Investigadores analisam o que influencia as preferências dos cientistas e da sociedade, em relação a mais de 3000 espécies diferentes, e alertam para o peso que isso tem nas medidas de conservação.
O que leva os cientistas e a sociedade em geral a procurarem mais conhecimento sobre um grupo de espécies do que sobre outro? E será que os investigadores e o público em geral se comportam da mesma forma?
Estas questões motivaram uma equipa internacional de 18 investigadores de oito países, incluindo Portugal, a avançar com um estudo em que compararam 3019 espécies diferentes, seleccionadas ao acaso, pertencentes a 29 filos e divisões da chamada Árvore da Vida.
Para determinar o interesse científico e social de cada espécie, a equipa analisou o número de publicações científicas para cada uma e o número de visualizações na Wikipedia. Esses dados foram comparados com diferentes características, como por exemplo a área de distribuição, o habitat, se tem ou não um nome comum, se é utilizada por humanos. Os resultados foram publicados na revista científica eLife.
As conclusões indicam que “valorizamos espécies que nos são úteis ou prejudiciais, que estão listadas como ameaçadas e que têm um nome comum”, explica Ronaldo Sousa, investigador na Universidade do Minho e um dos autores do artigo.
As espécies maiores, com distribuições geográficas mais amplas, e ainda aquelas que são taxonomicamente únicas – como por exemplo a árvore Ginkgo biloba e o peixe celacanto – recebem também mais interesse. Já as mais coloridas e aquelas que são mais próximas dos humanos, em termos de evolução, captam muita atenção da sociedade em geral, mas o interesse dos cientistas é menos evidente.
“Os resultados destacam um claro favoritismo em relação a determinados ramos da árvore da vida, sobretudo da divisão dos cordados (ou vertebrados), que inclui os mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes”, destaca uma nota de imprensa da Escola de Ciências da Universidade do Minho. “Desta divisão dos cordados fazem parte pouco mais de 80 mil espécies, sendo que no planeta há 2,5 milhões de espécies descritas, sobretudo invertebrados como insetos, crustáceos, nemátodes e moluscos, entre outros.”
Mais atenção para as espécies erradas?
Aliás, no estudo publicado, os investigadores alertam que essa falta de objectividade, tanto da sociedade como dos cientistas, pode “a longo prazo enviesar a nossa compreensão geral da vida na Terra, ao ponto de influenciar decisões políticas e a alocação de fundos para esforços de pesquisa e conservação”.
A equipa aponta que as espécies mais populares costumam receber mais dinheiro e esforços dirigidos à sua conservação, o que contrasta com o facto de “pelo menos dois terços das espécies ameaçadas de insectos” não estarem hoje em dia cobertas por áreas protegidas. Essas diferenças na atenção e reconhecimento podem também prejudicar as hipóteses de sobrevivência a longo prazo dos mais preteridos, uma vez que “é menos provável que uma espécie se extinga se os humanos escolherem protegê-la”, alertam os autores.
“Dito de uma forma directa, pode ser que estejamos a concentrar a nossa aenção em espécies que os humanos consideram que são úteis, bonitas ou familiares, em vez de espécies que merecem mais esforço de pesquisa devido a um maior risco de extinção ou por causa do papel-chave que desempenham na estabilidade e funcionamento de um ecossistema”, sublinham também.
“Ligamo-nos desde os primórdios com a vida selvagem, que faz parte dos nossos rituais, das nossas artes e que é fonte de alimento e materiais, mas na verdade temos menos conhecimento e interesse sobre boa parte das espécies que nos rodeiam”, acrescenta por sua vez por sua vez Ronaldo Sousa, citado na nota de imprensa.
O biólogo sugere que se aposte claramente “na consciencialização política, educativa e cultural sobre a biodiversidade, numa fase de desafios globais como o desenvolvimento sustentável e as alterações climáticas”.