Carine Azevedo apresenta-nos duas plantas nativas de Portugal, uma das quais, a rosa-albardeira, por estes dias já começa a deslumbrar-nos com as suas bonitas flores.
Quem já se cruzou com uma peónia (Paeonia ssp.) não conseguiu ficar indiferente à sua beleza, cor e perfume.
Paeonia é o único género botânico da família Paenoniaceae e compreende cerca de 35 espécies reconhecidas em todo o mundo, distribuídas pela Europa, Ásia e oeste da América do Norte. As plantas deste género são geralmente herbáceas perenes, podendo algumas espécies atingir um porte arbustivo, até cerca de dois metros de altura.
Estas plantas são muito procuradas pela beleza das suas flores, das mais variadíssimas formas e cores.
A facilidade de adaptação, as flores grandes e abundantes, por vezes perfumadas, e a folhagem exuberante, que muda de tonalidade ao longo das estações, fazem com que estas plantas sejam muito apreciadas para decorar jardins e outras espaços verdes.
Rosa-albardeira ou peónia
Em Portugal, podemos encontrar duas espécies nativas deste género: a rosa-albardeira (Paeonia broteri), também conhecida como erva-casta, erva-de-santa-rosa, peónia, rosa-cuca e rosa-de-lobo, e a peónia (Paeonia officinalis subsp. microcarpa).
Ainda antes da primavera começar, a rosa-albardeira já se encontra em flor.
É uma planta herbácea, vivaz e rizomatosa. Passa grande parte do ano “escondida” no solo, ainda que mantenha o seu rizoma ativo. No final do inverno começam a despontar os primeiros caules e é na primavera que nos brinda com as suas belas flores.
A rosa-albardeira pode crescer entre 50 a 70 centímetros de altura e é formada por inúmeros caules eretos, glabros e avermelhados.
As folhas são compostas, com um número de segmentos e divisões muito variável. Os folíolos apresentam uma forma oval a lanceolada, geralmente sésseis ou subsésseis, de ápice agudo e base cuneada. A página superior é verde e brilhante, e a página inferior é totalmente glabra e mais ou menos glauca. As folhas basais podem assumir tons avermelhados.
A floração ocorre entre finais de fevereiro e maio. As flores são vistosas e grandes, com cerca de nove a 15 centímetros de diâmetro. São solitárias, terminais, hermafroditas e possuem cinco a dez pétalas de cor rosa-púrpura e numerosos estames e anteras douradas.
O fruto é densamente coberto por pêlos branco-amarelos e é apocárpico – formado por vários frutos parciais – com entre três a cinco folículos. Os folículos são frutos secos, deiscentes e polispérmicos. Quando maduros, expõem as sementes, que permanecem “presas” no fruto e são de dois tipos: as sementes viáveis são geralmente de cor negra e as sementes estéreis de cor avermelhada.
Espécie Ibérica
A rosa-albardeira é uma espécie endémica da Península Ibérica, ocorrendo naturalmente apenas nas regiões do sul e oeste da Península. Em Portugal distribui-se por quase todo o território continental, excepto na região noroeste. É mais frequente nas regiões do Alentejo e Algarve.
Esta planta ocorre habitualmente em matagais perenifólios e no estrato arbustivo de carvalhais, nomeadamente em bosques de azinho, sobro e de carvalho-cerquinho, preferencialmente nas zonas mais húmidas e de maior sombra.
A rosa-albardeira tem preferência por locais sombrios e húmidos, preferindo o coberto de outras formações vegetais que lhe conferem alguma frescura e sombra, pois não tolera muito bem lugares excessivamente expostos ao sol. Esta planta demonstra também um carácter ripícola, podendo ocorrer próxima de cursos de água.
Resiste bem ao frio e às geadas, podendo suportar temperaturas negativas durante o inverno, mas o mesmo não acontece com o calor intenso, que a pode danificar. Esta planta deve ser protegida dos ventos quentes.
Do ponto de vista edáfico, é indiferente ao tipo de solo: pode desenvolver-se tanto em substratos ácidos como básicos, preferencialmente em terrenos pedregosos e húmidos, desde que bem drenados.
Por outro lado, esta é uma planta magnífica, ideal para embelezar qualquer jardim. As flores possuem uma vida efémera, de poucos dias, mas a sua beleza e dimensão compensam largamente essa desvantagem.
É perfeita para colocar na borda de canteiros, ao longo de caminhos, em vasos ou floreiras em pátios e varandas, em combinação com outras plantas, ou simplesmente como planta individual.
É uma planta ornamental, interessante em duas épocas distintas do seu ciclo vegetativo anual. A primeira no final do inverno e durante a primavera, quando as suas flores exuberantes e grandes florescem. A segunda mais tarde, no verão, quando as pétalas murcham e os seus frutos cobertos de pêlos amadurecem e revelam as sementes pretas e vermelhas, que se mantêm por muito tempo na planta.
Paieon “O que cura a dor”
Para além da sua beleza ornamental, a rosa-albardeira é também reconhecida pelas suas propriedades medicinais, embora muitas vezes esta característica passe despercebida.
