Timidamente, a madressilva (Lonicera etrusca) começa a florescer. Ainda que a maior profusão de flores ocorra a partir da primavera, a madressilva começa ainda no inverno a despontar algumas das suas pequenas flores perfumadas.
Caprifoliaceae
A madressilva, também conhecida como madressilva-caprina, é uma espécie da família Caprifoliaceae, a quem pertencem outras espécies da flora nativa, bem conhecidas, nomeadamente, a madressilva-das-boticas (Lonicera periclymenum) também conhecida como madressilva-esverdeada ou madressilva-sem-pêlos, a madressilva-entrelaçada (Lonicera implexa) e a saudades-roxas (Scabiosa atropurpurea) também conhecida como suspiros ou suspiros-roxos.
Esta família, amplamente distribuída por todo o mundo, em particular nas regiões temperadas do hemisfério norte, tem uma vasta diversidade de espécies e formas. São mais de 1000 espécies representativas, distribuídas por 33 géneros botânicos, onde podemos encontrar árvores, arbustos, trepadeiras e herbáceas.
Muitas destas plantas são procuradas pela beleza das suas flores, para decoração de jardins e outros espaços verdes, como a abélia (Abelia x grandiflora) e a veigeila (Weigela florida e a Weigela floribunda). Outras são utilizadas em culinária, na confecção de doces, geleias, vinhos e licores, como é o caso da valeriana (Valeriana officinalis). E ainda há as que são reconhecidas pela sua importância medicinal, nomeadamente na medicina popular, e também são importantes para a indústria da perfumaria e cosmética, como por exemplo as muitas espécies dos géneros Valeriana sp. e Lonicera sp..
Algumas das espécies desta família, além de ornamentais, apresentam um elevado potencial invasor. A madressilva-dos-jardins (Lonicera japonica) e a madressilva-dos-himalaias (Leycesteria formosa) são exemplo disso. Ambas são espécies exóticas, introduzidas no nosso país, e que se têm revelado como espécies problemáticas para os espaços naturais e para a vegetação nativa, uma vez que formam densas manchas populacionais alterando os ecossistemas, impedindo o desenvolvimento da vegetação nativa e, consequentemente, reduzindo a diversidade de espécies em alguns locais.
Estas espécies encontram-se classificadas como espécies invasoras no Decreto-Lei nº 92/2019, de 10 de julho. A Leycesteria formosa está classificada como espécie invasora, apenas na Madeira, ainda que também seja muito problemática no Arquipélago dos Açores, nomeadamente nas ilhas Terceira e São Miguel.
A madressilva
A madressilva é uma espécie arbustiva, trepadeira, muito ramificada a partir da base, que pode crescer entre um a três metros de altura. Os ramos apresentam uma casca papirácea, glabra, acinzentada ou por vezes avermelhada.
Tem folhas opostas, simples, inteiras, decíduas, subcoriáceas, sésseis ou com pecíolo curto. As folhas apresentam formato elíptico a arredondado, são glaucas, verde-escuras na face superior e mais claras na inferior, mais ou menos pilosas em ambas as faces ou apenas na face inferior. As folhas adultas tornam-se glabras.
As folhas distais são adunadas, sésseis, ligeiramente revolutas na margem.
A floração da madressilva ocorre de janeiro a junho, sendo mais intensa nos meses de primavera, entre março e maio.
As flores são perfumadas, libertando um aroma muito penetrante e característico. São hermafroditas, zigomórficas e surgem agrupadas, em conjuntos de 5 a 20 flores, em inflorescências mais ou menos condensadas. As inflorescências surgem na axila de duas folhas adunadas, sobre um pedúnculo comprido, com 4 a 12 cm de comprimento. As inflorescências ocorrem geralmente em grupos de três, sendo as inflorescências laterais semelhantes à principal.
O cálice das flores é glabrescente. As sépalas encontram-se fundidas e são muito menores que as pétalas.
A corola é bilabiada, glabra ou pilosa e a cor das pétalas varia do rosa-púrpura ao branco-rosado, antes de abrir, tornando-se amarelo-alaranjadas ou esbranquiçadas.
O fruto é uma baga globosa, avermelhada, não comestível, que surge no final de um pedúnculo comprido, e que contém inúmeras sementes acastanhadas no seu interior.
A maturação dos frutos ocorre de setembro a outubro, às vezes mais tarde.
Espécie mediterrânica
A distribuição nativa da madressilva compreende alguns países do sul e centro da europa e da região do mediterrâneo, estendendo-se até ao oeste do Cáucaso.
Em Portugal ocorre em várias regiões de norte a sul do país, sendo mais comum nas regiões de Trás-os-Montes, Alto Douro, Beira Litoral, Ribatejo, Estremadura, Alto Alentejo e Algarve.
A madressilva ocorre habitualmente na orla e clareira de bosques de carvalhais, azinhais e carrascais, preferencialmente em locais com exposição solar mediana e temperaturas amenas.
O sol direto sobre a planta pode danificar as suas flores e até mesmo inibir a floração. Esta planta também não é tolerante a temperaturas muito baixas ou elevadas, uma vez que isso dificulta o seu desenvolvimento.
É uma espécie indiferente à natureza do substrato, ocorrendo em diferentes tipos de solo, embora tenda a desenvolver-se melhor em solo de pH alcalino e bem drenado.
A madressilva é muito interessante do ponto de vista ornamental por ser uma espécie muito resistente, de rápido crescimento, de floração contínua e por se tratar de uma espécie trepadora.
