Foto: Vicente/Biodiversity4All

O que procurar no Verão: as flores das esporas-bravas

Início

Carine Azevedo dá-nos a conhecer uma planta delicada, que até ao final da estação mais quente do ano exibe as suas flores invulgares de rara beleza.

As flores das esporas-bravas (Linaria triornithophora) fazem lembrar pequenos pássaros violeta. Há até quem sugira que se parecem com periquitos. A etimologia do nome científico desta planta encantadora deve-se a essa semelhança. 

O nome do género Linaria deriva do grego Línon e do latim Linum, que significa linho, devido à semelhança dos caules e das folhas destas plantas.

Foto: Rafael Medina/Biodiversity4All

O restritivo específico triornithophora refere-se ao aspeto das flores. Deriva do grego antigo e da combinação de três termos: tri = três + ornis = pássaro + phoros = cabeça, ou seja, semelhante a três pássaros em volta de um ramo, daí ser também conhecida como passarinhos. Os ingleses nomeiam-na como “three birds flying”, em português “três pássaros a voar”. Já os espanhóis chamam-lhe “pajaritos”, “conejitos” e “gallos”, respetivamente passarinhos, coelhinhos e galos.

Plantaginaceae

A esporas-bravas é uma espécie da família Plantaginaceae, que segundo o “Plants of the World Online”, do Royal Botanic Gardens, Kew, compreende 106 géneros botânicos e pouco mais de duas mil espécies, maioritariamente plantas herbáceas.

Em Portugal, esta família está representada por 15 géneros botânicos e perto de uma centena de espécies, das quais algumas bem conhecidas: a boca-de-lobo (Antirrhinum majus subsp. linkianum), a dedaleira (Digitalis purpurea) e a tanchagem (Plantago major subsp. intermedia).

O género Linaria é um dos mais representativos da família Plantaginaceae, com aproximadamente 180 espécies distribuídas por toda a Europa, Ásia, Ilhas Canárias e norte de África.

Em Portugal ocorrem 23 taxa, alguns dos quais constam da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, que sinaliza as espécies ameaçadas de extinção em Portugal Continental.

Algumas destas espécies são endémicas de Portugal Continental, ou seja, exclusivas no nosso país, não existindo em qualquer outra parte do mundo. É o caso das seguintes:

Linaria algarviana. Foto: Miguel Porto/Flora-On
  • L. amethystea subsp. multipunctata, com ocorrência limitada às regiões da Beira Litoral e Estremadura;
  • L. diffusa, presente apenas na Beira Litoral;
  • L. bipunctata subsp. glutinosa, exclusiva da costa sudoeste, classificada como espécie Pouco Preocupante e protegida pela Directiva Habitats (Anexos II e IV) e pela Convenção de Berna (Anexo I);
  • Linária-dos-olivais (L. ricardoi), que ocorre apenas na região do Baixo Alentejo, e está avaliada como espécie Em Perigo segundo as categorias da IUCN. Trata-se de uma espécie com estatuto de conservação prioritária pelos Anexo II e IV da Directiva Habitats e pelo anexo I da Convenção de Berna.
Linária-dos-olivais (Linaria ricardoi). Foto: Cristina Estima Ramalho/Flora-On

As restantes espécies do género que ocorrem em Portugal são maioritariamente endémicas da Península Ibérica, como é o caso das esporas-bravas (L. triornithophora), da linária-de-cor-de-ametista (L. amethystea subsp. amethystea), da L. bipunctata subsp. bipunctata, da L. aeruginea subsp. aeruginea, da linária-dos-pousios (L. hirta), da L. elegans, da L. intricata, da L. oblongifolia subsp. haenseleri, da L. polygalifolia subsp. polygalifolia, da L. polygalifolia subsp. lamarckii, da L. saxatilis e da L. viscosa subsp. viscosa.

