Em perigo: a segunda maior colónia de abutre-preto do país, em Moura, conseguiu 7 crias em 2021

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Mais sete abutres-pretos foi o resultado da temporada reprodutora de 2021 na segunda maior colónia de abutre-preto de Portugal, na Herdade da Contenda (Moura, Baixo Alentejo). Como será o resultado da época reprodutora de 2022, que está agora a começar, entre Janeiro e Fevereiro?

A história do abutre-preto conheceu momentos negros em Portugal. Durante 40 anos não nasceram crias desta ave de rapina (Aegypius monachus), a maior da Europa, no nosso país. A perda de habitat, envenenamento, colisão e electrocussão em linhas eléctricas e diminuição de alimento disponível ditaram esta ausência, dos anos 1970 a 2010.

Ninho de abutre-preto na Herdade da Contenda. Foto: Pedro Rocha

Desde então, esforços conservacionistas conseguiram trazer de volta esta espécie ao Douro Internacional, ao Baixo Alentejo e ao Tejo Internacional.

No Alentejo, esses esforços em nome do abutre-preto têm um bastião. Fica na Herdade da Contenda, propriedade da Câmara Municipal de Moura com 5.300 hectares onde, em 2012, começaram a ser instalados vários ninhos artificiais para atrair casais reprodutores para a região. 

Passados quase 10 anos, em 2021, naquela mesma herdade a equipa no terreno identificou, pelo menos, 10 casais nidificantes. Destes resultaram sete crias, nascidas entre Abril e Maio e que começaram a voar entre Agosto e Setembro. Foram “os melhores resultados reprodutivos desde que a espécie se instalou, em 2015, na Herdade da Contenda”, segundo um comunicado divulgado recentemente por esta herdade.

Quatro das crias (dois machos e duas fêmeas) foram anilhadas e marcadas com emissor GPS/GSM para monitorizar os seus movimentos. 

Marcação de abutre-preto. Foto: Pedro Rocha

“As crias vão explorando o território, passando por áreas de alimentação e de nidificação (é visível que passam tempo a explorar áreas onde se conhecem colónias, como os Picos de Aroche, a Serra Pelada ou a Serra de San Pedro, em Espanha)”, explicou à Wilder Pedro Rocha, administrador executivo da Herdade da Contenda, E.M e antigo director do Parque Natural do Vale do Guadiana.

“São também presença frequente em campos de alimentação no país vizinho, evidenciando a importância de uma rede de campos de alimentação transfronteiriços para a conservação das aves necrófagas.”

Esta informação, proveniente dos emissores GPS/GSM, mostra que “os jovens abutres empreendem deslocações exploratórias depois de deixarem o período de dependência dos progenitores. Há também indicações de visitas regulares na Contenda. Por exemplo, o Chaparrito, macho marcado em 2020, tem visitado regularmente a Contenda e a 26 de Janeiro de 2022 encontrava-se na zona sul da Herdade”, acrescentou Pedro Rocha. 

As duas fêmeas que nasceram em 2021 na Contenda, Tomina e Esteva, têm explorado a área da Contenda, nomeadamente o seu campo de alimentação, e região envolvente, com movimentos gradualmente mais distantes.

Neste momento, na Herdade da Contenda “ocorrem diariamente várias dezenas de abutres pretos, sendo difícil de estimar o número exacto, uma vez que há uma grande mobilidade dos abutres em torno das áreas raianas”, explicou o responsável.

A coordenação da monitorização da população nidificante da Herdade é assegurada pela Liga para a Proteção da Natureza (LPN) com o apoio da Herdade da Contenda.

O paradeiro destes jovens abutres já não é desconhecido. Nos últimos dois anos foram marcadas quatro crias com emissor GPS/GSM, disponibilizados pela VCF – Vulture Conservation Foundation (um em 2020 e três em 2021).

“Relativamente aos três animais que estão a ser seguidos e que nasceram em 2021, a fêmea Tomina fez uma pequena dispersão para Sul e encontra-se na proximidade do Parque Natural do Vale do Guadiana; a fêmea Esteva fez uma dispersão considerável para Este e depois para Norte e está próxima do Parque Nacional de Cabaneros, a mais de 250 km da Contenda. Finalmente o macho Monsanto (assim chamado em homenagem ao LxCRAS pelo excelente trabalho de recuperação desta cria, que foi resgatada depois de cair do ninho), está a 200 kms a Este da Contenda, na Serra Morena, próximo do Parque Natural da Serra de Andújar. Os 3 abutres têm sido detetados regularmente na Contenda até ao início deste ano.” 

Porquê a Contenda?

Estas aves são muito fiéis aos locais e às colónias onde nasceram e, por isso, não é fácil criar novos núcleos reprodutores, explicou, anteriormente à Wilder Eduardo Santos, responsável da LPN, entidade que trabalha há vários anos para dar à espécie as condições necessárias para sobreviver. 

