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abelha da nova espécie
Protosmia lusitanica. Fonte: Nicolas Vereecken

Ana Gonçalves descobriu esta nova espécie de abelha em Portugal

26.02.2019

Foi num passeio com outros amigos entomólogos junto ao rio Vascão, em Mértola, que Ana Gonçalves reparou numa abelha de aspecto curioso e decidiu enviá-la a um especialista. Estava dado o primeiro passo para a descoberta de uma nova espécie, a Protosmia lusitanica.

 

A nova abelha tem cerca de cinco milímetros e é quase toda preta, excepto a cor avermelhada da parte dorsal do abdómen. E até agora, foi visto apenas um único exemplar: a fêmea que esta investigadora encontrou na Primavera de 2016, descrita num artigo científico publicado pelo especialista Gérard Le Goff e pela bióloga portuguesa.

Quando deparou com a nova espécie, estava numa saída com amigos para colectarem insectos e tirarem fotografias, como por vezes gosta de fazer, contou à Wilder a investigadora, que está a fazer o mestrado em Biologia da Conservação na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

“De facto, acabou por ser ao acaso colectar este espécime especial, pois não estava à procura de algo em particular; mas o seu aspecto chamou-me realmente a atenção.” 

 

abelha da nova espécie
Protosmia lusitanica. Fonte: Nicolas Vereecken

 

Os amigos levavam redes de cabo comprido para capturarem borboletas diurnas, para as identificarem no campo; Ana Gonçalves, que estava a colectar insectos de vários grupos – incluindo abelhas – usava uma rede um pouco diferente: “De cabo curto, serve para fazer ‘sweeping’ na vegetação, de modo a apanhar insectos que aí se encontrem escondidos.”

E mais? “Além disso, levava pequenos tubos e álcool para poder transportar os espécimes encontrados. E, claro, a máquina para fotografar diversas coisas. Acaba por ser material muito simples.”

A área do rio Vascão, na zona de Mértola, era uma visita pretendida desde há algum tempo. Primeiro, porque  “cursos de água límpida com galerias ripícolas nativas (vegetação ribeirinha) são fundamentais para encontrar espécies com requisitos ecológicos mais estritos”, nota a investigadora.

 

margens do Rio Vascão
Zona do rio Vascão onde a nova espécie de abelha foi encontrada, no concelho de Mértola. Foto: A.G.

 

Por outro lado, a zona sul do país “está especialmente mal estudada no que diz respeito aos dípteros”, grupo de insectos que inclui as moscas, que Ana Gonçalves está a investigar. Além disso, adianta, aquela zona é muito diferente das restantes onde costuma ir mais vezes.

 

Nova espécie vai ser procurada?

Ponto assente é que em breve haverá mais idas às margens do Rio Vascão – de Ana Gonçalves ou de outros entomólogos – em busca de insectos, incluindo exemplares da nova espécie de abelha. Em causa está o trabalho de campo no âmbito da Lista Vermelha de grupos de Invertebrados Terrestres e de Água Doce, que está a avaliar a situação de cerca de 700 espécies de insectos e moluscos em Portugal.

Nestes próximos meses, em conjunto com outros colegas, Ana vai estar envolvida na coordenação do trabalho de campo da Lista Vermelha no respeita aos dípteros. Sobre as 80 espécies deste grupo que a equipa pré-seleccionou, por norma endémicas da Península Ibérica (encontram-se apenas nesse território), estes especialistas consultaram as bases de dados disponíveis e chegaram a uma triste conclusão: “Confirmámos que o conhecimento é muitíssimo escasso e em muitos casos apenas se conhece a localidade onde foi descrita a espécie e pouco mais.”

Assim, numa tentativa de usar o pouco tempo e os poucos recursos disponíveis, só apenas sete espécies de dípteros vão ser investigadas no âmbito da Lista Vermelha, diz.

Quanto à nova abelha Protosmia lusitanica, já faz parte da lista de 680 espécies registadas para Portugal Continental, no catálogo The Bees of Portugal. E em breve, Ana acredita que haverá mais estudos ligados à biologia da espécie.

 

[divider type=”thin”]Perfil da investigadora

Ana Gonçalves com uma caixa com insectos
Ana Gonçalves. Foto: D.R.

