Um estudo de investigadores da Universidade de Aveiro alerta para a importância de se preservarem os estuários onde vivem estes e outros organismos fotossintéticos.
Um grupo de cientistas do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro (UA) fez as contas e concluiu que as microalgas da Ria de Aveiro capturam por ano cerca de 12.400 toneladas de carbono (CO2) que retiram da atmosfera.
Este valor, próximo do carbono emitido por 10.000 pessoas, é uma das conclusões do estudo publicado na revista Frontiers in Marine Science, divulgado na mesma semana em que na cimeira da COP26, em Glasgow, os líderes mundiais discutem os passos que vão tomar na tentativa de travar as alterações climáticas ligadas à emissão de CO2 para a atmosfera.
Segundo um comunicado da UA, o estudo em causa deixa também em aberto uma certeza: além das microalgas, os restantes organismos fotossintéticos da Ria de Aveiro “conseguirão retirar da atmosfera milhares de toneladas de carbono por ano”. Por isso os investigadores alertam para necessidade de se preservarem os estuários onde vivem estes organismos.
A equipa analisou a contribuição das duas principais comunidades de “produtores primários” da Ria de Aveiro e de outros estuários com marés: as microalgas que vivem na água (”fitoplâncton”) e as que vivem na superfície dos sedimentos da zona de entre-marés (”microfitobentos”). “Os produtores primários são os organismos, como algumas bactérias, as algas e as plantas terrestres, que são capazes de realizar a fotossíntese”, explica o biólogo João Serôdio que, a par de Silja Frankenbach, João Ezequiel, Sandra Plecha, Leandro Vaz, João Miguel Dias e Nuno Vaz, assina o trabalho.
Assim, este estudo quantificou o carbono fixado pela atividade fotossintética das duas comunidades, “mas há outras que também contribuem para o balanço global do ecossistema, como macroalgas, ervas marinhas e plantas de sapal”. “O total de carbono removido naturalmente na Ria de Aveiro será assim certamente superior ao estimado neste estudo”, considera João Serôdio.
A captura de carbono por estes organismos, explica o biólogo, “está associada ao processo fotossintético, o processo bioquímico mais importante para a vida na Terra, do qual depende a esmagadora maioria dos seres vivos, incluindo os humanos”. É através da fotossíntese que esses organismos usam “carbono da atmosfera (ou dissolvido na água) para ‘fabricar’ nova matéria orgânica e assim suportar todo o ecossistema”.
O estudo agora divulgado é o resultado de campanhas de campo, realizadas no âmbito do projeto BioChangeR, e que resultou da colaboração de investigadores dos Departamentos de Biologia e Física da Universidade de Aveiro e do Instituto Superior Técnico.
Em linha com outros estuários portugueses
Os resultados alcançados pelo grupo de investigação de Aveiro, aliás, estão em linha com os encontrados para outros ecossistemas estuarinos, indicam também os investigadores. Nesse sentido, a Ria de Aveiro não difere muito de outras zonas como o Estuário do Tejo ou a Ria Formosa.
“O que este estudo teve de novo foi a monitorização em paralelo, em vários locais da Ria de Aveiro e com uma grande resolução temporal, da atividade fotossintética destas duas comunidades”, explica João Serôdio. Isso permitiu aos biólogos “descobrir que as zonas de sedimentos entre-marés, muitas vezes ignoradas ou consideradas pouco interessantes, são neste ecossistema as mais importantes em termos de fixação de carbono”.
“Apesar das elevadas taxas de fixação de carbono que ocorrem naturalmente na Ria de Aveiro, estimada no nosso estudo em 12.400 toneladas de carbono por ano, cada um de nós emite, em média, e considerando apenas a queima de combustíveis fósseis, 1,3 toneladas de carbono por ano”, aponta também o biólogo. “O carbono removido pela totalidade dos produtores primários da água e sedimentos da Ria de Aveiro inteira mal chegará para compensar o carbono emitido por 10.000 aveirenses”, avisa.