Pervinca (Vinca difformis). Foto: Josep Gesti/Wiki Commons

O que procurar no Inverno: a pervinca

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A Pantone Color Institute escolheu a cor para representar 2022: a Very Peri (17-3938), um agradável tom de azul inspirado nas flores de uma planta pertencente ao género botânico Vinca, vulgarmente conhecida como pervinca. A decisão foi justificada pelo tom calmante, que representa a coragem e a inventividade. 

Mas que planta é esta que deu a cor para 2022?

Género Vinca

Vinca é um género botânico pertencente à família Apocynaceae, nativo da Europa, Macaronésia e Ásia Central.

Este género compreende sete espécies reconhecidas e aceites em todo o mundo e é constituído por plantas herbáceas perenes, eretas ou rasteiras, que são maioritariamente conhecidas como pervinca.

Em Portugal são três as espécies presentes. No entanto, apenas uma é reconhecida como espécie nativa, a Vinca difformis, conhecida igualmente como pervinca ou congossa, ainda que sejam inúmeros os nomes comuns associados a esta planta: vinca, salva-da-inveja, erva-da-inveja, alcangorça, alcongosta, congorça, congossa-maior, erva-concorça ou erva-congorça.

A pervinca

A pervinca é uma planta herbácea, vivaz, perenifólia, que pode atingir entre 15 a 40 cm de altura. É uma planta rizomatosa e estolhosa, cujos ramos são maioritariamente decumbentes, ainda que possa possuir ramos floríferos ascendentes.

O seu crescimento é geralmente rastejante, levando à formação de grandes tapetes verdes que podem cobrir a totalidade da superfície onde a planta está estabelecida.

As folhas são persistentes, opostas, inteiras, ovadas a lanceoladas, brilhantes e de cor verde-escuro. São pecioladas, glabras e apresentam uma textura ligeiramente coriácea.

Pervinca (Vinca difformis). Foto: Luis Fernández García/Wiki Commons

A floração ocorre entre o inverno e a primavera, nos meses de janeiro a maio. As flores elegantes, em forma de hélice, são solitárias, axilares, hermafroditas e longamente pedunculadas. A corola é assalveada, tubular e possui pétalas azul-claras ou azul-violáceo, por vezes esbranquiçada na base. O cálice é composto por cinco segmentos estreitos, linear-triangulares.

Os seus frutos são pequenos folículos – frutos secos, deiscentes e polispérmicos, que se abrem por uma só fenda longitudinal, acastanhados e com numerosas sementes nuas no seu interior.

Habitat e ecologia

A pervinca tem uma área de distribuição nativa compreendida entre o Arquipélago dos Açores e a região oeste e central do Mediterrâneo, podendo ocorrer naturalmente na Península Ibérica, França, Itália, Argélia, Tunísia, Marrocos, Sardenha, Córsega, Baleares e Açores.

Em Portugal Continental ocorre um pouco por todo o território, e no Arquipélago dos Açores está presente em todas as ilhas.

A pervinca é uma planta ruderal, que vegeta preferencialmente em locais húmidos e ensombrados. O habitat mais comum desta planta é o subcoberto de bosques húmidos, geralmente carvalhais e galerias ripícolas, mas também está presente em matas, sebes, margens de campos e linhas de água.

Esta planta aprecia clima ameno, e para crescer em todo o seu esplendor, prefere locais de semi-sombra. A nível edáfico, prefere solos leves, húmidos, bem drenados e ricos em matéria orgânica.

É uma planta resistente ao frio, muito tolerante à baixa luminosidade e a ambientes secos. No entanto, quando expostas a grande intensidade solar, as folhas podem queimar-se. Não é tolerante ao calor intenso e a longos períodos de seca.

De uma maneira geral, pode dizer-se que a pervinca é uma planta pouco exigente e muito resistente.

A facilidade de se expandir ao longo de extensas áreas, formando tapetes densos de folhas verdes, repletos de flores azuladas no inverno e na primavera, tornam esta planta particularmente interessante do ponto de vista ornamental.

