Botânica: “orquídea mais feia do mundo” é uma das 156 espécies descritas em 2020

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Durante 2020, cientistas dos Kew Gardens e colaboradores da instituição espalhados pelo mundo descreveram 156 espécies de plantas e fungos. Uma delas é a “orquídea mais feia do mundo”, anunciou o jardim botânico real britânico.

Entre as espécies que a Ciência ficou a conhecer este ano estão algumas com qualidades únicas e com potencial para ajudarem a alimentar o mundo e a criar novos medicamentos.

Contudo, “a triste realidade que enfrentamos não pode ser subestimada”, disse Martin Cheek, botânico dos Kew Gardens e cientista sénior. “Com duas em cada cinco plantas que se acreditam estar ameaçadas de extinção, é uma corrida contra o tempo encontrar, identificar, dar um nome e conservar as plantas antes que desapareçam”.

Aqui ficam 10 das novas espécies descritas durante 2020:

Fungos do Aeroporto de Heathrow:

Cortinarius heatherae. Foto: Andy Overall

Seis novas espécies de cogumelos foram descritas este ano no Reino Unido, incluindo o Cortinarius heatherae, descoberto na fronteira do Aeroporto de Heathrow pelo micólogo Andy Overall, que deu o nome da sua mulher Heather à espécie. Estas seis novas espécies – três descobertas na Escócia e outras três em Inglaterra – pertencem todas ao género Cortinarius. Este género ajuda as plantas a crescer, em especial carvalhos, pinheiros e bétulas. Além disso, este género de cogumelos tem um papel no ciclo de carbono nas florestas, ao providenciar nitrogénio às árvores.

Um estranho arbusto, tolerante a altas temperaturas

Tiganophyton karasense. Foto: Wessel Swanepoel

O botânico Wessel Swanepoel encontrou um estranho arbusto no Sul da Namíbia em 2010. Wessel não conseguiu atribuir este arbusto a nenhum género conhecido. Por isso, pediu ajuda à análise de ADN. Conclusão: este arbusto não é apenas uma nova espécie, mas é sobretudo um género novo e uma nova família: Tiganophyton karasense(Tiganophytaceae). Isto é um acontecimento raro. Se é verdade que são descritas para a Ciência cerca de 2.000 plantas por ano, apenas é descrita uma nova família durante esse mesmo período. Este arbusto bizarro cresce um regiões extremamente quentes e apenas se estima existirem menos de 1.000 plantas em três localizações numa pequena região da Namíbia.

19 novas orquídeas da ilha da Nova Guiné

Bulbophyllum dologlossum

Este ano, o especialista em orquídeas dos Kew Gardens, Andre Schuiteman,  descreveu 19 espécies de orquídeas da Nova Guiné. Para isso teve a ajuda dos colegas Reza Saputra na Indonésia e de Jaap Vermeulen nos Países Baixos. Este foi o resultado de vários anos de trabalho de Schuiteman e dos seus colegas na Indonésia, nas Filipinas, nos Estados Unidos e nos Países Baixos, a fim de descobrir mais sobre as orquídeas da ilha tropical com maior biodiversidade do planeta. As espécies agora descritas pertencem aos géneros Dendrobium e Bulbophyllum.

Duas novas suculentas de Madagáscar

Aloe rakotonasoloi. Foto: Solofo Rakotoarisoa/RBG Kew

As duas novas espécies de Aloe, o género do famoso Aloe vera, foram encontradas e descritas este ano por cientistas dos Kew Gardens a trabalhar em Madagáscar. As espécies de Aloede Madagáscar são encontradas, normalmente, em áreas abertas e solarengas, mas estas duas novas espécies – Aloe vatovavensisAloe rakotonasoloi – foram encontradas numa floresta. A equipa, coordenada por Solofo Rakotoarisoa, descobriu as plantas ainda sem flor. Por isso, levou-as para a capital do país, Antananarivo, para as cultivar. Quando surgiram as flores, as espécies puderam ser confirmadas como novas para a Ciência.

