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Foto: שרון חסדאי/Biodiversity4All

O que procurar no Outono: a mandrágora

09.12.2022

Com a ajuda de Carine Azevedo, fique a conhecer melhor esta planta inspiradora de lendas e histórias de magia, nativa de Portugal, que por estes dias está em flor.

A mandrágora (Mandragora autumnalis) é uma planta mística, associada a lendas e crenças um pouco por todo o mundo. Desde a Antiguidade que é considerada uma planta mágica usada como afrodisíaco, anestésico, soporífero e para a fertilidade.

Nas últimas décadas, tornou-se uma personagem famosa em filmes como “Harry Potter e a Câmara dos Segredos”, baseado no romance homónimo de J.K.Rowling, e o “Labirinto do Fauno”, dirigido e escrito por Guillermo del Toro.

Solanaceae

A mandrágora é uma espécie da família Solanaceae, que engloba cerca de 2600 espécies, distribuídas por 101 géneros botânicos.

A família Solanaceae inclui muitas plantas bem conhecidas, de grande importância económica, algumas das quais usadas na alimentação: a batata (Solanum tuberosum), o tomate (Solanum lycopersicum), a beringela (Solanum melongena), o pimento (Capsicum annuum), o piri-piri (Capsicum frutescens), a fisális (Physalis spp.), entre outras. 

Além das inúmeras culturas agrícolas, esta família engloba plantas ornamentais de jardim, na sua maioria espécies exóticas, como a dama-da-noite (Cestrum nocturnum), a petúnia (Petunia spp.), a brunfelsia (Brunfelsia spp.), a trombeta de anjo (Brugmansia spp.), a solandra (Solandra grandiflora). O tabaco (Nicotiana tabacum) também é um membro desta família. É importante salientar que muitas destas plantas possuem elevados níveis de toxicidade.

As Solanaceae estão presentes em todos os continentes, exceto nos pólos, especialmente nas regiões tropicais, embora também se possam encontrar espécies nativas nas regiões temperadas.

Em Portugal, esta família está representada por seis géneros botânicos e por uma dúzia de espécies, algumas das quais constam da Lista vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental e estão classificadas Em Perigo, segundo as categorias da União Internacional para a Conservação da Natureza, que podem ser utilizadas na avaliação do risco de extinção das espécies a nível regional. É o caso do tomateiro-da-Arrábida (Withania frutescens), do meimendro-negro (Hyoscyamus niger) e da mandrágora (Mandragora autumnalis). Esta classificação surge devido ao reduzido número de indivíduos maduros existentes e pela baixa área de ocupação de cada uma das espécies.

Foto: שרון חסדאי/Biodiversity4All

Não existem espécies nativas de Solanaceae nos Açores, embora a família esteja representada por algumas espécies exóticas. Já no Arquipélago da Madeira, ocorrem sete espécies nativas, das quais duas são exclusivas da região: a Solanum trisectum e a Solanum patens. Segundo o Plants of the World Online (POWO), a Solanum patens é um sinónimo da Solanum villosum, espécie com uma distribuição mais ampla. 

Mandrágora

A mandrágora é uma planta herbácea perene, acaule, de raiz longa e bem desenvolvida, em forma de nabo e semelhante ao gengibre. 

As folhas desenvolvem-se anualmente e surgem em roseta basal, sendo que cada planta pode formar até três rosetas de folhas que se sobrepõem. As folhas são grandes, verde-escuras e glabras ou ligeiramente pubescentes, com pêlos largos e brancos. Possuem uma forma espatulada ou oblonga-lanceolada, raramente ovada. São inteiras, ligeiramente onduladas e com um aspecto amarrotado.

A floração da mandrágora ocorre no final do outono e durante o inverno, entre novembro e janeiro. As flores surgem no centro das rosetas de folhas e são solitárias, embora se agrupem em conjuntos de 12 a 60 flores. Cada flor tem cerca de três centímetros de comprimento e possui forma de sino. Estas são também actinomórfas, hermafroditas e pediceladas.