Todavia é necessário algum cuidado e controlo na utilização desta planta: como tem uma grande facilidade para enraizar e expandir-se, pode tornar-se invasiva.

A pervinca é cultivada como ornamental em espaço urbano, para cobertura de jardins e para formação de bordaduras vivazes, preferencialmente em locais à sombra.

Pervinca (Vinca difformis). Foto: Luis Fernández García

É perfeita para plantar em taludes ou em jardins rochosos para controlo da erosão e proteção do solo. Se for usada junto a muros, pode comportar-se como trepadeira, ainda que necessite de tutores para se apoiar.

Também é comum o seu uso em floreiras e vasos. Quando cultivada em vasos suspensos, a sua folhagem forma densos tufos pendentes, muito agradáveis e floridos.

Ação medicinal

Além da aplicação ornamental, a pervinca apresenta diversas propriedades e características que a tornam ideal para outros usos. Os seus caules são excelentes em cestaria, para o fabrico de cestas, por exemplo. Em algumas regiões esta planta também é usada na composição de ramos e outros arranjos florais.

Na indústria da cosmética e da perfumaria, da pervinca podem fazer-se cremes, óleos, tinturas e emplastros.

Esta planta é também reconhecida pelas suas inúmeras propriedades medicinais. Na sua composição, a pervinca contém taninos, flavonas, glúcidos, sais minerais, vitamina C, pectina e alcalóides indólicos, dos quais se destacam a vincamina, a vincristina e a sapargina, cujo princípio ativo é mais intenso durante o período de floração.

Os alcalóides presentes, principalmente a vincamina, têm uma ação anti-espasmódica, hipotensora, vasodilatadora cerebral e coronária.

As folhas secas desta planta são usadas na medicina tradicional como desinfetante e cicatrizante, no tratamento de hemorragias internas, infeções gastrointestinais e urinárias.

A pervinca também é usada no tratamento de diversas formas de cancro (leucemia, linfoma, entre outros), no tratamento de diabetes e de estados de pressão arterial alta.

Também possui uma ação tónica venosa e da microcirculação, é adstringente, combate vertigens e enxaquecas e possui também a faculdade de inibir a produção de adrenalina.

O seu poder contra as perdas de memória é reconhecido. Toda a planta é sedativa e um excelente estimulante cerebral e vasodilatador, é usada no tratamento da aterosclerose e alzheimer, entre outras doenças susceptíveis de causar demência.

Pela elevada quantidade de alcalóides presentes, a pervinca é uma planta muito tóxica, e deve ser manuseada com muito cuidado. Não pode ser ingerida e deve ser tomada apenas sob prescrição médica.

Outras Vinca em Portugal

Etimologicamente o termo genérico Vinca, nome latino para a planta, poderá derivar dos termos vincio = “amarrar ou enrolar”, vincire = “ligar”, ou de vincere, que significa “superar” – muito provavelmente devido à utilização das hastes jovens e compridas das plantas deste género botânico para entrelaçar e fazer coroas de flores e grinaldas.

As coroas e grinaldas feitas destas plantas tinham diferentes simbolismos, consoante a espécie usada e a região.

O restritivo específico difformis indica a forma incomum comparativamente à forma típica do género.

Além da Vinca difformis, espécie nativa no território nacional, é possível encontrar mais duas espécies semelhantes do género Vinca em Portugal, que apesar de não serem autóctones, estão amplamente naturalizadas: a pervinca, congossa-maior, pervinca-maior (Vinca major) e a pervinca, congossa-menor, pervinca-menor (Vinca minor).

