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Lince-ibérico em Mértola. Foto: ICNF

Como estão os mamíferos de Portugal? Estes peritos estão a trabalhar na resposta

O Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental vai avaliar, até 2021, o estado de conservação e o risco de extinção de mais de 70 espécies, incluindo toupeiras, morcegos, cachalotes e gatos-bravos.
11.09.2020

Desde 2019 que está a ser montada a equipa por detrás do novo Livro Vermelho dedicado aos mamíferos de Portugal Continental. São dezenas de investigadores, técnicos e voluntários que, até 2021, vão tentar saber como estão estas espécies, de Norte a Sul do país.

Os dados mais recentes, que têm 15 anos, dizem que em Portugal há 18 espécies ameaçadas de extinção. Esses dados foram compilados para o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, publicado em 2005.

Dessas 18 espécies, cinco estavam Criticamente Em Perigo – o morcego-de-ferradura-mediterrânico, o morcego-de-ferradura-mourisco, o morcego-rato-pequeno, a cabra-montês e o lince-ibérico -; três estavam Em Perigo – o lobo-ibérico, a baleia-comum e o morcego de Bechstein -; e 10 eram Vulneráveis – a toupeira-de-água, rato de Cabrera, morcego-de-ferradura-pequeno, morcego-rato-grande, morcego-de-franja-do-Sul, morcego-de-peluche, a baleia-anã, o boto e o gato-bravo.

Lince-ibérico em Mértola. Foto: ICNF

Mas passados 15 anos, como estão as espécies de mamíferos? Quais as espécies que estão mais ameaçadas e quais as que estão estáveis ou a aumentar a sua população?

“Os mamíferos são um grupo relativamente bem conhecido que atrai o interesse dos cientistas e também do público em geral. No entanto, é escasso um conhecimento científico mais detalhado, incluindo áreas de distribuição e ocorrência, devido ao pequeno tamanho de algumas espécies, aos hábitos nocturnos da maioria das espécies e baixas densidades populacionais de outras”, disse hoje à Wilder Maria da Luz Mathias, coordenadora-geral do novo Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental.

Ouriço. Foto: Alexandra München/Pixabay

Além disso, para muitas espécies o estatuto de ameaça e estado de conservação já está desactualizado. Isto por causa da “constante alteração do uso do solo e da estrutura da paisagem ou as alterações climáticas, que têm conduzido na região mediterrânea a um aumento dos fogos florestais com a consequente diminuição de habitats favoráveis a muitas espécies”, acrescentou a responsável.

Actualmente pensa-se que, para algumas espécies, o risco de ameaça ou mesmo de extinção pode ter-se acentuado nos últimos 15 anos. Como é o caso da toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus) e do boto (Phocoena phocoena).

Há também espécies cuja situação taxonómica foi alterada. Considera-se atualmente que em Portugal ocorre o morcego-de-franja do Sul (Myotis escalerai) em vez de Myotis nattereri. E, em 2017, confirmou-se o rato-do-campo-de-cauda-curta em Portugal (Microtus agrestis) como uma espécie distinta do rato-do-campo lusitano (Microtus rozianus), passando esta espécie a substituir a anterior.

E depois há 12 espécies novas que ainda não tinham sido registadas para Portugal.

Morcego-de-ferradura-pequeno, uma das 12 espécies das grutas do Alviela. Foto: Matthieu Gauvain/Wiki Comuns

São elas o rato-das-neves (Chionomys nivalis), o morcego-hortelão-claro (Eptesicus isabellinus), o morcego-de-bigodes de Alcathoe (Myotis alcathoe), o morcego-de-franja-críptico (Myotis crypticus), a baleia de Bryde (Balaenoptera edeni), o golfinho de Fraser (Lagenodelphis hosei), o golfinho-de-laterais-brancas do Atlântico (Lagenorhynchus acutus), o golfinho-de-bico-branco (Lagenorhynchus albirostris), o golfinho-malhado do Atlântico (Stenella frontalis), o cachalote-anão (Kogia sima), a baleia-de-bico de Sowerby (Mesoplodon bidens) e a baleia-de-bico de True (Mesoplodon mirus).

