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Combate às exóticas: o que conseguimos depois de 12 anos a capturar a rã-de-unhas-africana em Oeiras

31.05.2022
Rã-de-unhas-africana. Foto: Benedikt Rauscher/WikiCommons

O programa de erradicação que decorre em Oeiras está a permitir reduzir a área de ocupação desta exótica invasora e recuperar espécies autóctones. Mas esta ainda não é uma batalha que esteja ganha. Este ano, a campanha de controlo regressa mais uma vez, de Maio a Outubro.

Todos os Verões desde 2010, uma equipa faz a monitorização de ribeiras no concelho de Oeiras. Mais recentemente começou também a fazê-lo em vários tanques e lagos artificiais. O objectivo é monitorizar e capturar todas as rãs-de-unhas-africana encontradas, incluindo os girinos.

“As ações de controlo da rã-de-unhas-africana (Xenopus laevis) são realizadas durante o período de reprodução da espécie, que decorre entre maio e outubro (dependendo das temperaturas)”, explicou à Wilder Mónica Sousa, coordenadora do plano de acção de erradicação desta espécie no concelho de Oeiras e bióloga actualmente a trabalhar no Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

As rãs adultas são capturadas com pesca elétrica – pequenos choques elétricos que apenas atordoam os animais – permitindo a sua captura com camaroeiro. Os girinos são removidos com auxílio de camaroeiro.

Segundo explicou anteriormente à Wilder Rui Rebelo, professor e investigador na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que faz parte desta equipa, “a rã-de-unhas-africana é muito voraz e sabe-se que tem impactos nas espécies nativas de anfíbios” e também de peixes e de insetos. Além disso, “tende a remexer muito os fundos onde vive e isso tem como consequência o desenraizamento da vegetação aquática e um aumento da turbidez da água. As comunidades dos rios e lagos invadidos podem assim mudar totalmente – de espécies que vivem em água transparente com vegetação emergente para as espécies que vivem em locais turvos, em que as únicas plantas que sobrevivem são as algas (flutuantes)”.

Em 2021, as ações de controlo decorreram num total de 20 dias, entre Junho e Setembro, nas bacias hidrográficas das ribeiras da Laje e de Barcarena – e em troços das ribeiras das Parreiras e do Casal da Choca (Laje), do tributário do campo de golfe, do afluente do Lugar do Bico e da ribeira do Murganhal (Barcarena) -, no rio Jamor e nas ribeiras de Porto Salvo e Outurela. Além disso foram também prospetados troços nos concelhos de Cascais (troço na Ponte de Talaíde e a montante desta, ribeira da Laje) e de Sintra (a montante do Lugar do Bico até ao Recoveiro, ribeira de Barcarena).

Além dos troços amostrados nas ribeiras, foram também alvo de prospeção 16 outros pontos de água artificiais – tanques e lagos de um campo de golfe – que drenam para as ribeiras da Laje e de Barcarena, alguns deles prospectados pela primeira vez.

Ao longo dos anos, e especialmente a partir de 2015, o número de animais capturados tem sido cada vez menor.

Em 2021, a espécie foi detetada nas bacias hidrográficas das ribeiras da Laje e de Barcarena, não tendo sido observados quaisquer indícios de presença da espécie nas ribeiras de Porto Salvo, de Outurela ou do rio Jamor. Foram capturados um total de 474 rãs-de-unhas-africana, na sua maioria girinos e na sua maioria em lagos do campo de golfe (465 espécimes foram capturados num dos lagos), e detetados quatro locais de reprodução. Apenas nove espécimes foram capturados nos cursos de água. 

O combate a esta rã exótica invasora tem sido conseguido graças à cooperação de várias entidades, nomeadamente o ICNF, o município de Oeiras, o Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências de Lisboa e o Instituto Gulbenkian de Ciência.

Desde o início das ações de controlo, em 2010, foram capturados 6.901 espécimes (257 na bacia da Laje e 6.644 na bacia de Barcarena), segundo números do Plano de Erradicação de Xenopus laevis nas Ribeiras do Concelho de Oeiras (estes números não incluem as capturas nos lagos do campo de golfe).

Até ao momento, o plano de acção tem tido vários sucessos. Segundo Mónica Sousa “confirmou-se a capacidade de recuperação das espécies autóctones nas áreas intervencionadas” e “ocorreu uma diminuição significativa da área de ocupação (conhecida) de rã-de-unhas-africana e do número de espécimes capturados desde 2010”.

“Nesta data cremos ter reduzido de modo relevante o efetivo populacional da espécie, conforme indicado pela diminuição significativa do número de espécimes capturados, ter assegurado a redução da área de ocupação, assim como provável contenção territorial da espécie.”

Além disso, a equipa conseguiu testar e consolidar “uma metodologia de controlo de aplicação eficaz e segura para o ser humano e para o ambiente, designadamente para as espécies autóctones das ribeiras intervencionadas”.

E, não menos importante, hoje há uma “parceria estável e sólida do ponto de vista institucional, técnico e científico que viabiliza a erradicação desta espécie invasora num futuro que se deseja o mais próximo”.

Mas ainda há desafios a ultrapassar para travar a rã-de-unhas-africana. Até porque “as suas características morfológicas e fisiológicas conferem-lhe um elevado grau de resistência e permitem um elevado sucesso de invasão”.

Na verdade, há no mundo poucos casos de sucesso na erradicação desta espécie, que regista episódios excecionais de reprodução e de sucesso no desenvolvimento larvar.

É por isso “importante avaliar anualmente a adequação dos recursos disponíveis (humanos, técnicos e financeiros) e proceder à sua adaptação, tendo em conta as necessidades de contenção e intervenção no terreno”.

“Impõe-se agora como principal desafio, o alargamento da área de intervenção do plano de modo a confirmar que o território de ocorrência da espécie se mantém confinado às áreas de ocorrência atualmente conhecidas”, adiantou a responsável.

Mónica Sousa considera importante “aumentar o esforço de monitorização nesse sentido, focando-nos em áreas amostradas sem ocorrência da espécie e em áreas não amostradas da vizinhança das áreas que têm vindo a ser intervencionadas, designadamente com o recurso a técnicas de monitorização por DNA ambiental”.

Para o futuro, a equipa vai actuar em duas direcções, explica a responsável: “manter o esforço de captura, intensificando-o onde e quando necessário e reforçar o eixo da monitorização dos resultados da intervenção, de modo a adaptá-la com base em informação solidamente suportada em termos técnicos e científicos”.

Os trabalhos estão assegurados, pelo menos, até 2026.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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