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Eles fizeram o primeiro guia dos morcegos da Amazónia

20.09.2016

Até agora, a conservação da floresta da Amazónia e das 168 espécies de morcegos que lá vivem esbarrava na dificuldade em identificar estes animais. Depois de cinco anos de trabalho e de muitas semanas a viver no coração da floresta, foi lançado no início do mês o primeiro Guia de Campo dos Morcegos Amazónicos.

 

A luz do Sol pouco consegue no coração da maior floresta tropical do planeta. Os ramos das árvores e a vegetação densa são como uma rede que apenas deixa entrar uma luz ténue. Foi aqui, a cerca de 80 quilómetros a Norte da cidade de Manaus, que Ricardo Rocha e Adrià Baucells, ambos investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, montaram acampamento para estudar morcegos.

 

Sturnira tildae
Sturnira tildae

 

De 2011 a 2015, com galochas nos pés e frontais na cabeça, Ricardo, Adrià e os restantes membros da equipa percorreram os trilhos enlameados da floresta, de noite e de dia, convivendo com macacos, rãs, borboletas, corujas, cobras e muitas outras espécies. Mas, principalmente, com morcegos, animais que se abrigam em buracos nos troncos das árvores ou entre as folhas de palmeira.

“Este é o primeiro guia de morcegos para a Amazónia, pelo menos neste formato: com fotografias, ilustrações científicas, descrição morfológica e informações sobre ecolocalização”, explicou à Wilder um dos autores, Ricardo Rocha.

A vontade de fazer um guia de identificação de morcegos surgiu quando ambos os investigadores estavam a trabalhar na Amazónia Brasileira no âmbito do Projecto de Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais.

 

Oriol Massana e Adrià Lopez-Baucells
Oriol Massana e Adrià Lopez-Baucells

 

“Já existiam chaves dicotómicas para a identificação de algumas espécies e foi nestas que baseámos grande parte do nosso trabalho. Mas estas eram difíceis de seguir no campo e, pelo menos a nosso ver, pecavam pela falta de informação que é mais facilmente transmitida por fotografias e com recurso a desenho científico”, acrescentou.

O guia, disponível desde 5 de Setembro e que pode ser descarregado gratuitamente da Internet por qualquer pessoa, tem 168 espécies de morcegos. A obra “cobre as espécies de morcegos actualmente descritas para a Amazónia. Mas a ideia é que o guia seja dinâmico e que, à medida que mais espécies são descritas para a região, estas sejam adicionadas”.

Este guia foi projectado e escrito por uma equipa internacional de investigadores, na sua maioria da Universidade de Lisboa, e foi publicado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazónia. Para que pudesse ver a luz do dia, foram precisas muitas horas de trabalho de campo no coração da floresta.

 

Ricardo Rocha em trabalho de campo

 

Ricardo e Adrià instalaram finas redes ao longo de trilhos, nas árvores a dezenas de metros do chão, ou no meio de lagoas, onde tiveram de entrar com água que lhes dava pelos ombros. Conseguiram capturar mais de 8.000 morcegos de quase 100 espécies diferentes. Antes de os soltar, tiraram-lhes as medidas e fotografaram-nos. Além disso espalharam pela floresta equipamentos para gravar os ultrassons.

 

A importância dos morcegos

 

“O principal objectivo deste guia é facilitar o trabalho de estudantes, conservacionistas e gestores que trabalham com morcegos amazónicos”, explicou Ricardo Rocha. “Esperamos também que a publicação traga visibilidade para os morcegos, um grupo tantas vezes negligenciado e que, infelizmente, sofre de uma (injusta) má reputação apesar de ser de extrema importância para os humanos devido aos serviços de ecossistema que nos proporcionam.”

 

Artibeus gnomus
Artibeus gnomus

 

Os morcegos existem há cerca de 50 milhões de anos. Hoje são conhecidas 1.300 espécies em todo o mundo. Desde o mais pequeno – o morcego-abelhão (Craseonycteris thonglongyai), com os seus cerca de dois gramas de peso – até aos maiores, do grupo das raposas-voadoras (Pteropus) que podem ter uma envergadura de asa superior a um metro e meio.

Segundo os autores do guia, compreender os morcegos é vital para a conservação da Amazónia. “Por exemplo, alguns morcegos consomem mosquitos que são vectores de várias doenças. E as espécies que se alimentam de frutos são dispersoras de sementes e, como tal, favorecem a reflorestação de zonas desflorestadas”, salientou Ricardo Rocha.

 

Mimon crenulatum
Mimon crenulatum

 

Ainda assim, cerca de um quarto de todas as espécies de morcegos do mundo estão ameaçadas, especialmente por causa da perda de habitat.

Este problema esteve no âmago da investigação dos dois biólogos. “O trabalho de campo que levou à realização do guia visa tentar desvendar a forma como a fragmentação e a perda de floresta primária afectam as comunidades de morcegos”, contou. “Os nossos resultados mostram que, apesar de a conservação de morcegos na Amazónia estar intrinsecamente associada à conservação da floresta primária, também a conservação de floresta secundária pode, em zonas já modificadas, aliviar algumas das consequências nefastas da fragmentação.”

O próximo passo na conservação dos morcegos será “identificar áreas prioritárias para o estabelecimento de áreas protegidas e avançar com a sua protecção”.

Os autores esperam que “ao facilitar o trabalho de investigadores”, este guia “contribua para a conservação não só dos morcegos, mas também da floresta Amazónica e de toda a rica biodiversidade que esta alberga”.

 

Amazónia
Amazónia

 

Ricardo Rocha adiantou que o guia será traduzido para português e espanhol, as línguas predominantes na região. A ideia é “tentar dar a conhecê-lo ao maior número possível de utilizadores”.

Em cima da mesa poderá ainda estar uma versão em papel. “A crise económica no Brasil acabou por limitar o livro a uma versão digital, mas ainda há esperança que haja uma versão impressa. O livro tem tido uma boa receptividade e achamos que a editora acabará por avançar com uma versão em papel breve.”

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Pode descarregar aqui o Guia de Campo dos Morcegos Amazónicos.

Descubra as sete coisas sobre os morcegos em Portugal que precisa de saber.

Saiba mais sobre como se desenha um morcego.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

 

Conheça os bastidores deste guia, com este curto vídeo realizado por Madalena Boto.

 

 

E agora, o que estão estes dois investigadores a preparar?

Ricardo Rocha e Adrià Baucells estão a começar a trabalhar com os morcegos na Madeira. Mais concretamente, disse Ricardo Rocha, “estamos a tentar desvendar por onde se distribuem os morcegos na Madeira e em breve avançaremos com mais estudos sobre a ecologia dos mesmos”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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