Roseira-brava (Rosa sempervirens). Foto: Josep Gesti/Wiki Commons

O que procurar na Primavera: a roseira-brava

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Carine Azevedo ajuda-nos a conhecer as rosas silvestres de Portugal, plantas de flores singelas particularmente belas, que vale a pena procurar por estes dias.

As rosas são das plantas ornamentais mais cultivadas no mundo.

A diversidade de cores, a beleza e perfeição das flores, os aromas que algumas possuem, são alguns dos motivos que tornaram estas plantas tão procuradas para a decoração de jardins ou como flor de corte para decorar o interior das casas.

E as rosas silvestres? Nunca se questionaram relativamente à beleza e simplicidade das suas flores?

Estas plantas, passam completamente despercebidas aos olhos de quem passa, já que formam densos matagais, ao ponto de serem, muitas vezes, confundidas com as silvas, com as quais, por vezes, partilham o espaço e se entrelaçam. Mas, na verdade, estas plantas de flores singelas, além de particularmente belas, são também importantes para a vida selvagem e possuem propriedades medicinais relevantes.

Perto de minha casa, é a Rosa sempervirens que salpica de branco a berma dos caminhos, por entre o emaranhado verde de outras espécies silvestres, como é o caso da salsaparrilha (Smilax aspera), da ruiva-brava (Rubia peregrina), da hera-atlântica (Hedera hibernica), da silva (Rubus ulmifolius) e do espargo-bravo (Asparagus aphyllus).

Roseira-brava. Foto: H. Brisse

Rosaceae

A Rosa sempervirens, conhecida vulgarmente como roseira-brava ou roseira-brava-de-folha-perene, é uma espécie da família Rosaceae, a que pertencem espécies nativas bem conhecidas, como o pilriteiro (Crataegus monogyna), a cerejeira-brava (Prunus avium), o azereiro (Prunus lusitanica), o abrunheiro-bravo (Prunus spinosa), a macieira-brava (Malus sylvestris), a tramazeira (Sorbus aucuparia), e tantas outras.

Ao género Rosa pertencem pouco mais de 250 espécies perenes, com caules mais ou menos eretos, trepadores ou rasteiros, geralmente providos de acúleos, de várias formas e tamanhos, comumente chamados de espinhos.

As folhas são perenes ou caducas, compostas, com cinco a sete folíolos ovais e de margem serrada. São pecioladas e possuem estípulas herbáceas, que formam uma bainha com aurículas livres na base do pecíolo.

As flores têm um aspeto delicado. Podem ser singelas ou dobradas e das mais variadíssimas cores. Surgem solitárias, mas também podem ocorrer em inflorescências densas e são por vezes perfumadas. Os frutos são pequenos e normalmente vermelhos.

Em Portugal, existem pouco mais de uma dezena de espécies de rosa-silvestres, maioritariamente trepadeiras, com flores singelas, em tons de rosa ou branco.

Destas, destaca-se pela sua raridade a Rosa rubiginosa por estar classificada como espécie Criticamente em Perigo em Portugal Continental, segundo a IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza.

Foto: Alexandre Silva/Flora On

De acordo com a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, esta classificação deve-se à existência apenas de uma localização identificada desta espécie, na região sudoeste da Serra da Estrela, com uma população constituída por menos de 50 indivíduos maduros.

No arquipélago dos Açores não são conhecidas espécies nativas do género Rosa.

Já no arquipélago da Madeira, há registo de duas espécies, sendo uma delas, endémica da ilha da Madeira, a Rosa mandonii.

Rosa mandonii. Foto: Jean-Philippe BASUYAUX/Biodiversity4All

Rosa sempervirens

A roseira-brava (Rosa sempervirens) é um arbusto perenifólio, com ramos trepadores ou procumbentes, raramente eretos, que pode crescer até seis metros de altura.

Os ramos são compridos, delgados, glabros e de cor verde ou avermelhada. Ao longo dos raminhos ocorrem, de forma dispersa, acúleos homogéneos, curvos e retrorsos.

As folhas são persistentes, coriáceas e compostas, com cinco a sete folíolos. Os folíolos têm forma ovado-lanceolada, margens finamente dentadas, acuminados na ponta e arredondados na base, sendo glabros e brilhantes.

Roseira-brava. Foto: Paulo Ventura Araújo/Flora-On

O pecíolo das folhas é geralmente glabro, podendo ocasionalmente apresentar pequenos acúleos muito dispersos. A base do pecíolo é formada por estípulas, que formam uma bainha com aurículas estreitas e divergentes.

