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Abelha melífera, numa flor de cerejeira. Foto: Anabela Nave

Guardiões das Flores: A apicultura e a importância da abelha melífera

09.07.2025

Qual é o valor da abelha-do-mel e da atividade económica que dela depende? E o que sabem os cientistas sobre este polinizador? Conheça as respostas nesta crónica da série “Guardiões das Flores”, uma parceria entre a Wilder e o projeto PolinizAÇÃO.

Entre as mais de 20.000 espécies de abelhas que existem no mundo, uma captou a atenção do ser humano há mais de 9000 anos: a abelha melífera, também conhecida por abelha-do-mel. 

Com o nome científico Apis mellifera, esta abelha é uma espécie social que, em regiões como a Europa, é gerida pelo ser humano. Pertence à ordem Hymenoptera e à família Apidae. Nativa da Europa, África e sudoeste da Ásia, está amplamente distribuída por todo o mundo devido ao seu valor económico, em particular pela produção de mel. Mas o seu papel vai para além disso: ao valor económico junta-se o enorme valor ambiental devido ao seu excelente desempenho como polinizadora, tanto de culturas agrícolas como da flora silvestre.

Distribuição natural da Apis mellifera. Imagem: Nuno Farinha

A Península Ibérica tem a sua própria subespécie, Apis mellifera iberiensis, que evoluiu para se adaptar à nossa região e que, por isso, é diferente das restantes abelhas melíferas. Podemos reconhecê-la pelas suas características morfológicas específicas, como a coloração mais negra, mas também pelo comportamento defensivo mais exacerbado, quando comparado com outras subespécies.

A organização da colmeia

A abelha melífera é uma espécie social com várias particularidades, como o facto de apresentar indivíduos com morfologia e funções distintas (castas): os do sexo masculino (zangãos) e os do sexo feminino, que se dividem em rainha e obreiras. Os zangãos são indivíduos haploides originados de ovos não fecundados. As fêmeas são diploides, tendo origem em ovos fecundados. A  diferença morfo-fisiológica nas fêmeas resulta da dieta durante a fase larvar: larvas provenientes de ovos fecundados são alimentadas com mel e pólen, dando origem a obreiras, enquanto que as futuras rainhas são alimentadas exclusivamente com geleia real, uma substância nutritiva produzida pelas obreiras.

Enquanto as obreiras realizam todas as tarefas da colónia, a rainha assegura a reprodução, através da postura de ovos. Já os zangãos fecundam as rainhas virgens. Durante o voo nupcial, a futura rainha acasala com vários zangãos em pleno voo, e estes morrem logo de seguida.

As castas da abelha melífera: rainha e obreiras (sexo feminino) e zangão (sexo masculino). Fotos: Luís Moreira 

Às obreiras cabe assegurar várias tarefas, de acordo com a sua idade. As mais jovens são responsáveis pela limpeza de toda a colónia. Mais tarde são amas, cuidando da criação, alimentando as larvas. De seguida passam a construtoras de favos e depois a guardiãs, defendendo a colónia. As mais velhas dedicam-se ao pastoreio, saindo da colmeia para recolherem néctar e pólen, os quais serão transformados em mel e pão de abelha (mistura fermentada de pólen) e armazenados nos favos existentes na colmeia. Adicionalmente recolhem resinas e água, que utilizam no dia a dia.

A apicultura em Portugal

A atividade apícola está solidamente implantada em todas as regiões de Portugal. É uma atividade económica que providencia rendimentos e, dessa forma, fixa populações nos territórios rurais. Além disso, está associada a impactos ambientais positivos por contribuir para a manutenção e preservação dos ecossistemas, através da polinização. Ou seja, ser apicultor é um exemplo de emprego verde. 

Em Portugal, existem atualmente 12.363 apicultores, os quais detêm 753.124 colmeias. A produção anual de mel varia consoante as condições climáticas e do solo.

Dados económicos da atividade apícola. Imagem: João Casaca

A relevância da apicultura não se restringe apenas ao mel. Na verdade, muitos outros produtos úteis podem ser obtidos: pólen apícola, cera de abelha, geleia real, própolis e apitoxina (veneno). 

