A proposta preliminar do governo prevê instalar eólicas offshore em Zonas de Protecção Especial para Aves (ZPE), como Sintra-Cascais e Ericeira (ilhas Berlengas), e não salvaguarda a biodiversidade marinha, alertou hoje a SPEA.
Termina hoje a consulta pública à localização das áreas de implantação das eólicas offshore na costa continental portuguesa.
A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) está seriamente preocupada com as propostas preliminares e acusa o Governo de não considerar a biodiversidade, nomeadamente as aves, para garantir a seleção de áreas menos sensíveis para a implantação da energia eólica.
“É imperativo mitigar a crise climática, mas a crise climática anda de mão dada com a crise da biodiversidade”, lembrou, em comunicado, Joana Andrade, coordenadora do Departamento de Conservação Marinha da SPEA. “Se instalarmos turbinas eólicas em áreas onde elas põem em risco a fauna marinha, isso não é sustentabilidade.”
No seu entender, “é necessário um planeamento estratégico da energia eólica offshore, fundamentado na ciência, para garantir que temos uma transição energética amiga do ambiente.”
A proposta do governo inclui propostas de implementação de estruturas eólicas em áreas classificadas como Zonas de Proteção Especial (ZPE), importantes para a avifauna.
Um exemplo é a ZPE do Cabo Raso, onde “a área proposta (Sintra-Cascais) se sobrepõe completamente com a área da ZPE – uma área onde se concentram milhares de aves, sobretudo durante os períodos de migração”.
A proposta inclui ainda áreas para implantação imediatamente adjacentes a outras ZPE, “o que irá comprometer as espécies protegidas que usam essas áreas, por exemplo como área de alimentação ou passagem”. Este é o caso da área proposta da Ericeira, adjacente à ZPE Ilhas Berlengas, onde nidifica a única população continental de cagarra.
“Instalar eólicas em áreas importantes para as aves e nas áreas circundantes é pôr em risco as espécies que essas áreas deveriam proteger. Para evitar as áreas ocupadas por um parque eólico, as aves poderão ter de se desviar das suas rotas habituais. Isso pode implicar gastar mais tempo e conseguir menos alimento para as crias ou despender energia que não se podem dar ao luxo de desperdiçar quando têm viagens de milhares de quilómetros pela frente”, acrescentou Joana Andrade.
“Se estiverem mal localizadas, as eólicas offshore porão em risco não só aves como a cagarra, que nidificam no nosso território, mas também as muitas centenas de milhares de aves que, anualmente, percorrem a costa portuguesa durante o período de migração – nalguns casos, praticamente toda a população mundial passa ao largo da nossa costa.”
A costa portuguesa é, por exemplo, a zona de passagem migratória mais importante do mundo para a pardela-balear, a ave marinha mais ameaçada da Europa. “Na maior parte da costa portuguesa, as pardelas-baleares tendem a concentrar-se nas milhas mais próximas da costa, havendo também áreas de concentração importantes já identificadas, como a ZPE de Aveiro-Nazaré ou a ZPE do Cabo Raso. A proposta de áreas de implantação de eólicas nestas áreas é inaceitável, se queremos garantir a conservação destas espécies ameaçadas”, diz Joana Andrade.
“Evitar o planeamento de áreas para eólicas muito perto da costa, como Matosinhos, é também um aspeto chave, que ajudaria a salvaguardar a conservação da pardela-balear e de muitas outras espécies de aves marinhas, evitando também conflitos de interesse com outras atividades”, realça.
A energia renovável é necessária para alcançar as metas com que Portugal se comprometeu e para mitigar a crise climática. No entanto, para a transição energética ser verdadeiramente sustentável, estruturas como turbinas eólicas têm de ser implementadas em áreas onde provoquem o menor impacto ambiental.
No caso das eólicas offshore e das aves, é fundamental produzir mapas de sensibilidade, tendo em consideração a vulnerabilidade das várias espécies ao impacto das turbinas, o estado das populações e estatuto de conservação, assim como a sua abundância e distribuição no mar, e assim identificar as áreas mais sensíveis e evitar instalar aí as eólicas. “Ainda vamos a tempo de definir localizações onde implementar eólicas offshore não seja um tiro no pé, em termos ambientais. Na SPEA estamos disponíveis para colaborar neste processo, que continuaremos a acompanhar com atenção”, acrescenta Joana Andrade.