Na nova série “Abra espaço para a natureza”, Carine Azevedo vai responder às dúvidas que todos temos quando pensamos no que fazer para um mundo mais natural, à nossa porta. Seja no jardim, num bosque ou mesmo numa floreira.
Um jardim, por muito pequeno que seja, é um verdadeiro ecossistema. É muito mais do que plantas, é um sistema estável, equilibrado, onde inúmeros organismos vivos interagem com o ambiente em que vivem.
Os jardins constituem importantes recursos naturais de regulação climática, amortecem o ruído e filtram agentes de poluição atmosférica. Contêm perfumes, cores e texturas, flores e frutos que alegram e atraem pássaros, borboletas e outros insetos. Há ar, luz e calor.
Um jardim é muito mais do que plantas, é biodiversidade. Pensar em ter um, na realidade, deveria ser visto como o restabelecer da relação dos humanos com a natureza, e ir muito além do aspeto ornamental.
Quando planeio um destes espaços, tento sempre que possível responder a todos esses aspetos e por isso valorizo o uso das plantas nativas, embora não coloque totalmente de parte o uso de espécies exóticas. Mas qual é a diferença entre as plantas nativas e as plantas exóticas?
O que são plantas nativas?
As plantas nativas, autóctones ou silvestres, são todas as espécies de plantas que, por ocorrerem naturalmente numa determinada área ou ecossistema, estão adaptadas às condições edafo-climáticas e biogeográficas desse local.
Estas plantas fazem parte de ecossistemas complexos e demoraram milhões de anos a desenvolver relações com outras espécies, vegetais e animais, com as quais são capazes de viver em equilíbrio. É impressionante a quantidade de espécies nativas, cheias de cores e aromas, que nos rodeiam e que muitas vezes desvalorizamos.
O sobreiro (Quercus suber), o pilriteiro (Crataegus monogyna), a murta (Myrtus communis), a esteva (Cistus ladanifer), o rosmaninho (Lavandula stoechas), o pinheiro-bravo (Pinus pinaster), a erva-cidreira (Melissa officinalis), a campainha-amarela (Narcissus bulbocodium), o azevinho (Ilex aquifolium), o teixo (Taxus baccata) são algumas das plantas nativas que podemos encontrar um pouco por todo o território continental.
Muitas destas plantas têm uma relação muito próxima com a vida selvagem, já que garantem a biodiversidade local e proporcionam um habitat sustentável para a fauna mais diversa. São excelentes locais de abrigo, proteção, nidificação e alimento.
Por outro lado, essas plantas ajudam a estabelecer condições mais favoráveis ao meio ambiente, já que estão perfeitamente adaptadas às variações físicas e climáticas que ocorrem na região natural.
No entanto, as alterações climáticas, os incêndios e o crescimento urbano, entre outros, têm levado ao desaparecimento de muitas das áreas ocupadas por espécies nativas, reduzindo igualmente a biodiversidade e afetando o equilíbrio ecológico desses ecossistemas.
O que são plantas exóticas?
As plantas exóticas, introduzidas ou alóctones, como também são conhecidas, são todas as plantas que foram deslocadas da sua área de distribuição natural e introduzidas num novo local, onde se viram forçadas a adaptarem-se às novas condições ambientais.
De modo geral, estas plantas foram introduzidas fora da sua área de distribuição natural pela sua importância em diferentes áreas:
– na alimentação humana, como é o caso do milho (Zea mays), da batata (Solanum tuberosum) e do tomate (Solanum lycopersicum);
– na produção florestal, como acontece com o carvalho-americano (Quercus rubra) e o abeto-de-douglas (Pseudotsuga menziesii)
– na ornamentação, como acontece com o jacarandá (Jacaranda mimosifolia), a estrelícia (Strelitzia reginae), a magnólia (Magnolia x soulangeana), a camélia (Camellia japonica), as tulipas (Tulipa spp.), entre outras.
Muitas destas espécies exóticas coexistem com as espécies nativas de forma equilibrada, no entanto, muitas delas podem não se estabelecer bem nos lugares onde são introduzidas, uma vez que as condições do novo habitat não sejam favoráveis ao seu crescimento e desenvolvimento.
Crescer em condições edafo-climáticas adversas conduz a um esforço enorme por parte da planta e pode ter como consequência o seu desenvolvimento atrofiado, a ausência de flores, a frutificação tardia, a má-formação dos frutos, ou até levar à sua morte.
Por outro lado, muitas espécies exóticas podem representar uma grande ameaça à biodiversidade, uma vez que se podem desenvolver muito rapidamente e escapam assim ao controlo da mão humana. As plantas exóticas invasoras, como são conhecidas, conseguem superar barreiras bióticas e abióticas, causadas por outros seres vivos ou pelas características de um local. Dessa forma, mantêm populações estáveis e colocam em risco a flora nativa.
Algumas das plantas exóticas invasoras mais preocupantes no nosso país são a mimosa (Acacia dealbata), a austrália (Acacia melanoxylon), a acácia-de-espigas (Acacia longifolia), a erva-das-pampas (Cortaderia selloana) e o jacinto-de-água (Eichhornia crassipes).
O que escolher
Atualmente, muitos jardins urbanos ou residenciais são compostos essencialmente por espécies exóticas. As flores exuberantes, os aromas, as cores e a textura das folhas, e ainda os caules que por vezes exibem contornos estranhos em muitas dessas espécies, levaram a que fossem opção durante séculos para adornar os espaços verdes. No entanto, muitas são mais exigentes no cultivo.
Fará sentido apostar apenas neste tipo de plantas?
Por outro lado, as plantas nativas, embora na sua maioria não sejam tão exuberantes nas cores e formas, oferecem melhor desempenho, crescem bem sozinhas, requerem menos manutenção, têm menores exigências em rega/água e requerem menos fertilizantes ou outro tipo de produtos químicos.
Não serão as plantas nativas uma excelente solução, numa altura em que nos debatemos com as alterações climáticas, para evitar o consumo exagerado de água, fertilizantes e outros químicos? Os jardins e as plantas não devem ser usados apenas pela sua beleza.
Parece-me que o uso equilibrado das plantas exóticas com as plantas nativas terá grandes vantagem em termos estéticos e como forma de garantir a manutenção da biodiversidade, o equilíbrio ecológico dos ecossistemas e o bem-estar de quem os visita.
As plantas, sejam nativas ou exóticas, são importantes na conservação da qualidade do ar e do solo. Absorvem uma importante quantidade de dióxido de carbono e assim proporcionam uma maior qualidade do ar. Por outro lado, contribuem diretamente para a qualidade do solo, fertilizando-o com matéria orgânica, sem contar que as suas raízes impedem a compactação dos terrenos e ainda a sua erosão.
As plantas são perfeitas para criar ambientes harmoniosos de efeito visual mais agradável, assumem um protagonismo indiscutível e simultaneamente definem e qualificam os espaços. Exemplares harmoniosos e bem conformados fazem sobressair as cores e as características particulares de cada uma das espécies e enobrecem o espaço natural.
Para tal, é fundamental um planeamento cuidado e criterioso, de forma a permitir que cada espaço cumpra o objetivo para que foi pensado.
Todas as semanas, durante mais de dois anos, Carine Azevedo deu-lhe a conhecer novas plantas para descobrir em Portugal. Encontre aqui todos os artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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