Intrigado pelas plantas de funcho diferentes que observava, Guilherme Ramos procurou a ajuda de botânicos e confirmou que se tratava de uma espécie nova para o país. Este funcho está a ser alvo de um desafio de ciência cidadã lançado pela Sociedade Portuguesa de Botânica.
A primeira vez que Guilherme Ramos reparou naquelas plantas de funcho, em 2019, estava na zona de Silveira, perto de Torres Vedras. Achou-as “estranhas e diferentes do funcho-comum”, contou à Wilder este estudante de 20 anos, mas como não sabia do que se tratava, não pensou mais no assunto.
Só no ano passado, quando na plataforma iNaturalist deparou com informações sobre as características do funcho-limão – uma nova planta descrita por cientistas apenas em 2015, em Espanha – é que relacionou essa espécie com os misteriosos funchos que tinha observado há anos atrás. E que continuou aliás a encontrar. “Na mesma zona, voltei a vê-los em Julho”, recorda Guilherme Ramos, que está a terminar o último ano do Secundário numa escola de Lisboa, na área de informática.
Se a história tivesse ficado por aqui, talvez este funcho continuasse ignorado em Portugal por mais alguns anos, mas em Agosto passado, Guilherme voltou a ser surpreendido num local completamente inesperado: o parque florestal de Monsanto, em Lisboa. “Estava a passear num prado, numa zona de basaltos e calcários, quando olhei para o lado e reparei que aquelas mesmas plantas estavam ali.”
Foi então que contactou a Sociedade Portuguesa de Botânica e foi encaminhado para Antonio Pujadas, um dos investigadores que em 2015 descreveram pela primeira vez o funcho-limão para a ciência, baptizando-o com o nome científico Foeniculum sanguinium. Depois de trocarem mensagens e de ter analisado as fotografias da planta, o cientista espanhol confirmou que é a mesma espécie.
Ajuda procura-se: quem já viu (e fotografou) esta planta
Mas o que tem de diferente este funcho-limão? Para começar, este endemismo ibero-magrebino, assim chamado por existir apenas no Norte de África e na Península Ibérica, tem as suas pequenas flores em tons laranja e avermelhados, por isso diferentes das flores amarelas do funcho comum, descreve um desafio botânico de ciência cidadã lançado na plataforma iNaturalist.
A segunda diferença do funcho-limão está relacionada com o número de flores que compõem as suas umbelas, como os botânicos chamam aos conjuntos de flores na mesma planta (inflorescências) cujo formato faz lembrar um guarda-chuva. No caso do funcho-limão, há menos raios e flores por umbela do que no funcho mais comum, e o primeiro atinge também uma menor altura.
Guilherme Ramos acrescenta que tem observado por diversas vezes o funcho-limão perto do funcho comum, mas que o primeiro dos dois parece gostar mais de prados que não foram muito mexidos. Já o funcho comum surge também em zonas onde os solos foram mais remexidos.
Registos novos em Portugal surpreendem
João Farminhão, da Sociedade Portuguesa de Botânica, que está a coordenar o desafio botânico, nota que o funcho-limão é “extremamente fácil de identificar e localmente abundante”, mas como só foi reconhecido no território português em Agosto passado, é necessária ajuda para os investigadores descobrirem onde está presente.
O desafio, lançado em Outubro, obteve até agora uma “boa adesão”: 37 registos de 18 observadores e ainda 13 identificadores. Estes últimos, dentro da plataforma iNaturalist, ajudam a confirmar que as imagens recebidas são mesmo desta nova espécie.
“Os resultados sugerem que a espécie apenas ocorre a norte do Tejo, entre Lisboa e a Mealhada”, explica João Farminhão, que aponta para três resultados novos e interessantes que já foram possíveis graças ao desafio: a planta foi detectada pela primeira vez na Serra de Sicó, situada na Beira Litoral, e foi vista em flor ainda no início de Janeiro, no Dia de Reis, quando até aqui se pensava que a floração ocorria apenas de Julho a Novembro. Em terceiro lugar, “foi interessante também descobrir que o funcho-limão é uma espécie hospedeira das lagartas da borboleta-cauda-de-andorinha (Papilio machaon).”
“É importante chegarmos a mais observadores e registos”, apela este botânico.
Agora é a sua vez.
“Existirá também em Sicó-Alvaiázare? Nos calcários de Cantanhede? Quem sabe a sul do Tejo? Já o procurou na Arrábida ou até, quem sabe no Barrocal?”, pergunta o desafio botânico dedicado a esta nova espécie, lançado na plataforma iNaturalist. Se encontrar ou já se tiver deparado com uma planta semelhante, coloque aqui as suas imagens e contribua para o mapeamento da distribuição do funcho-limão em Portugal.
Outra diferença a que poderá estar atento: o funcho comum é também conhecido pelo nome de erva-doce, sendo as suas sementes de sabor único muito utilizadas na gastronomia. Já o funcho-limão, como indica o seu nome, tem sabor a limão.