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Morcegos-de-peluche. Foto: Elena Tena/MNCN-CSIC

Cientistas revelam que esta colónia de morcegos elimina 60.000 lagartas da processionária por noite

20.12.2023

Uma colónia de morcegos na Sierra de San Cristóbal, Cádiz, elimina 60.000 lagartas da processionária do pinheiro por noite durante os meses de Agosto e Setembro, revelou uma equipa de investigadores espanhóis. Mais uma prova de que os morcegos têm um importante papel no controlo de pragas.

Cientistas da Universidade do País Basco (UPV/EHU) e da Estação Biológica de Doñana – CSIC estudaram a dieta de uma colónia de morcegos-de-peluche (Miniopterus schreibersii), espécie tipicamente cavernícola, numa gruta na Sierra de San Cristóbal, em Puerto de Santa María.

O morcego-de-peluche é o morcego cavernícola mais gregário da Europa e chega a formar colónias de dezenas de milhar de indivíduos. Além disso, é uma espécie com uma importante capacidade de voo e o seu território pode estender-se até mais de 30 quilómetros do seu refúgio.

A colónia de San Cristóbal em concreto, ao longo do período de estudo, contou com entre 3.000 a 7.000 indivíduos.

“Esta grande colónia pode existir e manter-se numa zona tão humanizada graças às características da espécie, que é caçadora aérea em espaços abertos”, explicou, em comunicado Carlos Ibáñez, investigador da Estação Biológica de Doñana. “Isto quer dizer que não depende do tipo de substrato vegetal e, além disso, consegue voar longas distâncias. Ainda que o meio esteja muito humanizado, é heterogéneo e oferece recursos alternativos suficientes ao longo do tempo”, acrescentou.

Dois terços da superfície são culturas agrícolas variadas e áreas urbanizadas; o restante são manchas de vegetação natural que incluem espaços protegidos como o Parque Natural Bahía de Cádiz e a zona sul do Parque Nacional de Doñana.

O estudo, publicado na revista Scientific Reports, baseou-se na análise por metabarcoding do ADN dos restos das presas em amostras fecais dos morcegos. Como resultado, a equipa científica identificou mais de 160 espécies de artrópodes na dieta destes morcegos, das quais 39 foram identificadas como espécies praga.

A maioria da dieta era composta por 24 espécies, 11 das quais são pragas que afectam culturas agrícolas e árvores como pinheiros ou sobreiros. Uma dessas espécies é o percevejo-frade (Nezara viridula).

Na dieta destes morcegos foram detectados ainda duas presas que são vectores de doenças. Uma é o mosquito comum (Culex pipiens), que é vector, entre outros, do vírus da febre do Nilo, com casos registados em humanos na região. A outra é a cigarrinha Neophilaenus campestris, um dos principais vetores da bactéria Xylella fastidiosa que é considerada uma grave ameaça global à agricultura europeia. 

A composição da dieta destes mamíferos varia ao longo do ano, de acordo com a disponibilidade das presas e com os diferentes habitats. “Assim, os morcegos quando procuram alimento podem dirigir-se às sucessivas explosões populacionais de pragas que afectam as diferentes culturas ou árvores”, explica o comunicado do Museu Nacional de Ciências Naturais (MNCN-CSIC) de Espanha.

O papel da colónia no controlo da processionária-do-pinheiro

Depois de identificar as espécies consumidas pelos morcegos, a equipa quantificou o consumo de pragas por colónia, tendo em conta a sua ingestão diária, o tamanho da colónia e a proporção de cada espécie presa na dieta em cada momento.

No total, entre 11 de Maio e 10 de Outubro, a colónia consumiu 1.610 quilos de insectos considerados pragas. Mais de 90% correspondem a 10 espécies. Para ter uma ideia do que queriam dizer estes números, a equipa centrou-se no caso concreto da processionária-do-pinheiro (Thaumetopoea pityocampa), conhecida praga dos pinheiros.

Na zona do estudo, o pinheiro apenas ocupava 3% da superfície terrestre usada pelos morcegos. Estas árvores formavam, sobretudo, pequenos bosquetes e ocorriam em jardins de zonas urbanizadas. A maior mancha de pinheiros ficava a mais de 25 quilómetros de distância, no Parque Nacional de Doñana.

Por seu lado, a processionária-do-pinheiro tem apenas um ciclo reprodutivo por ano, o que significa que apenas está disponível num determinado período. Nesta zona alcança o máximo de voos entre a segunda metade de Agosto e a primeira metade de Setembro.

“Nessas semanas, (as lagartas) eram, de longe, a presa principal, com ocorrências em mais de 90% das amostras, apesar da reduzida superfície do pinhal”, comentou Carlos Ibáñez. “Nestas datas, a colónia alcança o seu tamanho máximo com 7.200 indivíduos, em parte devido à incorporação dos jovens que começam a voar de forma independente ao longo de Julho mas também à incorporação de indivíduos vindos de refúgios situados mais a Este.”

O aumento populacional, provavelmente, está associado à abundância da processionária-do-pinheiro.

Nesse período, em apenas um dia, os investigadores calcularam que a colónia tenha consumido até seis quilos de processionárias-do-pinheiro. Como cada lagarta pela 0,1gramas, isto supõe cerca de 60.000 lagartas ou imaturos de processionária. Em toda a temporada, a colónia terá eliminado 173 quilos deste insecto, o equivalente a 1.730.000 lagartas.

Esta colónia está legalmente protegida. O morcego-de-peluche é uma espécie classificada em Espanha como Vulnerável e o refúgio está numa zona de Rede Natura 2000.

Contudo, “isso não assegura a sua conservação a longo prazo”, sublinhou Carlos Ibánez. “Entre as ameaças estão as possível alterações no uso dos solos, a protecção dos refúgios onde passa o Inverno, com a crescente pressão de actividades de turismo activo no interior de grutas e o elevado número de parques eólicos na sua área vital.”


Saiba mais.

Cinco coisas a saber sobre a anilhagem de morcegos, com o investigador da UTAD Paulo Barros.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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