A Rosa sempervirens floresce e frutifica entre abril e agosto.

As flores são solitárias ou agrupadas em corimbos – as flores situam-se mais ao menos no mesmo plano, embora os pedúnculos surjam do mesmo eixo a alturas diferentes. São hermafroditas e possuem um diâmetro de 2,5 a cinco centímetros.

A corola é dialipétala e actinomórfica, formada por cinco pétalas brancas arredondadas. O cálice é formado por cinco sépalas livres, verdes, inteiras, caducas e reflexas.

No centro da flor são bem visíveis os carpelos e os estames amarelos.

O fruto é na verdade um pseudofruto, denominado cinórrodo. É ovóide, carnudo, glabro e avermelhado quando maduro.

Ecologia

As roseiras-bravas são aquelas que têm origem espontânea na Natureza, em particular nas zonas climáticas temperadas e subtropicais do Hemisfério Norte.

A Rosa sempervirens é uma espécie nativa de países europeus banhados pelo Mediterrâneo, como Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia, entre outros, e de alguns países do norte de África, como Marrocos, Argélia e Tunísia. Também ocorre naturalmente nas ilhas da Córsega, Sardenha e Sicília.

Em Portugal, ocorre sobretudo no Centro e Sul do território continental, em algumas regiões mais próximas do litoral, como na Beira Litoral, Estremadura e Ribatejo e, possivelmente, também no Douro Litoral e Algarve.

Roseira-brava. Foto: Josep Gesti/Wiki Commons

É comum encontrar esta planta junto aos cursos de água, na berma de caminhos e estradas, em zonas de matagal e na orla de bosques.

A roseira-brava tem preferência por locais muito ensolarados ou com sombra ligeira e, embora seja pouco exigente a nível edáfico suportando qualquer tipo de substrato, elege os solos profundos, frescos, bem drenados e férteis.

Ecologicamente, as flores de Rosa sempervirens são atrativas para inúmeros insectos polinizadores, desde abelhas, moscas, besouros e borboletas, que apoiam no processo de polinização desta planta, embora a autopolinização seja regular.

Já os seus pseudofrutos – cinórrodos – servem de alimento a muitas aves frugívoras e alguns mamíferos, os quais são também agentes dispersores das suas sementes – dispersão endozoocórica.

Pseudofruto da roseira-brava. Foto: H. Brisse/Wiki Commons

Um jardim de rosas

A Rosa sempervirens tende a desaparecer da natureza, já que a intervenção humana frequente tem afetado drasticamente o seu habitat natural. No entanto, esta planta pode e deve ser cultivada em jardins e noutros espaços verdes.

Embora a sua aparência esteja longe das roseiras com floração colorida e exuberante que estamos habituados a encontrar em jardins, a Rosa sempervirens é ideal em sebes espinhosas e informais e para a cobertura de muros ou de estruturas desagradáveis, que se pretendam esconder.

A Rosa sempervirens também possui propriedades terapêuticas relevantes, tais como nutritiva, aperitiva, anti-inflamatória, fortalecedora do sangue e do sistema imunitário, vermífuga, calmante e adstringente.

É desta planta que se obtêm o conhecido “mel-rosado” e o vinagre de rosas. O mel-rosado é utilizado para o tratamento de aftas e dores de garganta e o vinagre de rosas é adstringente e antisséptico.

Segundo a medicina popular, as pétalas são ideias para fazer chá, que além de ser uma fonte de vitamina C é ideal para degustação, devido ao seu sabor agridoce, mas também para o tratamento de menorreia, dismenorreia, gastrite, disenteria e infecções do aparelho urinário.

Roseira-brava. Foto: Paulo Ventura Araújo/Flora-On

Das pétalas pode também fazer-se água de rosas, um produto natural com benefícios para a pele, já que hidrata, purifica, acalma e limpa.

Os cinórrodos (pseudofrutos) são ricos em vitamina C e podem ser utilizados para prevenir ou tratar constipações, gripes e outras infeções de trato respiratório. Também é conhecida a sua utilização como sedativo leve.

Os pseudofrutos também contêm polifenóis, ácidos orgânicos, taninos e pectinas e também podem ser utilizados para fazer xarope, geleia, compotas e gelados.

Como qualquer outra planta, a Rosa sempervirens não deve ser utilizada para fins terapêuticos sem acompanhamento médico.

A rainha das flores

Os mitos e lendas associados à rosa remontam a tempos imemoriais. A rosa é símbolo da beleza e do amor, na arte e na vida.