Muitas destas plantas ocorrem na faixa litoral, em dunas e areias do litoral e nas fendas de afloramentos rochosos e em locais secos e pedregosos. Algumas encontram-se igualmente protegidas pela Directiva Habitats e classificadas segundo as categorias da IUCN como espécies em risco de extinção.

Esporas-bravas

As esporas-bravas (Linaria triornithophora) são uma planta herbácea, perene, mais ou menos glauca e glabra. Formam caules maioritariamente férteis, erectos, geralmente simples ou ramificados na parte superior, que podem atingir até 130 centímetros de altura.

As folhas surgem dispostas em verticilos, em grupos de três a cinco, são lanceoladas, ovado-lanceoladas ou – raramente – elípticas. São inteiras, sésseis e agudas.

Foto: Carminda Santos/Biodiversity4All

O período de floração é longo, ocorrendo de abril a setembro. As flores são grandes e vistosas, hermafroditas e zigomórficas. Surgem dispostas numa inflorescência terminal, do tipo cacho, de até 50 centímetros de altura.

A corola é formada por cinco pétalas violeta, rosadas ou rosa-purpúreas, soldadas entre si, que formam um tubo cilíndrico, que se abre para o exterior por dois lábios – bilabiada. O lábio superior é erecto com dois lóbulos separados (bilobado), iguais, inteiros e divergentes, e o lábio inferior apresenta três lóbulos (trilobado), também eles iguais e inteiros. 

A flor é complementada por um esporão linear, pontiagudo e ligeiramente encurvado, que se forma na base e que é mais longo que a corola, e um palato amarelo brilhante, ou mais raramente, branco, que adiciona um toque atraente e sofisticado à flor.

Foto: Vicente/Biodiversity4All

O cálice é profundamente dividido, composto por cinco sépalas, mais ou menos iguais, ovado-lanceoladas.

Quanto ao fruto é uma cápsula globosa e achatada, deiscente, composta por três a seis valvas, que encerram sementes de cor castanho-escura.

Habitat

As esporas-bravas são uma espécie endémica da região Noroeste da Península Ibérica.

Em Portugal ocorre no Norte e Centro, nas regiões do Minho, Trás-os-Montes e Beiras, principalmente em locais sombrios, na orla de carvalhais, em matagais e em taludes. Não há registo da sua presença nos Arquipélagos da Madeira e dos Açores.

Esta planta tem preferência por locais expostos ao sol, embora suporte bem a sombra. A nível edáfico a escolha recai para solos ácidos, húmidos e bem drenados, embora seja tolerante a substratos moderadamente secos.

Esta planta delicada, de floração prolongada, de flores invulgares de rara beleza e de folhagem verde-azulada e de textura fina, é sem dúvida uma excelente opção ornamental para qualquer jardim ou espaço verde, nomeadamente em jardins naturais, informais e de baixa manutenção. Pode ser plantada em canteiros com outras espécies floridas, em bordaduras, encostada às paredes ou para delimitar canteiros, em vasos e floreiras.

As esporas-bravas são também boas flores de corte, uma vez que as flores se abrem progressivamente nas hastes florais por um longo período de tempo.

Atrativa para polinizadores

Embora ainda não existam dados aprofundados, sabe-se que o uso de algumas espécies do género Linaria na medicina popular tem atraído a atenção. Estudos recentes apontam para a presença de alcalóides e polifenóis, incluindo flavonoides, em algumas espécies do género, que indiciam que algumas destas plantas possam possuir propriedades terapêuticas antitumorais, anti-acetilcolinesterases, anti-inflamatórias, analgésicas e antioxidantes, para além de atividade antibacteriana.

Das esporas-bravas sabe-se que contêm vasicina, também conhecida como peganina, um alcaloide quinazolina, que funciona como estimulante respiratório e tem um efeito broncodilatador. Também há registo, em Espanha, da sua utilização na antiguidade como laxante e em tratamentos dermatológicos, embora possa apresentar uma leve toxicidade.

