Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ

Estes são os três maiores desafios para a recuperação do lince-ibérico

26.03.2025

A batalha pela recuperação do lince-ibérico está longe de estar ganha, apesar de os esforços de conservação estarem a dar frutos. Os responsáveis pela reintrodução em Portugal lembram os três maiores desafios.

Pelo menos 354 linces viviam, em 2024, em Portugal, numa área de 943 quilómetros quadrados. Dentro de cerca de um mês estes valores serão actualizados, no âmbito do censo que é feito todos os anos em Portugal e em Espanha.

Foto: Programa de Conservação Ex-situ/Arquivo

Isto significa que o lince-ibérico caminha na direcção de um objectivo muito claro: conseguir ser uma espécie com estatuto de conservação favorável até 2035.

Mas este esforço conservacionista, que o tirou de Criticamente Em Perigo de Extinção em 2015, ainda não acabou. Neste momento, há três grandes desafios para resolver.

Um deles é o atropelamento de animais. Este ano, e até 20 de Março, já se registaram quatro atropelamentos de linces-ibéricos em Portugal. Segundo João Alves, coordenador do programa de reintrodução do lince-ibérico, e Pedro Sarmento, coordenador e responsável técnico do programa in situ para a espécie, o atropelamento é um dos maiores desafios actuais à conservação do lince-ibérico.

Os quatro casos de atropelamento ocorreram fora das áreas previamente identificadas como pontos negros, nomeadamente no IP8, em Serpa, e no IC27, em Alcoutim.

“Dois dos atropelamentos ocorreram na A22, uma via que já dispõe de barreiras destinadas a impedir a passagem de fauna. No entanto, devido à elevada capacidade dos linces para ultrapassar obstáculos, estas infraestruturas têm-se revelado pouco eficazes”, explicaram estes técnicos do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) à Wilder.

Os outros dois atropelamentos verificaram-se em estradas secundárias com reduzido volume de tráfego.

A implementação de medidas para a proteção da fauna nas infraestruturas rodoviárias está a cargo da Infraestruturas de Portugal, I.P., entidade parceira do projeto LIFE Lynxconnect.

“Inicialmente, foram identificados três pontos negros, dos quais um foi corrigido através da instalação, pela Infraestruturas de Portugal, I.P., sob orientação do ICNF, de uma barreira específica para impedir a travessia dos linces, conduzindo-os para passagens inferiores. Desde 2020, não se registaram novos atropelamentos nesse local (EN122)”, acrescentaram.

Ao longo dos anos têm sido desenvolvidos vários mecanismos de dissuasão, incluindo sistemas sonoros e barreiras electroprotetoras, com o objetivo de reduzir a mortalidade do lince-ibérico por atropelamento.

Para estes dois especialistas, “é fundamental continuar a atuar na redução da mortalidade por atropelamento. Para tal, importa recorrer a tecnologias emergentes, como a marcação de exemplares com emissores LoRaWAN integrados na aplicação Waze, uma abordagem já testada experimentalmente, em articulação com a Infraestruturas de Portugal, I.P. Simultaneamente, devem ser desenvolvidos e aperfeiçoados mecanismos que promovam a travessia segura das vias rodoviárias pelos linces, incluindo sistemas de dissuasão que direcionem os animais para passagens específicas, conforme já vem sendo implementado”.

Outro “desafio prioritário” é a mitigação de potenciais conflitos com as comunidades locais, particularmente no que se refere à predação de animais domésticos, como galinhas.

“Embora relativamente pouco frequentes, os ataques a animais domésticos têm vindo a aumentar à medida que a população de lince-ibérico se expande em abundância e em área de distribuição.”

As autoridades têm feito a avaliação dos prejuízos e a recolha de amostras para análise genética mas também têm instalado câmaras automáticas para monitorização, reforçado as estruturas de contenção dos animais domésticos (nomeadamente galinheiros) e, quando necessário, a instalar vedações elétricas.

“A introdução dessas barreiras tem-se mostrado eficaz na maioria dos casos, mitigando novos episódios de predação. No entanto, a resposta rápida é crucial para evitar o desenvolvimento de um comportamento de ‘aprendizagem associativa reforçada’, um mecanismo pelo qual um animal que obtém alimento com sucesso num determinado local tende a regressar sistematicamente a esse mesmo local”, explicaram os dois responsáveis.

