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Amostragem de quitrídio em tritão-marmoreado (Triturus marmoratus). Foto: Gonçalo M. Rosa

Cientistas resolvem mistério com 20 anos sobre grave ameaça aos anfíbios

10.05.2018

A origem do fungo que, nos últimos 30 anos, está associado ao declínio e extinção de dezenas de populações de anfíbios em todo o mundo, foi finalmente desvendada. Agora poderá ser mais fácil salvar estes animais, revela um artigo científico publicado hoje.

 

Em 2009, numa das lagoas do Parque Natural da Serra da Estrela, foram encontrados mortos centenas de sapos-parteiro (Alytes obstetricans). Os investigadores concluíram tratar-se de uma infecção por quitrídio (Batrachochytrium dendrobatidis), um fungo microscópico que infecta a pele de rãs, sapos e outros anfíbios causando uma doença chamada quitridiomicose.

Este foi o primeiro caso de declínio de anfíbios em Portugal associado a uma doença. Mas este fungo tem causado grandes perdas em dezenas de populações por todo o mundo.

O fungo foi registado, pela primeira vez, na década de 90 do século passado. De então para cá já foi detectado em mais de 500 espécies de anfíbios em todo o planeta. Destas, pelo menos 200 já sofreram um declínio por causa da infecção. Hoje, o fungo está presente em quase todos os continentes. Em várias áreas tropicais do planeta, populações inteiras foram empurradas para a extinção.

 

Galinha-da-montanha (Leptodactylus fallax) com quitridiomicose na ilha de Montserrat, onde a população foi empurrada para a beira da extinção. Foto: Gonçalo M. Rosa

 

Hoje, um novo estudo publicado na revista Science revelou que a mais recente linhagem do quitrídio teve origem no início do século XX no Sudeste Asiático, mais concretamente na península da Coreia.

“Esta é uma questão que tem estado no centro de acérrimos debates ao longo das últimas duas décadas, com sugestões em cima da mesa tão diversas como África do Sul, América do Norte e Sul ou mesmo Japão”, explica Gonçalo M. Rosa, investigador do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) e do Instituto de Zoologia de Londres (Reino Unido) e um dos mais de 50 investigadores de 38 instituições que participaram no estudo.

Os investigadores sequenciaram o genoma de amostras do fungo recolhidas em todo o mundo e combinaram estes dados com os resultados de outros estudos já publicados, num total de 234 amostras. As análises genéticas revelaram a existência de quatro principais linhagens deste fungo, três das quais distribuídas a nível global – e uma delas apenas existente na península da Coreia, em sapos nativos da região. Os resultados indicam também que, ao contrário de estimativas anteriores, esta linhagem mais agressiva terá divergido do seu ancestral comum mais recente no início do século XX.

“Em vez de remontar a milhares de anos, como se pensava anteriormente, estimamos agora com maior robustez que a emergência tenha ocorrido entre 50 a 120 anos atrás” acrescenta Matthew Fisher, professor no Imperial College London (Reino Unido). Este período coincide com uma intensificação de atividades humanas naquela parte do globo com um aumento do comércio intercontinental que terá contribuído para a rápida expansão do fungo por todo o mundo.

Em Portugal este fungo foi associado pela primeira vez ao episódio de 2009 na Serra da Estrela, onde desde então Gonçalo M. Rosa estabeleceu um estudo de monitorização. “As populações de sapo-parteiro foram as mais afetadas, principalmente nas zonas elevadas da Serra da Estrela onde, em alguns charcos e lagoas, os animais deixaram simplesmente de ser vistos ou ouvidos”, acrescenta o investigador.

Os resultados deste estudo, coordenado pelo Imperial College London, indicam que o movimento de anfíbios causado pela atividade humana – por exemplo através do comércio de animais de estimação ou com fins gastronómicos – terá tido uma contribuição significativa para a disseminação desta estirpe a nível global.

Os autores recomendam um maior controle sobre o comércio de anfíbios oriundos da Ásia bem como mais atenção à higiene e medidas de biossegurança no transporte dos mesmos, devido ao elevado risco de exportação de estirpes anteriormente desconhecidas para fora desta região.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Descubra aqui o mundo dos anfíbios de Portugal nesta série de artigos que temos vindo a publicar na Wilder.

Saiba mais sobre o trabalho de Gonçalo M. Rosa sobre este fungo.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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