Por estes dias começam a florir as margaças-de-inverno (Chamaemelum fuscatum), colorindo os campos de cultivo, as margens dos cursos de água e outros locais húmidos com as suas pequenas flores de pétalas brancas e disco amarelo, que contrastam com o verde dos seus caules e folhas. Uma planta bem conhecida e que talvez ajude a identificar se a chamarmos de malmequer.
Família Asteraceae
A margaça-de-inverno é uma espécie da família Asteraceae, popularmente conhecida como a família dos malmequeres, que constituem múltiplas espécies muito semelhantes e, por vezes, muito difíceis de distinguir.
Malmequer é o nome comum dado às flores que apresentam um disco amarelo constituído de minúsculas flores, ladeado de lígulas (falsas pétalas) brancas ou amarelas, como por exemplo as margaridas (Bellis sp.), as camomilas (Matricaria sp. e Chamaemelum sp.) e muitas outras.
Quem nunca colheu uma destas flores e jogou com ela ao “bem-me-quer, mal-me-quer” até à última “pétala”?
A família Asteraceae é uma das maiores famílias de plantas com flor, com mais de 1.650 géneros e 23.600 espécies de herbáceas, arbustivas e arbóreas, reconhecidas e distribuídas por todo o mundo.
As plantas que constituem esta família são das mais reconhecidas e interessantes plantas ornamentais. As dálias, os crisântemos, os malmequeres, as zínias, as tagetes são muito procuradas e utilizadas para a decoração de jardins e outros espaços verdes.
Fazem também parte deste grupo inúmeras plantas silvestres, como o cardo, o dente-de-leão, a calêndula e a camomila, e até plantas com elevada importância económica, como a alface, a alcachofra, o girassol, a gerbera e o absinto.
Em Portugal são pouco mais de 350 espécies nativas, distribuídas por cerca de 100 géneros presentes um pouco por todo o território continental. No Arquipélago da Madeira, podemos encontrar cerca de 43 géneros pertencentes a esta família e, nos Açores, pouco mais de 10 géneros.
Margaça-de-inverno
A margaça-de-inverno é também conhecida de margaça-fusca ou pamposto. É uma planta herbácea, anual, de caules com cinco a 30 centímetros de altura, geralmente ramificados na parte inferior, glabros, ascendentes ou erectos.
Toda a planta é aromática e liberta um aroma inconfundível, semelhante a maçã.
As folhas são muito recortadas, com aspeto ligeiramente suculento, com segmentos lineares, e possuem uma forma oblonga. As folhas proximais, que estão mais próximas do ponto de inserção, são pecioladas, ou seja, têm um pé que as liga ao caule. Pelo contrário, as folhas distais, mais afastadas do ponto de inserção, são sésseis.
A margaça-de-inverno floresce durante a maior parte do ano, desde o final do outono até ao princípio do verão, mas a maior profusão de flores ocorre no final do inverno.
As flores surgem dispostas em inflorescências solitárias e pequenas, no topo de um pedúnculo, aparentando tratar-se de uma flor apenas. Mas na verdade, cada uma dessas inflorescências, conhecidas como capítulos, são constituídas por inúmeras flores muito pequenas e dividem-se em dois tipos.
No que respeita às flores marginais do capítulo, são liguladas, femininas ou estéreis, sendo as lígulas (falsas pétalas) brancas e inteiras. A sua função é meramente decorativa e atrativa.
Já as flores situadas mais ao centro, no disco, são hermafroditas, tubulosas e amarelas. São estas flores centrais que vão dar origem às sementes férteis. E por serem tão pequenas e pouco vistosas, encontram-se muito juntas para serem mais atrativas.
O conjunto destes dois tipos de flores funciona como uma única flor de forma a atrair os polinizadores e a facilitar a polinização.
Todo este conjunto de flores é protegido por folhas modificadas – brácteas involucrais – ovadas, verdes, com margem e ápice mais escuros.
Quanto ao fruto é conhecido como cipsela – um fruto seco, de forma ovóide, levemente comprimido, com uma única semente e sem papilho (tufo de pelos, sedas ou escamas).
A denominação científica desta planta tem origem em termos gregos e está relacionada com algumas das suas características morfológicas. O nome do género Chamaemelum deriva da combinação dos termos Chamai e melon, que significam, respectivamente, “pequeno, anão ou da terra” e “maçã”, muito provavelmente devido à dimensão reduzida da planta, com crescimento ao nível do solo, e por possuir um leve odor a maçã.
A designação fuscatum, do restritivo específico, deve-se ao tom escuro das brácteas.
Nativa, resistente e adaptativa
A margaça-de-inverno é uma espécie nativa da região oeste e central da Bacia do Mediterrâneo, em países como Portugal, Espanha, França, Itália, Ilhas Canárias, Córsega, Sardenha, Sicília, Albânia, Marrocos, Argélia e Tunísia.
Em Portugal ocorre um pouco por todo o território continental. É uma espécie ruderal, surge em campos cultivados ou incultos, em prados, margens de cursos de água e depressões. É muito comum encontrar esta planta no subcoberto de olivais e de vinhas.
A margaça-de-inverno prospera em locais húmidos, com uma exposição solar plena ou de sombra parcial. Tem preferência por solos calcários ou arenosos, desde que permanentemente húmidos e bem drenados, ainda que suporte solos temporariamente encharcados. É uma espécie tolerante ao frio.
