: Como tem sido participar no “Que Espécie é Esta?”

Eva Monteiro: Eu gosto de partilhar o meu gosto e aquilo que sei sobre os “bichos”, é isso que tento fazer quando participo no “Que Espécie é Esta?”. Para mim foi muito importante começar a ir para o campo com os colegas Sílvia Pina e Francisco Barros (que também me ajudam muitas vezes com a identificação de ortópteros), ter pessoas que se interessam pelos mesmos bichos que eu, poder tirar dúvidas e conversar. Com a ajuda deles, muito mais metidos na identificação de ortópteros do que eu (que sou antes de mais uma generalista), fui capaz de passar a ver características identificativas que não via porque não vinham referidas nas chaves, de começar a ouvir o “canto”, a perceber os habitats e as épocas e alturas do dia mais favoráveis. Como já disse, o contacto com os bichos é muito importante, mas também a partilha com as pessoas, o passar a palavra, as histórias, os momentos que se passam juntos na natureza! Participar no “Que Espécie é Esta?” também é isso: passar a palavra, passar momentos “à volta” da natureza, mesmo que virtualmente. Por isso, mais do que apenas dizer o nome tento que as pessoas fiquem a saber identificar o que estão a ver, contando histórias e curiosidades sobre os aspetos da sua biologia e ciclo de vida. Porque acredito que a observação e identificação é o começo de uma relação com as restantes formas de vida que ultimamente conduzirá à compreensão de que todos fazemos parte deste superorganismo que é a vida na Terra.


Embaixadores por Natureza é uma mini série da Wilder dedicada à rede de especialistas que, desde 2017, são o coração do “Que Espécie É Esta?”. É o nosso reconhecimento e obrigado a tantas horas passadas a olhar com carinho, e de forma voluntária, para “os nossos” bichos e plantas. E a dar-lhes um nome. Sai todos os dias, de 1 a 16 de Agosto.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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