Mas na sua opinião, a Contenda consegue reunir um pacote de “atractivos” para a espécie. “Tal como todos os abutres-pretos da Península Ibérica, estes só nidificam em árvores de grande porte (os ninhos são muito grandes e pesados), em locais sossegados e onde a vegetação é abundante. Esta herdade consegue reunir essas condições.”

Além disso, há alimentação disponível. “Para se alimentarem, estas aves necrófagas percorrem, normalmente, entre 50 a 60 quilómetros. Mas para este sucesso muito contribuiu a rede de dez campos de alimentação”, seis na zona de Moura-Mourão-Barrancos (um dos quais na Contenda) e quatro no Vale do Guadiana. Na época de nidificação este é um factor particularmente importante. “É crucial na alimentação das crias os abutres terem alimento disponível e seguro, isto é, que não esteja envenenado”, acrescentou.

Na verdade, os venenos é “uma eterna preocupação”. “É um factor de ameaça sobre a espécie e que pode influenciar a sobrevivência dos casais”, alertou. E além do risco dos venenos ilegais há ainda a ameaça do diclofenaco, uma substância activa usada em medicamentos para gado que é fatal para as aves necrófagas.

Para a Contenda, o abutre-preto é um símbolo. “Foi aqui que foram desenvolvidas as primeiras iniciativas para a sua proteção em Portugal, na década de 80 do Séc. XX, quando os Serviços Florestais e o CEAI (Centro de Estudos da Avifauna Ibérica, ONGA que tinha sede no Alentejo) vedaram uma área de cerca de 5 hectares, localizada nas imediações do Pico da Águia, onde era depositado alimento para as aves necrófagas. Nessa altura foram também construídas algumas plataformas de nidificação”, lembrou Pedro Rocha.

E hoje, como está esta Herdade a ajudar o abutre-preto?

Segundo Pedro Rocha, estão a ser feitas medidas para melhorar o habitat de nidificação da espécie. Por exemplo, “em 2020 foi realizada uma intervenção de emergência para a recuperação de ninhos após a queda de inúmeras árvores associadas à tempestade Bárbara e em 2021 foram disponibilizadas 10 novas plataformas (de nidificação) e realizadas 15 ações de reforço de ninhos no âmbito do Protocolo “Gestão de habitats e espécies ameaçadas e melhoria das condições de visitação no perímetro florestal da Contenda” financiado pelo Fundo Ambiental”.

Alimentador de abutre-preto. Foto: Pedro Rocha

Além disso, a herdade tem sob a sua gestão um Campo de Alimentação de Aves Necrófagas (CAAN), onde se disponibiliza alimento de acordo com as necessidades da população de abutre-preto, nomeadamente em períodos mais críticos. “O CAAN funciona com recurso aos animais e despojos provenientes de atividade cinegética e pecuária.”

É ainda a pensar no abutre-preto que a equipa tem feito acções de gestão de habitat – como sementeiras, criação de mosaicos – para a promoção do coelho-bravo na Herdade. Segundo Pedro Rocha, esta era uma espécie muito abundante no passado mas agora tem “densidades muito baixas”. 

Ao longo do ano, a herdade procura que as suas actividades chave – nas áreas da cinegética, pecuária, floresta, ecoturismo e conservação da natureza – não colidam com os ciclos reprodutivos do abutre. “Por exemplo, a realização de aceiros ou gestão de combustíveis é desfasada no tempo e no espaço de forma a assegurar a tranquilidade dos abutres-pretos.”

Além de um símbolo, o abutre-preto é também “um indicador da qualidade da paisagem e habitats da Contenda, sendo um recurso da maior importância, pelo seu valor intrínseco para a conservação da natureza, mas também enquanto recurso com elevado potencial ecoturístico”, concluiu o responsável. 

Actualmente há no nosso país cerca de 50 casais de abutre-preto. Há três núcleos reprodutores, incluindo o Douro Internacional e também o Alentejo (na zona de Moura) e o Tejo Internacional. É nesta última região que está hoje a maior colónia onde foram registados em 2021, pelo menos, 30 casais e 13 crias. Em Novembro do ano passado, a organização Rewilding Portugal confirmou uma nova colónia desta espécie no nosso país, na Reserva Natural da Malcata, com um total de três ninhos.

Anos de trabalho estão a dar resultados. Criticamente Em Perigo de extinção, o abutre-preto regressa, lentamente, ao nosso país.


Agora é a sua vez.

Eduardo Santos, da LPN, e Gonçalo Elias, do portal Aves de Portugal, dão-lhe as dicas que o vão ajudar a observar abutres-pretos. Leia tudo aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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