O leitor Ivo Calado fotografou estes montinhos de areia na ilha da Armona, Ria Formosa, a 14 de Março e pediu para saber a espécie. Roberto Martins responde.
“Sou biólogo e caminho muito nestas praias mas ainda nunca tinha visto nada assim. Podem dizer-me o que é? Toquei e escavei um pouco mas não havia nada, só areia. Parece mesmo areia expelida por um animal. Mas qual?”, escreveu o leitor à Wilder.
Tratar-se-á do anelídeo poliqueta Arenicola marina.
Espécie identificada e texto por: Roberto Martins, biólogo marinho e investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, da Universidade de Aveiro.
Os montes de areia que se vêm nesta praia são realizados por um anelídeo poliqueta detrítivero do género Arenicola, presumivelmente Arenicola marina.
Estes organismos medem cerca de 15 a 20 cm de comprimento e fazem tubos em U, ingerindo sedimentos pela boca e expelindo-os na outra extremidade, originando montinhos de areia como se vêm na foto. A epiderme é espessa e rugosa, apresentando vários “anéis” nos seus segmentos, cada qual apresentando sedas e ganchos (estruturas quitinosas que usam principalmente para locomoção) e tufos de brânquias (apenas no abdómen).
A espécie A. marina é amplamente (re)conhecida no norte da Europa e pontualmente nalguns locais de Portugal.
Recentemente, uma equipa de biólogos da Universidade de Aveiro recenseou não uma, mas duas espécies deste género, a Arenicola marina e A. defodiens na Ria de Aveiro, local no qual se desconhecia a ocorrência destes animais. Tratou-se do primeiro registo da espécie A. defodiens em toda a Península Ibérica. Concluiu-se que as espécies não co-existem nos mesmos habitats, sendo a densidade populacional igualmente muito distinta (até 1 indivíduo por m2 vs. até >40 por m2 no caso da A. marina em zonas de ostriculturas).
Resta destacar que a recente colonização dos habitats da Ria de Aveiro (e de outros locais em Portugal, ex. Ria Formosa) por organismos do género Arenicola poderá estar precisamente ligado à proliferação das ostriculturas no país, potenciado por alterações globais. O impacto ecológico, decorrente da competição com espécies nativas, ainda é desconhecido.
A verdade é que, por serem bioturbadores, os organismos do género Arenicola desempenham uma função ecológica muito importante ao promoverem a oxigenação dos sedimentos superficiais onde habitam, o que pode alterar os habitats intertidais. Por outro lado, a sua proliferação poderá ter um impacto socioeconómico positivo, uma vez que estes organismos são amplamente utilizadas como isco na pesca desportiva (ex. robalo, sargo, dourada ou solha), ao longo da costa Atlântica, incluindo recentemente em Portugal, onde se conhece como “bicho preto” ou “cagão”.
Finalmente, resta salientar que a A. defodiens tem sido frequentemente confundida com a A. marina em vários locais do norte da Europa, pelo que a validação da identificação só pode ser realizada após a análise detalhada de alguns espécimens presentes no areal desta praia da Ilha da Armona (Olhão), local para o qual aparentemente ainda não há registo oficial de nenhuma das espécies mencionadas.
Agora é a sua vez.
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