As alterações climáticas estão a alterar a fisiologia da hibernação e o comportamento dos morcegos, alerta um estudo realizado durante 20 anos e coordenado pela Universidade de Barcelona.
Com os invernos cada vez mais amenos, os morcegos acumulam menos reservas de gordura no Outono, diminuindo o seu período de hibernação e abandonando mais cedo os seus abrigos de inverno.
Estas alterações poderão alterar os padrões migratórios dos morcegos e a fenologia das suas deslocações de acordo com as estações do ano, alertam os investigadores.
O estudo, publicado num artigo da revista Scientific Reports, foi realizado entre 1998 e 2017 na maior colónia de morcegos conhecida na Catalunha, localizada no Parque Natural de San Llorenç del Munt e l’Obac. É formada por 17.000 morcegos-de-peluche (Miniopterus schreibersii), uma espécie migradora que se agrupa em grandes colónias, especialmente durante o inverno.
Tudo indica que os morcegos estão a adaptar-se a um clima mais quente, com invernos mais amenos e curtos. Em latitudes de zonas temperadas, os morcegos acumulam grandes quantidades de reservas em forma de gordura durante o outono para poder enfrentar o período da hibernação, que pode estender-se de meados de Dezembro até finais de Fevereiro.
“As reservas de gordura acumuladas devem ser suficientemente grandes para conseguirem sobreviver toda a hibernação sem comer”, explicou, em comunicado, Jordi Serra-Cobo, do Departamento de Biologia Evolutiva, Ecologia e Ciências Ambientais da Universidade de Barcelona.
“Mas invernos relativamente mais curtos e com temperaturas mais altas do que as das décadas anteriores está a fazer com que os morcegos não engordem tanto no outono como o faziam há uns anos porque não precisam de tantas reservas para passar o inverno”, acrescentou.
Estas alterações corporais são evidentes tanto em morcegos machos como em morcegos fêmeas. Jordi Serra-Cobo salientou que “isto pode ter efeitos na reprodução da espécie, uma vez que uma pobre condição corporal das fêmeas pode agravar negativamente a gestação e lactância”.
Ainda assim, “nas nossas latitudes, as fêmeas têm tempo suficiente entre o fim da hibernação e o início da reprodução para recuperar peso e ter uma condição corporal óptima para a reprodução”, notou Marc López-Roig, investigador na mesma universidade.
Grutas cada vez mais quentes
As alterações climáticas também afectam a disposição dos morcegos nos seus refúgios de inverno. “Habitualmente, a colónia de morcegos situava-se na câmara final da gruta – a câmara de hibernação, situada a 65 metros de profundidade, com uma temperatura relativamente constante, por volta dos 7 oC – durante os meses de Dezembro e Janeiro”, explicou.
Esta investigação constatou que essa câmara de hibernação “demora mais a arrefecer em relação a anos anteriores”. “Este atraso afecta a hibernação dos morcegos porque estes não encontram as temperaturas óptimas para poder hibernar até finais de Janeiro ou inícios de Fevereiro. Assim, os morcegos procuram espaços mais frios, próximos da entrada do refúgio de inverno e expõem-se a um maior risco de predação, por exemplo, por ginetas”, disse Marc López-Roig.
Com uma hibernação cada vez mais curta, os morcegos começam mais cedo a actividade em comparação com outros anos, isto é, começam a migrar mais cedo e a chegar mais cedo aos refúgios de primavera. Se ocorrem episódios tardios de baixas temperaturas quando chega a primavera, os morcegos poderão não estar preparados para enfrentar esse frio.
Estas alterações poderão ter ainda implicações na conservação da espécie. “As rotas migratórias e as deslocações dos morcegos cavernícolas estão muito bem documentadas na Catalunha”, comentou Serra-Cobo. “Nos últimos anos foram identificadas novas localidades nessas rotas mas também se perderam ou mudaram alguns refúgios importantes.”
Todas as espécies de morcegos podem ser afectadas pelas alterações climáticas, mas a magnitude do impacto pode ser muito diferente entre grupos de morcegos com diferentes padrões biogeográficos. “As espécies mediterrâneas, adaptadas a condições climatologias com temperaturas mais elevadas, poderão ser menos vulneráveis ao aquecimento climático do que as espécies de latitudes mais nórdicas ou boreais”, concluiu a equipa de investigadores.