É uma planta muito útil para o revestimento e decoração de paredes, muros, cercas grades, pérgolas, etc.. Também pode ser mantida em vasos, preferencialmente de grandes dimensões, em pátios e terraços.
Além de ornamental, a madressilva é conhecida e utilizada como planta medicinal. Desde a antiguidade que esta planta tem revelado inúmeras propriedades medicinais, sendo frequente a sua aplicação em fitoterapia desde tempos remotos, sobretudo na medicina popular, onde as suas flores são conhecidas por terem propriedades antitússicas e as suas folhas por serem diuréticas e adstringentes. Já a sua semente é bastante tóxica para o ser humano, não devendo, por isso, ser consumida.
Ecologicamente importante
A madressilva tem um papel importante para a vida selvagem, sendo um excelente refúgio e fonte de alimento para inúmeras aves frugívoras, em especial para a toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla). Ao consumir os frutos, esta ave, assim como outros animais vertebrados, ajudam a dispersar as suas sementes para longas distâncias.
Esta planta é também a planta hospedeira da fritilária-dos-lameiros (Euphydryas aurinia), borboleta protegida, classificada pela IUCN – International Union for Conservation of Nature’s Red List of Threatened Species – como Pouco Preocupante (LC) na Europa e região mediterrânica. A fritilária-dos-lameiros alimenta-se da madressilva durante o seu estádio larvar.
O processo de polinização desta planta é bastante particular. A polinização é entomófila e, devido às suas flores tubulares, longas e estreitas, o acesso ao néctar, que se acumula na base da corola, fica limitada a insectos com probóscides compridas, como acontece com a borboleta-colibri (Macroglossum setellatarum). Outros insectos generalistas colhem o pólen nas anteras, como é o caso dos sirfídeos, também vulgarmente conhecidos como moscas-das-flores, que constituem a família Syrphidae (ordem Diptera).
Já os insectos com probóscide curta, o abelhão-terrestre (Bombus terrestris) e a abelha-carpinteira (Xylocopa violacea) chegam ao néctar através de incisões na base da flor não efetuam a polinização, sendo denominados de “roubadores de néctar”.
A polinização desta planta ocorre sobretudo durante a noite, altura em que o perfume das flores é mais intenso, atraindo os insectos noturnos, como é o caso da borboleta-colibri (Macroglossum setellatarum), um dos principais insectos responsáveis pela polinização desta planta.
Madressilva, a planta predileta de Shakespeare
A designação científica da espécie foi dedicada por Lineu ao médico e botânico alemão Adam Lonitzer, autor de um tratado sobre ervas medicinais. O nome genérico, em latim Lonicera, foi adaptado do seu sobrenome “Lonitzer”. Já o restritivo específico – etrusca – refere-se à clássica região Etrúria, atual Toscana, na Itália.
O aroma único das flores silvestres da madressilva constitui uma agradável surpresa a todos os que exploram e conhecem pela primeira vez esta planta.
Esta planta é um símbolo de amor, devoção e afeição, pois cresce rapidamente e facilmente se entrelaça em qualquer árvore ou planta que esteja próxima.
Também Shakespeare a imortalizou na sua pena, sendo uma das suas plantas prediletas. São inúmeras as referências, nos livros de Shakespeare, a plantas e flores, em particular a madressilva.
Na peça “Sonho de uma noite de verão” – A Midsummer Night’s Dream, Act IV, Scene 1, Shakespeare refere-se a esta planta, fazendo referência ao hábito particular de se enrolar, bem como ao seu perfume noturno: “Sleep thou, and I will wind thee in my arms.” (“Dorme e eu te enrolarei em meus braços”)… “So doth the woodbine the sweet honeysuckle entwist” (“Assim como a madressilva, a doce madressilva se entrelaça).
O seu nome em inglês – honeysuckle – está relacionado com o seu perfume doce.
E se gostou desta planta, fica aqui a sugestão: para embelezar e perfumar o seu jardim porque não uma madressilva? Além de poder decorar qualquer parede, muro, grade ou coluna é garantia de que as borboletas também irão aparecer.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Decídua – caduca.
Subcoriácea – folha com consistência semelhante à casca da castanha ou do couro.
Séssil – que se insere diretamente pela base, sem intermédio de qualquer suporte.
Glauca – de cor verde-cinzenta-azulada.
Glabra – sem pêlos.
Folha distal – folha que está mais afastada do ponto de inserção.
Adunada – folhas opostas e sésseis, soldadas pela base, dando ideia de uma só folha, atravessada pelo caule.
Revoluta – folha que mantém as margens ligeiramente enroladas para a página inferior da mesma.
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Zigomórfica – flor cuja corola possui apenas um plano de simetria, ou seja com simetria bilateral.
Pedúnculo – “Pé” que sustenta a inflorescência.
Cálice – conjunto das peças florais de proteção externa da flor – sépalas, frequentemente verdes.
Glabrescente – desprovido de pêlos.
Sépala – peça floral, geralmente verde, que forma o cálice.
Corola – conjunto das pétalas, que protegem os órgãos reprodutores da planta (os estames e o pistilo).
Pétala – peça floral, geralmente colorida ou branca, que forma a corola.
Bilabiada – corola simpétala ou cálice sinsépalo com segmentos dispostos em duas partes – os lábios – opostas.
Simpétala – corola cujas pétalas se encontram unidas (“soldadas”) entre si.
Polinização entomófica – realizada através da intervenção de insetos.
Tubular – flor cuja corola possui um tubo muito alongado.
Probóscides – “tromba” ou aparelho bucal dos insetos dípteros.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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