A designação científica da espécie está particularmente associada à sua importância medicinal. O nome do género Paeonia deriva do grego Paieon, em homenagem a Péon, mítico médico dos deuses na mitologia grega. Paieon também significa “o que cura a dor”.
Segundo a lenda, Péon terá sido transformado em flor para escapar à morte.
A designação broteri foi dada em homenagem ao botânico e médico português Félix Avelar Brotero (1744-1828), responsável pela descrição de inúmeras espécies de plantas, tendo elaborado a primeira flora portuguesa – Flora lusitanica, escrita em latim e publicada em 1804.
A rosa-albardeira possui propriedades antiespasmódica e sedativa. No entanto, devido à presença de um alcalóide tóxico, não é aconselhável a sua utilização sem um acompanhamento médico especializado. Tanto as suas flores, como as sementes, são altamente tóxicas, podendo provocar náuseas, cólicas e diarreia.
Registos etnobotânicos apontam para a sua utilização como diurética, emenagoga e como um bom tónico do fígado. Também há referência à sua aplicação no tratamento de doenças ao nível do sistema central nervoso e cardiovascular, sendo tradicionalmente usada no tratamento de espasmos e epilepsia.
A rosa-albardeira possui um papel muito importante para a vida selvagem. As suas flores, de grandes dimensões, e a imensa quantidade de pólen produzido, atraem muitos insectos, que além de se alimentarem contribuem para a polinização da espécie – polinização entomófila, feita principalmente por abelhas.
A abelha-europeia (Apis melifera), o abelhão (Bombus terrestris), a abelha-carpinteira (Xylocopa violacea), a Andrena assimilis, certos coleópteros, como os escaravelhos do género Malachius sp., e as formigas do género Lasius sp., são alguns dos visitantes florais desta espécie. No entanto, destes, apenas a Andrena assimilis é vista como um polinizador eficiente.
A outra Paeonia nativa
A outra espécie presente em Portugal, a peónia (Paeonia officinalis subsp. microcarpa), é mais rara no território nacional que a rosa-albardeira (Paeonia broteri), ainda que possa ser observada numa área de ocorrência nativa maior.
Esta subespécie é nativa do sudoeste de França e da Península Ibérica.
A Paeonia officinalis subsp. microcarpa possui folhas com muitos folíolos mais ou menos elípticos a oblongo-lanceolados, geralmente menores que os da rosa-albardeira.
A face inferior das folhas é glauca e pubescente e a face superior possui um aspecto mais baço – característica que facilita a distinção entre as duas espécies, uma vez que a página superior da rosa-albardeira é verde brilhante.
A Paeonia officinalis subsp. microcarpa floresce mais tarde, entre abril e julho, e as flores são um pouco maiores, com seis a oito pétalas magenta ou vermelho-púrpura, enquanto que os estames possuem filamentos vermelhos. Tal como a rosa-albardeira, as flores têm cinco sépalas verdes, desiguais.
O habitat das duas espécies é muito semelhante, embora a Paeonia officinalis subsp. microcarpa seja ecologicamente mais exigente. Esta espécie habita preferencialmente orlas bem conservadas de bosques caducifólios ou perenifólios, nomeadamente carvalhais.
Existe registo da sua presença na Beira Baixa, Beira Alta, Trás-os-Montes, Estremadura e Alto-Alentejo.
Tratando-se de espécies tão raras, o melhor é procurá-las para “gozar” do esplendor das suas belas flores. Mas, lembre-se, sem as colher, para que possam continuar a crescer e a brindar todos aqueles que as encontrem com a sua beleza ímpar em habitat natural.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Herbácea – planta de consistência não lenhosa e verde.
Vivaz – planta que vive mais do que dois anos, renovando anualmente a parte aérea.
Rizomatosa – planta cujo caule é subterrâneo (rizoma).
Rizoma – caule subterrâneo, que cresce geralmente na horizontal, com aspeto de raiz, composto de escamas e gemas, como se de um caule aéreo se tratasse.
Glabro – sem pêlos.
Folíolo – cada uma das partes em que o limbo de uma folha composta ou recomposta se divide.
Lanceolada – cada folíolo apresenta a forma de lança.
Séssil – que se insere diretamente pela base, sem pecíolo ou pedicelo.
Subséssil – quase séssil, com pecíolo ou pedicelo muito curto.
Cuneada – base em forma de cunha (base estreita e aguda).
Glauca – de cor verde-cinzenta-azulada.
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Estame – órgão reprodutor masculino da flor, onde se produz o pólen, formado geralmente por filete e antera.
Antera – porção terminal do estame onde são produzidos os grãos de pólen.
Apocárpico – fruto formado pelo conjunto de vários frutos parciais, cada um resultante de um carpelo independente, mas todos de uma só flor.
Folículo – fruto seco, com várias sementes, que se abre por uma única fenda para as libertar.
Deiscente – fruto que, quando maduro, se abre naturalmente para libertar as sementes.
Polispérmico – fruto com muitas sementes.
Bosque perenifólio – formado por plantas com folhagem que persiste, na árvore, ao longo de todo o ano.
Bosque caducifólio – formado por plantas de folhagem caduca, ou seja, a folha cai espontaneamente na estação do ano mais desfavorável.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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