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Nova exposição botânica mostra o que as plantas têm feito por nós

19.04.2017

A partir de dia 20 de Abril há uma nova exposição no Museu Nacional de História Natural e da Ciência. “Plantas e Povos” desafia-o a descobrir o que as árvores, frutos, sementes, cascas, resinas, ervas ou pigmentos têm feito por nós. Alguns dos objectos estão expostos pela primeira vez.

 

A exposição, com inauguração marcada para as 18h00 de 20 de Abril, concentra numa sala, com grandes janelas abertas para o Jardim Botânico, muitas histórias sobre a nossa relação com as plantas. Dez armários antigos mostram mais de 300 objectos, feitos e usados nos séculos XIX e XX por povos de Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, Timor, Índia, China, Irão, Brasil e algumas regiões da América Central.

 

Instrumento musical. Foto: MUHNAC-Ulisboa

 

Um dia antes da inauguração, o director do Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC), José Pedro Sousa Dias, explicou à Wilder que a exposição é feita de objectos vindos do espólio do Museu mas também das colecções do antigo Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT). “Os objectos do século XIX são do herbário do Museu e os do século XX vieram do IICT, mais concretamente das missões antropológicas às antigas colónias portuguesas”, disse o responsável junto a um dos armários. “Isto é apenas uma pequena parte das colecções mas mostra bem os usos da flora pelas populações africanas, asiáticas e americanas e o seu conhecimento e incorporação na ciência europeia”, acrescentou.

 

Mezinhas usadas por um curandeiro de Tete. Foto: MUHNAC-Ulisboa

 

A exposição, instalada na Sala do Veado, está organizada consoante os usos das plantas no império colonial português nos séculos XIX e XX: Cuidar, Transcender e Transformar. Vários objectos ilustram o uso que o Homem tem feito das plantas, desde os fins medicinais, estéticos, artísticos e alimentares a mobiliários, transporte, vestuário, entre outros. Algumas peças, como cachimbos e instrumentos musicais, estão agora expostas pela primeira vez. Mas a exposição também chama a atenção para a sobre-exploração de várias espécies, que tem empurrado algumas para a beira da extinção.

 

Placa de teixo, 1878. Foto: Wilder

 

Num dos armários do lado esquerdo há antigos cardos-cardadores ou cardos-penteadores que eram usados para cardar a lã. Ao lado estão recipientes transparentes que mostram as várias etapas da preparação do algodão, em flor e em rama (já com a flor aberta). Ali perto está um rolo de papel feito na China no século XIX, com data de 1876.

Do outro lado da sala, junto às janelas, um dos armários mostra duas folhas do caderno de campo do botânico austríaco Friedrich Welwitsch (1806-1875), que ficou conhecido pelo seu trabalho de recolha da flora de Angola, entre 1853 e 1860. Foram escritas a 3 de Setembro de 1859, dia em que encontrou a planta pela qual ficou mais conhecido, a Welwitschia mirabilis, cujos espécimes também estão na exposição. Ao lado, desenhos de algas marinhas microscópicas feitas por este botânico.

 

Desenhos de algas microscópicas feitas por Friedrich Welwitsch em 1845. Foto: MUHNAC-Ulisboa

 

O herbário do MUHNAC tem guardadas duas colecções de Friedrich Welwitsch, com cerca de 15.000 exemplares da flora angolana e 3.000 da flora portuguesa.

Além das armadilhas para pesca africanas, chapéus da Guiné e cestos feitos em fibra, a exposição conta ainda com o conjunto completo do curandeiro Artur Murimo Mafumo, trazido para Portugal pela Missão Antropológica de Moçambique em 1956. “Estes eram todos os objectos deste curandeiro e foram confiscados quando ele se encontrava preso por prática ilegal de medicina”, explicou José Pedro Sousa Dias. No armário podem ver-se o conjunto de conchas, ossos e outros materiais para as funções divinatórias, adereços, um banco de madeira e as cabaças onde preparava as mezinhas.

 

Ossiculos usados pelo curandeiro moçambicano Artur Murimo Mafumo. Foto: MUHNAC-Ulisboa

 

Na exposição existe um armário que poderia ser uma farmácia, com cada prateleira com diferentes plantas usadas para tratar as mesmas doenças, desde problemas respiratórios (eucalipto); queimaduras, contusões e feridas (aloé); ossos, artrite e reumatismo (trevo-da-água ou noz-vómica), alívio das dores (cânhamo, cânfora, beladona) e problemas gastro-intestinais (camomila, malva ou artemísia). Por exemplo, o aloé é usado há milhares de anos no tratamento de queimaduras, feridas e irritações da pele. Tudo porque contém substâncias que aceleram a cicatrização de feridas e estimulam a reparação da pele.

Além dos objectos, a exposição terá a projecção de fotografias de arquivo sobre as missões nas antigas colónias e pequenos filmes sobre as missões antropobiológicas feitas a Angola (1948-1955) e Timor (1953-1973).

“A nossa história está estreitamente ligada ao uso artesanal e, posteriormente, industrial, das plantas. Usamos no nosso quotidiano as fibras vegetais, presentes nos caules, folhas, raízes, cascas e sementes – desde a roupa que vestimos ao papel em que escrevemos – e conseguimos identificar madeiras, resinas, borrachas ou pigmentos na maioria dos equipamentos, construções e produtos que nos rodeiam”, segundo um dos textos que acompanham a exposição.

 

Foto: Wilder

 

Ireneia Melo, curadora da colecção de fungos, e Ana Isabel Correia, curadora da colecção de plantas vasculares do Museu, são duas das comissárias desta exposição e ambas estiveram à conversa com a Wilder.

Para esta exposição, começaram por dividir as plantas pelos seus usos e depois escolher os objectos em melhores condições, sempre tendo em conta que estas “são colecções muito frágeis” e que precisam de temperatura, humidade e luz específicas. As janelas que dão para as árvores do jardim lá fora têm um filtro especial, por exemplo.

 

Placa de madeira de teixo. Foto: Wilder

 

“Hoje esquecemo-nos que as plantas estão na base de todos os processos; damos mais atenção aos animais e, às vezes, aos minerais”, comentou Ireneia Melo. “Esquecemo-nos que dependemos das plantas para quase tudo, a começar pelo oxigénio. Esmagamos as ervas, não temos respeito pelas árvores, que são verdadeiros monumentos naturais.”

E entretanto vamos perdendo conhecimento local sobre os usos das plantas, como as medicinais, alertam as comissárias da exposição. “Há vários projectos um pouco por todo o mundo em que investigadores procuram registar esse conhecimento para mais tarde podermos recorrer a ele. É como um tesouro escondido”, disse Ana Isabel Correia.

Esta é uma exposição de longa duração, ainda sem data para encerrar.

 

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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