Os produtos da apicultura. Imagem: Paulo Jesus Carvalho

Mas o maior contributo da abelha melífera vem do seu trabalho diário fora da colmeia, visitando flores de forma metódica e incansável. Algo invisível, que não pode ser medido nem pesado, algo que dificilmente é avaliado, e muitas vezes menosprezado: a polinização das plantas!

O serviço de polinização proporcionado pela apicultura

A polinização é um processo vital para a sobrevivência das plantas, fundamental para a manutenção dos ecossistemas e para a agricultura, pelo que é crítico para a segurança alimentar da espécie humana, sendo a abelha melífera uma das principais espécies envolvidas na polinização.

Quando as abelhas melíferas encontram um local com disponibilidade de recursos, ao regressar à colmeia comunicam a sua localização. Fazem-no através de uma dança, na qual a abelha abana o abdómen rapidamente enquanto se desloca numa determinada direção. A abelha repete este movimento várias vezes, e as vibrações causadas pela dança são captadas pelas outras abelhas. O tempo que a abelha demora nesta fase indica a distância a que se encontra o recurso, enquanto a direção da dança indica o ângulo do recurso em relação à posição do sol. Após receberem esta informação, as outras abelhas saem da colmeia e vão visitar o local. 

Pormenor e esquema da dança das abelhas. Imagem: Nuno Capela

Acresce que as abelhas melíferas optam por visitar flores da mesma espécie. Ao visitarem uma flor, aprendem a retirar o néctar e/ou o pólen, capitalizando esse conhecimento. Este comportamento, juntamente com o recrutamento das restantes obreiras para esse recurso, faz com que a abelha melífera seja um excelente polinizador, promovendo a tão importante polinização cruzada.

Colmeias de abelhas melíferas em pomar. Foto: Anabela Nave

É de salientar o significativo benefício da polinização por abelhas melíferas para árvores de fruto como as amendoeiras, cerejeiras, macieiras, pereiras e pessegueiros, bem como para plantas forrageiras (trevos) e oleaginosas (girassol e colza), entre muitas outras plantas e culturas. Além de aumentar a produtividade das culturas, melhora a qualidade de frutos e legumes, com um melhor formato, maior calibre, homogeneidade da cor e do teor de açúcares ou o rendimento na extração de óleos. 

Para alcançar uma boa polinização, o número de colmeias a introduzir nos pomares varia de 1 a 15 colmeias por hectare, de acordo com a cultura-alvo. Na maioria dos casos, as colmeias são propositadamente deslocadas para o serviço de polinização, retornando ao local de origem quando termina o período de floração da cultura. Os atuais investimentos feitos em Portugal em pomares de amendoeira e abacateiro, por exemplo, estão a aumentar a procura pelos serviços de polinização proporcionados pelos apicultores.

Abelhas melíferas em flores de várias fruteiras. Fotos: Anabela Nave

O serviço para o ecossistema

O serviço de polinização proporcionado pelas abelhas melíferas não se resume às culturas agrícolas. Se pensarmos que a maior parte do mel produzido em Portugal tem origem em néctares de plantas silvestres autóctones, como o rosmaninho, o alecrim ou as urzes, facilmente entendemos a importância das abelhas para a manutenção das populações dessas plantas.

Num contexto de alterações climáticas e de dependência do uso de fitofármacos para o sucesso da maioria das culturas agrícolas, as populações de insetos polinizadores estão ameaçadas.

Apiário para produção de mel em área não agrícola de floresta autóctone. Estas plantas são também polinizadas pela abelha melífera. Foto: Luís Moreira

Sendo consensual que o desaparecimento da atividade apícola e, consequentemente, da “força” polinizadora da abelha melífera, compromete uma boa parte do serviço de polinização, é compreensível o enorme relevo da apicultura para a sustentabilidade dos ecossistemas naturais e humanizados. Sem apicultura é mais difícil (senão impossível) manter saudável o património agrícola, ambiental e paisagístico do país.


Anabela Nave é engenheira agrícola e trabalha como investigadora no INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária. Nesta crónica colaboraram ainda como autores Ana Eugénio, João Casaca e Nuno Capela, também investigadores. Carolina Caetano, da Universidade de Coimbra, assegurou a revisão do artigo.

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