É apreciada desde a antiguidade, sendo uma das plantas mais populares do mundo, assumindo sempre um papel de destaque importante na arte e nos jardins. É fonte de inspiração para pintores, escultores, poetas, escritores e músicos e protagonista de muitas lendas, mitos, de histórias da literatura e da sabedoria popular.

Em Portugal, a “Lenda das Rosas” da Rainha Santa Isabel é uma das mais conhecidas.

Roseira-brava. Foto: H. Brisse/Wiki Commons

Na literatura destaca-se nas obras de William Shakespeare, em particular na tragédia “Romeu e Julieta”. Também surge no conto de fadas “A Bela e o Monstro” de Gabrielle-Suzanne Barbot e de Jeanne-Marie LePrince de Beaumont e na obra literária de Antoine de Saint-Exupéry, “O Principezinho”.

No cinema a rosa é destaque nos filmes “The Name of the Rose” dirigido por jean-Jacques Annaud, baseado no romance de Umberto Eco, em “American Beauty” dirigido por Sam Mendes e escrito por Alan Ball, em “Citizen Kane”, dirigido e escrito por Orson Welles e em “The Da Vinci Code”, dirigido por Ron Howard e escrito por Akiva Goldsman, com base no homónimo bestseller de Dan Brown, entre outros.

Na mitologia grega e romana também são inúmeras as histórias com estas plantas.

A raiz etimológica do nome binomial Rosa sempervirens deriva do latim. O termo Rosa é o nome em latim antigo para a planta Rosa, que poderá também derivar do grego rous– (rosa) e do celta –rhudd (vermelho) devido à cor das flores, ou ainda derivar de rhódon- que também significa “rosa” – a rainha das flores.

O termo sempervirens vem do latim semper que significa “sempre” e de virens que significa “erva”, em referência a esta planta ser perene e sempre-verde. O seu nome comum, em inglês, deve-se a essa particularidade – evergreen rose.

Curiosamente a Rosa sempervirens é a única espécie nativa em Portugal, do género Rosa, com folhas persistentes ou perenes.

A Rosa sempervirens, assim como todas as rosas-bravas, são plantas silvestres antepassadas de todas as outras espécies, que se desenvolveu livremente na natureza e que deverá ser cuidada e preservada para manter a sua história.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Acúleo – estrutura rígida e pontiaguda, semelhante a um pico, que se forma na superfície do caule, fácil de se destacar.

Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos e/ou que mantém as folhas verdes ao longo de todo o ano, fazendo a sua renovação gradual sem que fique despida.

Caduca – folha que cai espontaneamente na estação do ano mais desfavorável.

Folíolo – cada uma das partes em que o limbo, de uma folha composta ou recomposta, se divide.

Peciolada – provida de pecíolo (pé da folha que liga o limbo ao caule).

Estípula – estrutura semelhante a uma pequena folha, que se encontra na base do pecíolo, geralmente aos pares, uma de cada lado.

Bainha – parte basal e mais ou menos larga de certas folhas, que envolve mais ou menos o eixo.

Aurícula – expansão semelhante à de uma pequena orelha, que se encontra na base de certos órgãos laminares, como folhas, sépalas, etc.

Perenifólio – o mesmo que perene.

Procumbente – prostrado. Estendido sobre o solo.

Glabro – sem pêlos.

Retrorso – acúleo com o ápice voltado para a base do raminho onde se insere.

Persistente – o mesmo que perene.

Coriácea – que tem uma textura semelhante à casca da castanha ou do couro.

Acuminada – folha cuja ponta é geralmente aguda e mais estreita que a restante parte e com os lados ligeiramente côncavos.

Corimbo – inflorescência em que as flores se elevam mais ao menos ao mesmo plano, ainda que os seus “pés” possam ter tamanhos diferentes.

Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).

Corola – conjunto das pétalas (peça floral, geralmente colorida ou branca), que protegem os órgãos reprodutores da planta.

Dialipétala – flor cuja corola é constituída por pétalas inteiramente livres, não ligadas entre si.

Actinomórfica – flor com simetria radial, ou seja a flor pode ser dividida em várias partes iguais.

Cálice – conjunto das peças florais de proteção externa da flor – sépalas, frequentemente verdes.

Reflexa – apresenta inclinação para fora em relação ao eixo onde está inserida.

Carpelo – peça floral fértil que compõe o gineceu (órgão feminino da flor).

Estame – órgão da flor onde se produz o pólen e que compõe o androceu (órgão masculino da flor).

Pseudofruto – falso-fruto.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.

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