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Nos primeiros tons outonais

06.10.2015

Dois dias de fortes chuvadas, daquelas que normalmente se abatem em cada novo equinócio de Outono, foram determinantes para as alterações ambientais sentidas nesta mudança de estação.

As temperaturas baixaram, o orvalho nocturno está de regresso, a erva desponta nas pastagens, há menos poeiras no ar. O sol eleva-se cada vez menos no seu «percurso» diário e este também se vai encurtando. A luz é por isso menos intensa, a ideal para nos revelar a explosão de cores que a partir de agora se vão multiplicar durante um período em que a natureza se revela com grande espetacularidade.

Chegou o tempo que muito anima fotógrafos e ornitólogos que, depois de verem partir as aves estivais, já confirmam as datas de chegada das que (também) passarão o Inverno nas nossas paragens.

Entre o Minho e Trás-os-Montes, as margens de um pequeno rio e a encosta de um monte próximo são os locais escolhidos para, alternadamente, assistir às primeiras movimentações outonais de protagonistas da vida selvagem.

O rio ainda atesta o longo período de seca por que passou. Em pequenos desníveis do seu leito já se nota alguma movimentação, ainda que nos troços com pequenas poças a água pareça estagnada. Mas com vida. Nas maiores manchas, cardumes de pequenos peixes movem-se sob os alfaiates, sempre irrequietos na superfície.

Em vários momentos do dia uma rã abre um coro de coaxos que vão crescendo em número até se transformarem numa algazarra que pouco depois se extingue. Os períodos de calmaria que se seguem, em dias sem vento, permitem escutar ruídos discretos, quase impercetíveis, provenientes da espessa vegetação anfíbia em ambas as margens do curso de água. Foi com eles e a pensar no que poderia estar na sua origem, que deixei o excelente spot encostado ao muro de pedra sobreposta, construído para suportar uma velha nora que ainda exibe os alcatruzes apesar de há muito tempo se encontrar abandonada. O sol nasce do lado de trás do muro pelo que logo cedo a sua luz irrompe pelo leito do rio, iluminando também a vegetação que o margina e toda a avifauna que nela pousa e que, na maior parte dos casos, não se apercebe de imediato do observador que a espera. Amanhã voltarei para continuar a confirmá-lo.

Mosaicos de terreno agricultado encaixam-se na base da encosta onde a folhagem policromática de pequenas vinhas alterna com os tons já predominantemente vermelhos das copas de muitas cerejeiras-bravas.

A vegetação altera-se à medida que se progride no caminho de terra batida que se dirige para o cimo do monte. Velhos castanheiros escondem exemplares mais novos mas sob quase todos há ouriços e muitas castanhas.

Mais acima, núcleos de pequenas carrasqueiras repartem o terreno com pinheiros-bravos. Finalmente, já perto do topo da encosta, urze e carqueja formam um vasto e espesso manto. O som que aqui mais ecoa é o do canto das felosas-do-mato e das toutinegras-de-cabeça-preta que esvoaçam e mergulham por entre a densa vegetação.

De um afloramento rochoso no meio da imensidão destes matos têm-se linha de vista para a parcela mais “limpa” da encosta. Ao longo da tarde vão-se ver e ouvir uma série de animais a partir daqui, numa sequência expectável. Primeiro, pequenos bandos de pombos-torcaz chegam e partem, mais da área de pinhal. Durante a tarde e por mais de uma vez, o tamboreio de um pica-pau-malhado-grande provém dos castanheiros maiores. Dois corvos aproximam-se sempre a piar, ambos com algo no bico. Circundam a área e afastam-se pelo lado oposto do monte. O canto muito campestre das cotovias-pequenas ouve-se insistentemente. Mais ao final da tarde, o berro de um corço próximo sobrepõe-se a tudo o resto. Na descida, de regresso, o avistamento de dois coelhos antecede o de uma corça especada no meio do castinçal. Interrompi-a no seu trajecto para uma represa, o único bebedouro existente nesta elevação.

Manhã do dia seguinte, de novo sob a nora na margem direita do rio. Primeiro um macho, depois uma fêmea de toutinegra-de-barrete-preto, são as primeiras “visitas”. Segue-se um chapim-azul que quase poisa no meu chapéu. Bandos de pardais-montês vão passando ruidosos. Subindo e descendo o rio, um guarda-rios e um gavião voam em momentos diferentes, sempre rentes à água. O primeiro anda à pesca, o segundo anda à caça. Num dos períodos de maior silêncio, volta o ruído da véspera na densa espessura das plantas mergulhadas na água. Concentro-me num buraco escuro entre os pequenos caules.

Na penumbra criada pela vegetação, talvez num reflexo da água, há algo a mover-se. Encosto-me mais à parede, quase sustenho a respiração. O que surge primeiro é cor de laranja, é um bico, é comprido! Agora toda a cabeça sobressai da vegetação. Um olho da mesma cor destaca-se num pescoço azulado.

 

 

 

Sempre extremamente cautelosa, uma muitíssimo secreta franga-d´água (Rallus aquaticus) mostra-se finalmente por completo.

Durante alguns segundos continuo a apreciá-la enquanto ela se alimenta. Quando atinge a água livre de plantas, nada na direcção da minha margem, tudo no mais completo silêncio.

Pouco depois deixo de a ver. No caderno de campo fica o primeiro registo de uma das mais discretas aves da nossa fauna.

 

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