É uma espécie reconhecida pela sua beleza, resistência e capacidade de adaptação. O seu reaparecimento, todos os anos, assegura a continuidade e estabilidade dos ecossistemas.
Ainda que não seja comum a sua utilização como planta ornamental, os lindos tapetes de flores brancas com salpicos amarelos que cobrem prados, campos de cultivo e qualquer outro espaço que consiga garantir alguma humidade regular no solo tornam-na numa excelente solução decorativa.
A margaça-de-inverno é ideal como cobertura do solo para canteiros e bordaduras, misturada ou não com outras plantas com flor, para vasos e floreiras, para jardins informais, jardins de pedra ou em jardins de casas de campo.
Durante o inverno as suas flores são umas das favoritas das abelhas e dos abelhões, que procuram o seu néctar. É também uma importante fonte de alimento para cavalos e outros animais.
Medicinal e não só
A margaça-de-inverno é uma planta medicinal, muito utilizada no meio rural, embora permaneça de alguma forma subestimada. Alguns registos etnobotânicos referem que em algumas regiões rurais é usada pelas propriedades antisséptica e anti-inflamatória, no tratamento de problemas dos sistemas digestivo, urogenital, músculo-esquelético e nervoso.
Apesar de ter as mesmas características medicinais de outras espécies do género, como por exemplo a macela (Chamaemelum nobile), o consumo atual da margaça-de-inverno é muito menor, provavelmente devido ao aroma amargo que possui.
Também tem aplicações na área da cosmética. Toda a planta é utilizada para obtenção de loções e cremes para aclarar o cabelo.
Noutras regiões, é usada como planta comestível. As suas folhas podem ser aproveitadas para confeccionar vários pratos, sendo utilizadas como legume, nomeadamente em sopas. As suas flores são usadas para preparar infusões e outras bebidas.
As suas inflorescências também são usadas em tinturaria, fornecendo uma cor amarelada à lã.
De acordo com a Global Biodiversity Information Facility, esta planta está registada como espécie invasora em quatro regiões do mundo: América do Norte, Tenerife, Espanha e Albânia.
Com a introdução da espécie em algumas regiões onde facilmente se naturalizou, tem-se verificado que o seu estabelecimento em ecossistemas ou habitats naturais ou seminaturais tem causado mudanças e ameaças à diversidade biológica nativa da região em causa, ainda que não existam evidências significativas do seu impacto.
A camomila ou macela
Além da margaça-de-inverno, apenas a macela (Chamaemelum nobile), também conhecida como camomila-de-paris, camomila-romana, macela-dourada, macela-flor ou macelão, pertence ao género Chamaemelum.
A macela é uma planta herbácea, perene, com características morfológicas muito semelhantes à margaça-de-inverno.
O que mais facilmente distingue estas duas plantas é na verdade, a sua época de floração. Enquanto a margaça-de-inverno, como o próprio nome comum refere, tem uma maior profusão de flores durante o inverno, a macela floresce com maior intensidade durante o período da primavera e verão, entre maio e setembro.
A macela está presente em todo o território nacional continental e também ocorre no Arquipélago da Madeira, onde terá sido introduzida.
É extremamente aromática e uma importante planta medicinal. É usada para o tratamento de insónia, ansiedade, stress, dores de dente e de cabeça, dores musculares e neuralgia, mas também é conhecida pelas suas propriedades calmantes.
Externamente, também pode ser usada para tratar eczemas e inflamações na pele.
Seja margaça-de-inverno ou macela, estas plantas podem ser encontradas em todo o lado, basta pensar na época do ano em que nos encontramos para mais facilmente as identificarmos.
E se procuram a resposta à vossa pergunta nas pétalas de uma flor, não as arranquem. Basta contá-las.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Lígula – flores marginais, em forma de língua, presentes nas inflorescências – capítulos das espécies da família das Asteraceae – semelhantes a pétalas (falsa pétala).
Folha proximal – folha que está mais próxima do ponto de inserção, neste caso do caule.
Peciolada – provida de pecíolo.
Folha distal – folha que está mais afastada do ponto de inserção.
Séssil – que se insere diretamente pela base, sem intermédio de qualquer suporte. Não tem pecíolo.
Inflorescência – forma como as flores estão agrupadas numa planta.
Pedúnculo – “Pé” que sustenta a inflorescência.
Capítulo – inflorescência globosa, achatada ou não, de flores geralmente sésseis, reunidas num receptáculo comum, geralmente rodeadas por um invólucro protetor (brácteas).
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Tubulosa – em forma de tubo alongado.
Bráctea involucral – folha modificada que envolve e protege algumas inflorescências, localizada na base das mesmas, geralmente de cor, dimensão e consistência distinta das restantes folhas e onde se insere a inflorescência.
Cipsela – fruto seco, indeiscente, com uma única semente.
Indeiscente – fruto que não se abre naturalmente quando maduro, não libertando as sementes.
Papilho – tufo de pelos, sedas ou escamas, que coroa alguns frutos e sementes.
Ruderal – vegetação que se desenvolve em meios resultantes da atividade humana (como sejam berma de caminhos, taludes de vias de comunicação, imediações de lixeiras e entulhos, campos abandonados, etc.)
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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