Foto: tato grasso/Wiki Commons

Quanto à corola, é formada por cinco pétalas fundidas na base, com margens ligeiramente onduladas, que são quase triangulares e variam do roxo-azulado ao lilás. São também glabras ou pubescentes, pelo menos na metade inferior, e o cálice da flor é mais ou menos tubular, sendo formado por cinco sépalas esverdeadas, também elas fundidas na base. 

As flores possuem cinco estames, dos quais dois são mais longos que os outros, enquanto que as anteras são rosadas e cobertas por pólen branco.

O fruto amadurece no verão e liberta um cheiro adocicado, bastante tóxico e desagradável, que se torna fétido quando seco. É uma baga de formato globoso, de cor verde intenso quando imaturo, que se torna amarelo-laranja na maturação e negra quando seca. No interior do fruto, existem numerosas sementes pequenas e reniformes.

Foto: Stefano Doglio/Biodiversity4All

Origem

A mandrágora é uma planta nativa do sul do Mediterrâneo que vai de Portugal à Grécia, presente também na Sardenha, Sicília, no norte de África e no Médio Oriente. 

Em Portugal ocorre apenas no Alentejo e no Algarve. Segundo a Lista vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, a população nacional está severamente fragmentada e restrita a nove locais, isolados entre si e com uma densidade inferior a 50 indivíduos por local. Estima-se que a população total nacional seja composta por cerca de 400 indivíduos maduros, ocupando uma área de cerca de 60 km2, onde se observa um declínio continuado da área e da qualidade do habitat.

Esta planta cresce em campos não cultivados, em clareiras, nas bermas de caminhos e de campos agrícolas, em olivais e em pinhais.

A mandrágora tem preferência por locais ensolarados, solos bem drenados, profundos, argilosos, margosos ou calcários. Não sofre com o calor e não teme o frio, mas não tolera geadas noturnas, nem o solo excessivamente húmido.

Superstições, lendas e mitos

A origem científica da espécie é uma referência aos mitos, superstições e lendas que lhe são associados. Mandragora, o nome do género, é o nome grego para a mandrágora (em inglês mandrake), cuja raiz possui uma aparência quase humanóide. O seu corpo central é espesso e assemelha-se ao tronco humano, de onde partem apêndices que se parecem com os membros (pés e mãos). 

Alguns autores referem também que o nome Mandragora poderá derivar dos termos mandra- e –agauros, que significam respetivamente “estábulo de bois” e “cruel”, pelo efeito tóxico que estas plantas causavam aos animais que as consumiam. Já o restritivo específico autumnalis significa “outono” e refere-se à época do ano em que estas plantas florescem.

Devido à característica forma antropomórfica das raízes, a mandrágora foi sempre vista como uma planta mágica. Também foi usada por bruxas como ingrediente principal em várias poções mágicas e para rituais de voodoo.

Foto: D arckangel/Wiki Commons

Segundo uma lenda medieval, as raízes desta planta soltam gritos estridentes quando estão a ser retiradas do solo, daí ser apelidada de “a planta que grita”. Até Shakespeare, em “Romeu e Julieta”, 4º acto, cena 3, faz menção a este rumor “…shrieks like mandrakes torn out of the earth, that living mortals, hearing them, run mad” (em português “…gritos como mandrágoras arrancadas da terra, que os mortais vivos, ouvindo-os, enlouquecem”).

Existe uma outra lenda que refere que à noite, as flores de mandrágora brilham, daí em algumas regiões ser conhecida como “Devil’s Candle”, ou seja, “Vela do Diabo”. Na verdade, estas flores têm propriedades refletoras especiais. Se tirarmos uma fotografia ao centro das flores, será notório o “brilho” que se forma nessa zona.