Vinca major. Foto: Carlos Aguiar

As três espécies são muito semelhantes e podem ser confundidas umas com as outras. No entanto distinguem-se facilmente pelo tamanho e forma das folhas:

  • A Vinca major apresenta folhas maiores que a Vinca minor, mas ligeiramente mais pequenas que a Vinca difformis, com cílios bastante evidentes ao longo da margem, embora só sejam bem visíveis com lupa.
  • A Vinca minor apresenta folhas mais pequenas que as outras duas espécies. As folhas são tri ou tetraverticiladas no ápice dos ramos estéreis. As flores e as sementes desta espécie são de menor dimensão em relação às restantes espécies.
Vinca minor. Foto: Miguel Porto

O habitat preferencial das três espécies é idêntico, podendo ser facilmente encontradas no subcoberto de bosques húmidos e na orla de cursos de água. E como já mencionado anteriormente, devido à facilidade com que enraízam e se expandem, qualquer uma das três pode tornar-se invasiva.

“Violetas-feiticeiras”

A pervinca é uma planta simbólica, envolta em rituais supersticiosos de magia e bruxaria.

Esta planta é tida como arauto da presença de fadas e como um contrafeitiço natural, que afasta a inveja, o mau-olhado e os espíritos nefastos e que atua como filtro energético, transformando as energias negativas em positivas.

No séc. II, era utilizada no combate a doenças do diabo, por exemplo.

Ainda hoje, em algumas regiões de Inglaterra e da Irlanda, onde esta planta é conhecida como devil’s joy (prazer-do-diabo), é comum pendurar ramos de pervinca para dar sorte e afastar o mau-olhado.

Na Idade Média, era considerada a planta dos poetas e dos feiticeiros, que recomendavam a sua contemplação para acalmar a vista cansada e melhorar a memória. Daí haver quem a apelide de sorcerer’s violet (violeta-feiticeira).

Uma análise bem cuidada da morfologia das suas flores permite perceber que, apesar de ser composta por cinco pétalas formando um pentagrama, a união basal forma um tubo hexagonal perfeito, recriando a ideia de uma estrela de cinco pontas – uma das representações do infinito, que associada à cor das suas flores, espiritualmente participa das ideias de “passagem” e “transmutação”.

Posto isto, não é difícil perceber o quanto esta planta foi importante ao longo da História e o que ainda representa atualmente.

A cor do ano, escolhida pela Pantone para 2022, reflete sem dúvida o que está a acontecer globalmente. Vivemos uma fase de transformação e transição, numa altura em que nos libertamos de um longo e intenso período de isolamento, em que as nossas vidas estão a mudar e a adaptar-se a novos padrões.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Vivaz – planta que vive mais do que dois anos, renovando anualmente a parte aérea.

Perenifólia – de folha persistente ou folha perene. Planta que mantém as folhas verdes ao longo de todo o ano, fazendo a sua renovação gradual sem que fique despida.

Rizomatosa – planta cujo caule é subterrâneo (rizoma).

Estolhosa – planta que possui estolhos.

Estolho – rebento ou ramo basal, longo, delgado e prostrado (estendido sobre o solo), capaz de enraizar nos nós e formar novas plantas.

Decumbente – caule ou ramo deitado sobre a terra, por onde se alastra e com a ponta levantada para cima.

Ascendente – caule que se desenvolve na posição horizontal ou quase, mas que tende a verticalizar.  

Ovada – folha com a forma de um ovo mais larga perto da base.

Lanceolada – folha com forma de lança.

Peciolada – provida de pecíolo.

Glabra – sem pêlos.

Pedunculado – que tem pedúnculo, “pé” que sustenta a flor.

Assalveada – flor com corola simpétala com tubo longo e estreito, que se dilata bruscamente em limbo plano ou côncavo.

Simpétala – corola cujas pétalas se encontram unidas (“soldadas”) entre si.

Cálice – conjunto das sépalas, que protegem externamente a flor.

Folículo – fruto seco, com várias sementes, que se abre por uma única fenda para libertar as suas sementes.

Deiscente – fruto que, quando maduro, se abre naturalmente para libertar as sementes.

Polispérmico – fruto com muitas sementes.

Verticilado – quando 3 ou mais órgãos semelhantes (por ex. ramos, folhas) se dispõem no mesmo nó. Tri – indica que a folha se encontra repetida três vezes. Tetra – indica que se encontra repetida quatro vezes.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.

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