No caso do lince-ibérico, “a repetição de ataques a um mesmo local pode ser explicada pela eficiência energética da predação em ambientes onde as presas são vulneráveis e de fácil captura, como galinheiros e currais com falhas estruturais. Assim, a demora na implementação de medidas corretivas pode consolidar esse comportamento, tornando a predação de animais domésticos um hábito persistente”.

Além das vedações eléctricas, “pode ser necessário associar estímulos negativos adicionais, como dispositivos sonoros ou iluminação sensível ao movimento, para reforçar a aversão ao local”.

Outra necessidade é a criação de um quadro legislativo específico que assegure a compensação dos proprietários afetados.

Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ do Lince-Ibérico

O terceiro desafio é aumentar a área de distribuição do lince-ibérico em Portugal e em Espanha. O objectivo é “garantir a criação de novos núcleos populacionais viáveis e a sua conectividade, de forma a assegurar a troca genética entre populações”.

“No caso específico de Portugal, torna-se essencial a ampliação da área ocupada pela população já existente, uma vez que ainda existem extensões territoriais com características ecológicas favoráveis à espécie. Paralelamente, é crucial a definição e implementação de uma nova área de reintrodução em território nacional, com o objetivo de reforçar a viabilidade da espécie a longo prazo.”

Até ao final do projeto LIFE Lynxconnect deverá ser escolhida uma nova área de reintrodução em Portugal. “Apesar de várias áreas terem sido já avaliadas – incluindo a Serra da Malcata, a Serra do Caldeirão e Monfurado -, os atuais níveis populacionais de coelho-bravo, principal presa do lince-ibérico, não permitem, por enquanto, a seleção dessas regiões como potenciais locais de reintrodução ou expansão da espécie”, notaram os responsáveis.

Até ao final do projeto LIFE Lynxconnect, serão feitas avaliações em outras áreas, com base em critérios ecológicos e de viabilidade populacional da presa base.

Ainda assim, no âmbito deste projeto foi definida uma área de “stepping stone” em Vale de Perditos, localizada sobre o rio Chança, no concelho de Serpa, junto à fronteira entre Portugal e a Andaluzia. Estas áreas de “stepping stone” servem para ligar as populações maiores, podendo mesmo fornecer linces para outros núcleos populacionais.

“Embora tenham sido libertados dois exemplares neste local e a área apresente um elevado potencial para a presença de lince-ibérico, nomeadamente devido às densidades significativas de coelho-bravo, não foi registada reprodução até ao momento, verificando-se apenas a presença irregular de indivíduos em dispersão. No entanto, face às condições existentes, prevê-se que, a curto prazo, a espécie possa vir a estabelecer-se na região, mesmo na ausência de novas libertações.”

Já na zona de expansão natural da população, abrangendo os concelhos de Alcoutim e Castro Marim, “foram libertados seis exemplares, tendo-se registado uma notável expansão da espécie para sul, com ocupação da área adjacente à barragem de Odeleite e aproximação à zona urbana de Castro Marim”. Este ano foi confirmada a presença neste núcleo do lince Trigo, que nasceu em meio selvagem na população de Doñana. “Este registo representa o quarto caso documentado de dispersão bem-sucedida dessa população para território português.”

Este ano termina o projeto Lynxconnect, que começou em Setembro de 2020. No entanto, os responsáveis indicaram que este “poderá ser prolongado em seis meses, até março de 2026”.

A conservação da espécie está enquadrada pelo Plano de Acção para a Conservação do Lince-Ibérico (PACLIP) que foi aprovado em 2015 e cuja vigência terminou em 2020. Segundo o ICNF, de momento “mantém-se em vigor o PACLIP aprovado em 2015”. O Plano de Acção 2024-2030 estava em revisão no ano passado.

“O orçamento do Fundo Ambiental para o ano de 2025 prevê na rubrica “Proteção e conservação da natureza e da biodiversidade” o apoio aos planos de conservação de lince”, lembraram ainda.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

Don't Miss