Foto: Martiño Cabana Otero/Biodiversity4All

As flores desta planta possuem um esporão cheio de néctar e pólen que atrai abelhas e muitos outros insectos polinizadores, como as borboletas e traças, para além de algumas espécies de pássaros. O florescimento abundante e repetido ao longo do ano fornece uma fonte de alimento constante. A cor contrastante do palato atua como um sinal para que os polinizadores saibam onde devem pousar para aceder ao néctar floral.

Algumas larvas de borboletas e traças também se podem alimentar das folhas, flores e frutos destas plantas.

Planta do ano 2022

As espécies pertencentes ao género Linaria são, por vezes, difíceis de identificar, sendo necessária uma observação cuidadosa das sementes de cada uma das plantas para uma identificação correta.

A Linaria triornithophora distingue-se das outras espécies do género pela dimensão das flores de um tom violeta vibrante, maiores que as das outras espécies, e também pela altura que pode atingir, entre 0,5 a um metro.

Numa iniciativa da Sociedade Portuguesa de Botânica que ocorreu entre janeiro e fevereiro de 2022, com o objetivo de alertar para a perda de biodiversidade dos olivais tradicionais, nomeadamente do Alentejo Interior, a linária-dos-olivais (Linaria ricardoi), espécie Em Perigo de extinção segundo as categorias da IUCN e a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, foi eleita a Planta do ano 2022.

Desta forma pretende-se ajudar a proteger esta e outras espécies, que muito têm sofrido devido à alteração do uso do solo, pondo em risco a conservação destes ecossistemas.

A linária-dos-olivais (Linaria. ricardoi) floresceu entre fevereiro e maio, mas as esporas-bravas (Linaria triornithophora) estão agora em flor e assim se vão manter durante todo o verão. Procure esta planta atraente, de flores violeta, às vezes rosa, que se parece com pequenos pássaros.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Endémica – espécie nativa de uma região, com uma distribuição muito restrita.

Herbácea – planta de consistência não lenhosa e verde.

Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.

Glauca – de cor verde-cinzenta-azulada.

Glabra – sem pêlos.

Verticilo – nó onde se insere um conjunto de órgão idênticos (ex. ramos, folhas, etc.).

Lanceolada – com forma semelhante a uma lança. 

Ovado-lanceolada – folha com base atenuada, que à medida que chega ao ápice vai ficando com forma oval.

Elíptica – com forma que lembra uma elipse, mais larga no meio e com o comprimento duas vezes a largura.

Séssil – que se insere diretamente pela base, sem intermédio de qualquer suporte. Não tem pecíolo.

Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).

Zigomórfica – flor cuja corola possui apenas um plano de simetria, ou seja, com simetria.

Inflorescência – forma como as flores estão agrupadas numa planta.

Cacho – inflorescência cujas flores com pedicelos se inserem ao longo de um mesmo eixo.

Pedicelo – “pé” que sustenta a flor.

Corola – conjunto das pétalas (peças florais geralmente coloridas).

Bilabiada – corola com segmentos dispostos em duas partes – os lábios – opostas.

Bilobada – dividida em dois lóbulos.

Trilobada – dividida em três lóbulos.

Esporão – prolongamento oco, fechado no extremo inferior, que se encontra na base das pétalas ou das sépalas de algumas flores, e que pode ou não conter néctar.

Palato – saliência do lábio inferior da corola personada (simpétala e bilabiada), a qual encerra a fauce (tubo da corola) por se encostar ao lábio superior.

Simpétala – corola cujas pétalas se encontram unidas (“soldadas”) entre si.

Cálice – conjunto das peças florais de proteção externa da flor – sépalas, frequentemente verdes.

Cápsula – fruto seco, com várias sementes, que abre e deixa as sementes cair quando maduro.

Deiscente – fruto que, quando maduro, se abre naturalmente para libertar as sementes.

Valva – cada uma das peças em que se abrem as cápsulas.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.

Don't Miss