Uma águia-sapeira sobrevoa os vários hectares de caniçal que se estendem junto à Barrinha de Esmoriz, que do lado que estamos a visitar é conhecida por Lagoa de Paramos. Sob o sol do meio-dia, escutam-se rãs a coaxar.
Mas quem seguir pelo longo passadiço de madeira que conduz às grandes dunas da praia, lá mais ao longe, surpreende-se com uma agressiva árvore invasora: ao longo do caminho, as acácias formam uma cortina de folhas verdes e flores amarelas, que esconde parte da paisagem e ameaça prolongar-se pelo meio dos caniços.
Com um novo projecto que foi agora apresentado na Barrinha de Esmoriz, apoiado pelo grupo japonês Toyota, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) quer envolver os habitantes e as várias associações locais na conservação desta zona.
A Barrinha de Esmoriz é uma extensa lagoa costeira de água salobra, situada entre os concelhos de Espinho e de Ovar, que banha a cidade de Esmoriz e a aldeia de Paramos. Ao todo, são 396 hectares classificados como Rede Natura 2000 e também como Área Importante para as Aves e Biodiversidade (IBA, na sigla em inglês), mas que enfrentam ameaças.
As descargas industriais poluentes são um dos principais problemas ambientais nesta zona, tal como o lixo que ladeia as margens da lagoa e a ocorrência de espécies invasoras. As acácias, o ganso-do-Egipto (muito agressivo para outras aves na época da nidificação) e o lagostim-vermelho, predador voraz de ovos de anfíbios, podem desequilibrar todo este ecossistema.
“A gestão de áreas naturais como esta nem sempre é muito eficaz. Queremos testar modelos de gestão alternativos, perguntar às pessoas o que gostavam de ver nessas zonas, dar voz aos cidadãos e associações para um modelo de gestão com base numa dinâmica de voluntariado”, explicou à Wilder o director-executivo da SPEA, Luís Costa, à margem de uma apresentação do projecto da Barrinha de Esmoriz às comunidades locais.
Já a associação vai ter o papel de dinamizar todas as iniciativas e servir de mediadora entre parceiros, até ao final de 2017, para responder às necessidades que forem identificadas. Esta estratégia de responsabilizar e envolver os cidadãos na conservação local é comum nalguns países como os Estados Unidos. Em Portugal, parece estar a dar os primeiros passos.
“Para as pessoas estarem envolvidas, têm de ser elas a decidir”, sublinha Alexandra Lopes, coordenadora do departamento de cidadania ambiental da SPEA. E por isso, já estão marcadas reuniões com diversos parceiros, na próxima semana, para identificarem e chegarem a acordo sobre prioridades – e sobre os melhores meios para as alcançar.
O combate às acácias e ao chorão, outra espécie invasora, deverão estar em cima da mesa nesses encontros, tal como eventuais acções de formação para identificação das aves. Mas quase tudo vai definir-se agora.
O Movimento Cívico Pró-Barrinha, fundado em Agosto de 2000, é uma das associações empenhadas em contribuir. “A nossa prioridade é a despoluição da zona da Barrinha de Esmoriz”, descreve Arménio Moreira, presidente, questionado pela Wilder, que se mostra muito preocupado também com as espécies invasoras.
Autarquias, associações de pais, agrupamentos escolares, escuteiros e estudantes universitários envolvidos na associação de voluntariado VO.U. são outros dos parceiros deste projecto, tal como uma equipa de investigadores da Unidade de Vida Selvagem, da Universidade de Aveiro, que ao longo de dois anos trabalhou no levantamento da fauna da zona de Ovar.
Outra colaboração importante vem dos trabalhadores das fábricas locais ligadas à Toyota, que vão participar nas missões de voluntariado. É que o grupo japonês é um apoiante importante desta acção, tal como do projecto irmão na Lagoa dos Salgados, no Algarve.
Os dois projectos enquadram-se na iniciativa “Cidadania pela Natureza – Conservação de Áreas Protegidas”, coordenada pela SPEA, e selecionada pela Toyota Motor Corporation no âmbito de um concurso para financiamento de actividades de âmbito ambiental.
Dos 26 projectos que em 2015 venceram o concurso da Toyota a nível mundial, a iniciativa da SPEA foi a única seleccionada no espaço europeu. Mas o objectivo é não ficar por aqui, pois tanto a Barrinha de Esmoriz como a Lagoa dos Salgados são projectos-piloto.
“No final destes dois anos, vamos ver o que correu bem, o que correu mal, faremos recomendações”, explica Alexandra Lopes, já a pensar na possível replicação desta iniciativa noutras regiões. De olhos postos no futuro.
[divider type=”thin”]Agora é a sua vez.
Fique a conhecer 10 espécies de aves que pode observar na Barrinha de Esmoriz, sugeridas pela SPEA, se um dia visitar esta área natural:
Pato-real (Anas platyrhynchos): Cabeça verde e bico amarelo, anel branco no pescoço. Residente, nidifica entre Março e Julho.
Corvo-marinho (Phalacrocorax carbo): Preto, com bico amarelo e pescoço comprido, porte médio ou grande. Sobretudo invernante (Setembro a Abril).
Garça-branca-pequena (Egretta garzetta): De tamanho médio, tem plumagem totalmente branca. Bico e patas pretos, dedos amarelos. Pescoço longo. Residente.
Garça-real (Ardea cinerea): Grande e cinzenta, esta garça é mais comum no Inverno.
Águia-sapeira (Circus aeruginosus): Tem os ombros e a nuca pálidos. Voo ondulado, planando a pequena altura. Maioria residente.
Galeirão (Fulica atra): Tem o mesmo tamanho dos patos. Todo preto, mas bico e placa frontal são brancos. Residente.
Pilrito-das-praias (Calidris alba): É pequeno e de tonalidade pálida, mas de bico e patas pretas. Mais comum nas épocas de passagem e de invernada (Setembro a Março).
Guincho (Chroicocephalus ridibundus): Gaivota pequena, de bico e patas vermelhas, apresenta um capuz castanho-escuro na Primavera e Verão. É principalmente invernante (Julho a Março).
Gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahellis): Dorso e asas prateadas, com pontas pretas. Patas e bico amarelos. Comum todo o ano.
Gaivota-d’asa-escura (Larus fuscus): Dorso e asa cinzento-escuros. Patas e bico amarelos. Mais abundante no Inverno.