Devido à sua forma particular, ao formato das suas folhas e dos seus pequenos frutos, esta planta é também conhecida como “Satan’s apple” (“maçã de satanás”), “Devil’s apple” (“maçã do diabo”), “Devil’s herb” (“erva do diabo”), “Old bearded man” (“velho homem barbudo”), “Old lady” (“velha senhora”), “Elephant’s-ear” (“orelha de elefante”) e “The semi-homo” (“semi-homem”).

Foto: Ron Frumkin/Biodiversity4All

Nos tempos antigos, a mandrágora era mantida envolta num pano vermelho, num lugar escondido, e depois usada para proteger a saúde do proprietário, vencer e jogar o mau-olhado, ter ou tirar fortuna e riqueza, favorecer a fertilidade, estimular o amor, superar as calamidades e a morte.

De acordo com lendas antigas, aqueles que descuidadamente erradicavam a planta das suas terras caíam em desgraça e eram amaldiçoados por toda a vida. Em muitos casos, o veneno que escapava da erradicação levava à loucura e à morte.

Hoje em dia, a mandrágora ainda é utilizada como um amuleto de sorte, proteção e prosperidade.

Uma raiz poderosa

Desde os tempos mais remotos esta planta é usada para diversos fins medicinais. É rica em alcalóides e tem sido usada como anestésico, mas também é conhecida pelas suas propriedades alucinógenas, analgésicas, narcóticas, sedativas e purgantes. 

No passado foi usada como afrodisíaco, para aliviar dores e também no tratamento de problemas do sistema nervoso e de úlceras. Nos dias de hoje, o seu uso é apenas homeopático.

Esta planta não deve ser utilizada para fins terapêuticos sem acompanhamento médico, pois o seu uso indevido pode causar vermelhidão na pele, secura na boca, arritmias, midríase, sonolência, obstipação, alucinações e delírio.

A mandrágora, é uma planta que, com as devidas precauções, por se tratar de uma planta altamente tóxica, pode ser cultivada como uma planta ornamental. Possui uma aparência marcante e flores incríveis, podendo ser integrada de forma interessante num jardim. Também pode ser cultivada em vasos – no entanto, tal não é recomendado, pois o desenvolvimento excessivo das raízes, que podem atingir cerca de 150 centímetros, exigiria vasos grandes e muito profundos. 

Se é fã da saga de Harry Potter, já deve ter lido e visto sobre esta planta, mas nada melhor do que explorar a natureza para a encontrar ao vivo. Mas, lembre-se, não a retire do solo pois pode sofrer com os seus gritos…

Se a encontrar, registe esse momento e partilhe as suas fotografias nas redes sociais com #oqueprocurar #plantasdeportugal #floranativa e #àdescobertadasplantasnativas.  


Dicionário informal do mundo vegetal:

Herbácea – planta de consistência não lenhosa e verde.

Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.

Acaule – planta aparentemente sem caule, ou cujo caule, curto ou subterrâneo, não é visível.

Roseta – conjunto de folhas muito próximas, dispostas radialmente e a uma altura semelhante, que se desenvolvem na base do caule da planta.

Glabra – sem pêlos.

Pubescente – que tem pelos finos e densos.

Espatulada – folha em forma de espátula, isto é, ápice mais largo e arredondado e parte inferior mais atenuada.

Oblonga – folha com forma alongada e estreita e com os polos arredondados.

Lanceolada – folha com forma de lança.

Actinomórfica – flor com simetria radial, ou seja a flor pode ser dividida em várias partes iguais.

Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).

Pedicelada – flor que possui “pé” (haste de suporte).

Corola – conjunto das pétalas (peça floral, geralmente colorida ou branca), que protegem os órgãos reprodutores da planta.

Cálice – conjunto das peças florais de proteção externa da flor – sépalas, frequentemente verdes.

Tubular – que possui a forma de um tubo muito alongado.

Estame – órgão reprodutor masculino da flor, onde se produz o pólen.

Antera – porção terminal do estame onde são produzidos os grãos de pólen.

Reniforme – folha com forma de um rim.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.

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