WILDER: Como é que nasceu o teu interesse pelo mundo natural?

Ana Gonçalves: Até à minha ida para a universidade vivia no campo, numa zona rural que continha alguns cursos de água com pequenas galerias ripícolas (vegetação ribeirinha) dominadas por freixos, pequenos olivais e alguns matos nas zonas não cultivadas. Não tive muitas oportunidades para viajar fora daquela área algo pequena, mas era diversa o suficiente para eu explorar o meu entorno. Desde que me lembro que sempre adorei a Natureza e foi algo que moldou muito a pessoa que sou. Além disso, nessa altura podia passar o dia, todos os dias, no campo. As prendas que eu pedia em criança eram sempre livros sobre a Natureza.

W: O que te levou a decidir estudar os insectos e como é que começaste a coleccioná-los?

Ana Gonçalves: Os insectos acabaram por me atrair em particular pela sua enorme diversidade de formas, cores e modos de vida. Já em criança costumava colectar alguns, mais por curiosidade, e na adolescência apenas comecei a fazê-lo de modo mais sério.

W: Quantos insectos tens na tua colecção e ligados a que grupos? 

Ana Gonçalves: Tenho muitos, sobretudo da Península Ibérica. A grande maioria são dípteros, abelhas, vespas e coleópteros (escaravelhos). Contundo, é bastante difícil dar uma estimativa de quantos tenho actualmente, porque a maioria está na colecção em álcool e são muitos, muitos insectos diminutos. Por norma, prefiro em álcool pela facilidade de enviar aos especialistas dos diferentes grupos. No entanto, também tenho bastantes outros insectos numa colecção a seco. Alguns são retirados do álcool com alguns procedimentos pelo meio, após serem identificados; outros são conservados a seco desde sempre. No caso de alguns grupos e espécies, a colecção a seco é mesmo o único modo de os ter, como as borboletas, que perderiam imediatamente as escamas (e logo o seu padrão) em qualquer meio líquido.

W: Podes descrever, em linhas gerais, sobre o que é a tua tese de mestrado? 

Ana Gonçalves: A minha tese foca-se no estudo das relações evolucionárias, biologia, ecologia e taxonomia de um grupo de pequenos dípteros sem capacidade de voo, endémico da Península Ibérica. São predadores de outras pequenas moscas e vivem sobretudo na manta morta de carvalhais, em regiões montanhosas. Conheciam-se muito mal antes de se ter iniciado este trabalho, mas entretanto, foi possível aumentar consideravelmente o que se sabe sobre a área de distribuição, requerimentos ecológicos e até o número de espécies, que passou de 5 para 10.

W: Na tua opinião, quais são as principais medidas necessárias para ajudar a melhorar a investigação de insectos em Portugal?

Ana Gonçalves: É fundamental ensinar-se entomologia nos cursos de biologia e afins. E muito antes disso, que existam acções abertas ao público que permitam dar a conhecer os insectos às crianças e jovens, de modo a estimular desde logo o interesse. É muito importante envolver as pessoas para que fiquem a saber o que realmente são os insectos, quão diversos e interessantes são. Isso acabaria por, idealmente, eliminar medos e mitos.

A nível dos cursos de entomologia, é importante que quem os dá saiba captar a atenção dos estudantes, dando informação que vá para além da morfologia geral das ordens. Para se gostar da taxonomia, para muitas pessoas é importante já gostar dos insectos. Isso tem que se fomentar logo à partida, promovendo o conhecimento dos modos de vida e a grande diversidade destes animais. Se começarem por ter que decorar e compreender a morfologia sem nada mais, vão provavelmente sentir-se muito desinteressados. De qualquer modo, o estudo dos insectos não é somente a taxonomia (que é o pilar de tudo o resto) e há muita coisa para se estudar e descobrir, um pouco para todos os gostos.

Outro aspecto fundamental é haver mais apoio institucional à investigação. Mesmo com fundos disponíveis para estudos genéticos e não só, é importante que não se esqueçam os pilares: a taxonomia, a existência de colecções e a monitorização das espécies no campo. Sem isso, é impossível fazer estudos robustos na maior parte das situações. Isto acontece, por exemplo, na parte dos dípteros no âmbito da Lista Vermelha, em que mal se conhecem a esmagadora maioria das espécies.

 

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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