A orquídea mais feia do mundo…

Gastrodia agnicellus. Foto: Rick Burian

A maioria das pessoas pensa nas orquídeas como plantas vistosas, de cores vibrantes e bonitas. Mas a Gastrodia agnicellus, descoberta este ano numa floresta de Madagáscar, é o oposto disso. As flores desta orquídea são pequenas, castanhas e… feias. Depois de a Gastrodia agnicellus ter sido polinizada, os estames crescem, elevando os frutos bem acima do chão da floresta para que as sementes possam ser dispersadas com o vento. A orquídea depende dos fungos para se alimentar e não tem folhas ou qualquer tecido fotossintético.

Mais do que apenas uma cara bonita: novo potencial alimento do Peru

Ipomoea noemana. Foto: Enoc Jara

Por vezes, as espécies apenas agora descritas para a Ciência são, na verdade, bem conhecidas das comunidades locais e usadas há décadas. Simplesmente têm estado invisíveis para o mundo científico. Esta planta (Ipomoea noemana), do género ao qual pertence a batata doce, era conhecida como “yura” para as comunidades locais dos Andes, no Peru. Cresce a 2.300 metros de altitude, tem tubérculos roxos e pode ser comida crua. Os investigadores acreditam no potencial desta planta enquanto nova cultura alimentar.

Bonita bromélia brasileira ameaçada por fábrica de cimento

Acanthostachys calcicola. Foto: Gabriel Mendes Marcusso

Esta maravilhosa bromélia foi descoberta no Brasil pelos botânicos brasileiros Pablo Hendrigo Alves de Melo e por Gabriel Mendes Marcusso, com o cientista de Kew Alex Monro, em Dezembro de 2019. O grupo encontrou a flor num penhasco de calcário coberto por floresta na região Centro do Brasil e deu-lhe o nome de Acanthostachys calcicola. Os cientistas acreditam que esta planta, da mesma família do ananás, é polinizada por colibris. Infelizmente, apenas encontraram 25 plantas. A Acanthostachys calcicola é apenas a terceira espécie conhecida deste género. A extracção de calcário para o fabrico de cimento é uma séria ameaça a esta planta, além do pisoteio pelo gado e do abate de árvores.

Ouro azul: novo parente do mirtilo

Diplycosia puradyatmikai

Um arbusto novo para a Ciência, Diplycosia puradyatmikai– parente dos mirtilos – foi descrito este ano na Nova Guiné. A planta cresce nas encostas da montanha Jaya, perto da maior mina de ouro do mundo, Grasberg. Pode crescer até 1,5 metros e tem pelos dourados nos estames, folhas arredondadas e flores avermelhadas em forma de sino.

Nova erva aromática de uma importante família de plantas medicinais

Marsdenia chirindensis. Foto: Bart Wursten

Marsdenia chirindensis foi descrita em 2020 pelo cientista de Kew David Goyder, que passou 30 anos a estudar este e outras plantas relacionadas. Existem cerca de 150 espécies de Marsdeniaespalhadas pelos trópicos. Esta planta pertence à importante família de plantas medicinaisApocynaceae, usada para tratar vários problemas de saúde, como gonorreia, flatulência, queimaduras e infecções por fungos na pele. Esta planta ocorre apenas na floresta Chirinda, no Zimbabué, na fronteira com Moçambique. Apenas se conhecem uma ou duas plantas. A eficácia medicinal desta espécie ainda não foi testada mas os cientistas acreditam que pode ter um grande potencial.

Descoberta online: hibisco espectacular adaptado a um clima quente

Hibiscus hareyae. Foto: Iain Darbyshire/RBG Kew

Hibiscus hareyae foi descoberta online pelo especialista australiano Lex Thomson. É uma planta originária do Sul da Tanzânia e foi encontrada por Thomson que estava a analisar imagens online de espécimes históricos de herbários. O perito descobriu que estes espécimes tinham várias características nunca antes vistas. A nova planta tem um grande potencial horticultural e pode aguentar condições muito mais secas do que o tão conhecido Hibiscus schizopetalus.


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Marco Nunes Correia é ilustrador científico, especializado no desenho de aves. Tem em mãos dois guias de aves selvagens e é professor de desenho e ilustração.

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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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