Até 2021, equipas de cinco universidades e do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) vão avaliar o risco de extinção das espécies, recorrendo aos critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

O projecto vai também contribuir para avaliar o estado de conservação das espécies abrangidas pela Diretiva Habitats, realizada a cada seis anos.

A avaliação de 2019 para as espécies protegidas pela Diretiva Habitats identificou nove espécies com estado de conservação desfavorável – como o toirão, gato-bravo, rato de Cabrera e toupeira-de-água – e 33 espécies com estado desconhecido.

Lobo-ibérico. Foto: Arturo de Frias Marques/Wiki Commons

Actualmente existem em Portugal 21 espécies com Informação Insuficiente (DD). Ou seja, a avaliação feita em 2005 não conseguiu recolher informação suficiente para avaliar o seu risco de extinção. Estes mamíferos não tiveram, e ainda não têm, um estatuto de ameaça atribuído por falta de informação.

Os peritos estão já no terreno a fazer inventariação acústica de morcegos e a prospectar os seus abrigos; a procurar indícios de pequenos mamíferos como coelhos, ouriços, musaranhos e toupeiras e a fazer armadilhagem fotográfica e percursos pedestres para obter dados sobre a cabra-montês, veados, gamos, corços e javalis.

Em laboratório vão ser feitas análises genéticas do material recolhido no campo para confirmar a ocorrência das espécies.

A área de intervenção do Livro Vermelho dos Mamíferos abrange todo o território de Portugal Continental, em especial a Rede Nacional de Áreas Protegidas e as Zonas Especiais de Conservação  da Rede Natura 2000.

Será criada uma base de dados para reunir a informação disponível sobre os mamíferos de Portugal Continental, que irá incluir, por exemplo, aspetos da ecologia, distribuição e abundância destas espécies.

Todo este trabalho ajudará a definir medidas e ações para conservar as espécies.

O Livro Vermelho é “um instrumento crucial para ajudar a decidir prioridades e medidas de conservação. É também uma chamada de atenção para as espécies que podemos estar a perder”, explica o site do projecto.

Segundo Maria da Luz Mathias, “a elaboração de Listas Vermelhas é fundamental para uma gestão activa e eficiente das espécies e dos habitats, sendo globalmente reconhecidas como um instrumento importante pelos gestores, comunidade científica e público em geral”.

Esquilo-vermelho. Foto: Jakub Hałun/Wiki Commons

As maiores ameaças para os mamíferos de Portugal são a degradação e a perda de habitat.

Mas há ameaças mais específicas. Por exemplo, os mamíferos insectívoros e os roedores semi-aquáticos sofrem com as mudanças nos cursos de água, como a construção de barragens, e com a fraca qualidade da água.

Os morcegos cavernícolas sofrem com a perturbação dos seus abrigos e, em alguns casos, com a falta de áreas de alimentação de qualidade na proximidade destes.

Alguns pequenos cetáceos têm um nível elevado de mortalidade devido a capturas acidentais em artes de pesca. Além disso, as suas populações estão a ser afectadas por diversos tipos de poluição, incluindo o lixo marinho.

O projecto “Revisão do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental e contributo para a avaliação do seu estado de conservação” é co-financiado pelo POSEUR, Portugal 2020, União Europeia – Fundo de Coesão e pelo Fundo Ambiental.

Tem como beneficiário a FCiências.ID – Associação para a Investigação e Desenvolvimento de Ciências e como parceiro o ICNF.

A coordenação científica é do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) e do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e conta como parceiros de execução com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Universidade de Aveiro (UA), Universidade de Évora (UE), ICETA – Instituto de Ciências, Tecnologias Agrárias e Agroambiente da Universidade do Porto (CIBIO-InBIO) e Mesocosmo – Consultoria, Tecnologia e Serviços Científicos, Unipessoal Lda.


Saiba mais

Pode acompanhar o avançar dos trabalhos do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental através do site www.livrovermelhodosmamiferos.pt e das redes sociais (FacebooktwitterInstagram).

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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