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Descobertos 26 núcleos de uma relíquia e raridade botânica em Oliveira de Azeméis

13.03.2025

Peritos descobriram escondidas nos desfiladeiros de linhas de água da bacia do rio Antuã, em áreas de difícil acesso, verdadeiras raridades e relíquias botânicas de flores roxas. O mapa nacional do rododendro ganhou 26 novos núcleos populacionais.

Estas populações até agora desconhecidas de rododendro (Rhododendron ponticum subsp. baeticum) foram encontradas ao longo da bacia do rio Antuã, “particularmente em alguns dos seus afluentes”, anunciou, em comunicado, David Malva, técnico do município de Oliveira de Azeméis.

Foto: Manuel Malva

O rododendro é uma relíquia da floresta Laurissilva no continente europeu, tendo sobrevivido à última glaciação em apenas três populações conhecidas à escala global. Duas delas encontram-se em território português – bacias do Antuã e Vouga e Sudoeste Alentejano – e outra em território espanhol, na Serra do Aljibe.

Desde 2022 que técnicos do município de Oliveira de Azeméis têm vindo a fazer o levantamento desta espécie no território daquele concelho.

Tudo começou quando David Malva tirou uma fotografia “em que, por mero acaso, surgia uma flor de rododendro no plano de fundo”, explicou. “Fui alertado por um biólogo para a importância da espécie, pelo que iniciámos a sua procura na região.”

Foto: Manuel Malva

Durante dois anos foram identificados e mapeados 26 núcleos deste raro arbusto no concelho de Oliveira de Azeméis. “Concluímos que a espécie se encontra relativamente bem distribuída na bacia do rio Antuã, particularmente em alguns dos seus afluentes”.

“Já era conhecida a presença pontual da espécie no Antuã”, disse hoje à Wilder Manuel Malva, biólogo que apoiou o desenvolvimento dos trabalhos de campo. “O que este levantamento traz de novo é a extensão geográfica da sua ocorrência na região, muito superior à que era até então conhecida, nomeadamente ao nível do número de núcleos e sua distribuição no território, bem como também em relação ao número de exemplares.” 

O facto de estes rododendros serem desconhecidos explica-se com a dificuldade no acesso a algumas linhas de água, seja pela orografia acidentada ou pela vegetação densa. “Grande parte destas populações de rododendro estão isoladas entre si, alcantiladas em desfiladeiros de linhas de água, geralmente em áreas de difícil acesso, onde as arborizações de eucalipto e as espécies invasoras não conseguiram ainda chegar de forma significativa”, explicou Manuel Malva. “São, por essa razão, preciosos redutos da vegetação de outrora, um elemento de destaque do património natural daquele território e que merece todos os esforços de conservação, por forma a garantir a sua salvaguarda para o futuro”, defendeu.

Foto: Manuel Malva

“Já estava documentada a sua presença aqui, mas de forma escassa e pontual. Desconhecia-se ainda a extensão real da sua ocorrência. Ficámos verdadeiramente surpreendidos ao mapear mais de duas dezenas de manchas espontâneas de rododendro, de uma ponta à outra do concelho. Na época de floração, na Primavera, assistimos a um autêntico espetáculo natural em alguns ribeiros onde a espécie ainda ocorre”, referiu David Malva.

Segundo Manuel Malva, “o estado de conservação varia bastante entre os vários núcleos identificados”. Este biólogo acrescentou que “cerca de uma dezena encontram-se muito bem preservados, totalmente integrados em bosques de caducifólias nativas, na proximidade de linhas de água”.

“A maior população registada, ao nível da sua extensão em termos de área, compreende mais de um quilómetro de um ribeiro e encostas adjacentes. Relativamente ao número de exemplares, alguns dos núcleos possuem, individualmente, centenas de exemplares, ao passo que outros, já mais deteriorados, possuem poucos indivíduos. A contabilização total, de entre os 26 núcleos mapeados, ascende à ordem dos vários milhares de exemplares da espécie, dos mais diversos portes.”

Foto: Manuel Malva

Os profissionais envolvidos neste mapeamento esperam que a informação compilada permita alcançar uma preservação efetiva da espécie no território.

De momento, a equipa do Serviço de Atividades Desportivas na Natureza do município de Oliveira de Azeméis está a fazer o controlo de exemplares de acácia, uma árvore exótica invasora de crescimento rápido que está em expansão descontrolada, e a promover a sensibilização da população para a relevância da biodiversidade local. “Desta forma, procuram fomentar uma interação entre a população e a natureza através da delineação de trilhos de desporto ao ar livre que permitam, por um lado, dar a conhecer o rododendro, mas que, simultaneamente, não acarretem uma carga de visitação excessiva nas áreas mais sensíveis.”

A maioria destes núcleos está “em terrenos privados mas, por regra, encontram-se sobretudo presentes nas faixas administrativas de proteção das linhas de água”, disse Manuel Malva.

Foto: Manuel Malva

Na sua opinião, há uma “necessidade urgente de sensibilização dos proprietários que, em geral, desconhecem a espécie e a importância da sua preservação e que, por essa razão, muitas vezes a eliminam de forma negligente”. Além disso, “também o controlo de espécies exóticas invasoras, designadamente acácias, cuja expansão começa a ameaçar a preservação de alguns dos núcleos, é uma ação premente a levar a cabo”.

O município de Oliveira de Azeméis está a levar a cabo um processo de reconfiguração da área da Paisagem Protegida Local do Rio Antuã, para que os novos núcleos de rododendro identificados nela sejam incluídos. Segundo Manuel Malva, neste momento “estão a decorrer os trâmites processuais para a oficialização da nova configuração da área protegida”.

O rododendro é uma espécie icónica na história da conservação da natureza em Portugal, e motivou a criação da segunda área protegida mais antiga do país, a Reserva Botânica do Cambarinho, estabelecida em 1971 na serra do Caramulo.

Segundo João Farminhão, presidente da Sociedade Portuguesa de Botânica, estas descobertas “são um contributo valioso para a avaliação do estatuto de conservação desta espécie em Portugal, ampliando sobremaneira o conhecimento sobre a subpopulação da bacia do Antuã”.

Foto: Manuel Malva

Estes dados serão relevantes numa futura atualização da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal, em que se estima o risco de extinção das espécies vegetais.

Sobre a importância científica do achado, João Farminhão acrescenta que “este mapeamento, localmente exaustivo, refina a delimitação do refúgio glaciar da Beira Litoral, uma das 52 regiões mais importantes para a conservação da biodiversidade em toda a Bacia Mediterrânica”.


Saiba mais sobre esta espécie aqui.


Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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