“Temos de fazer alguma coisa antes que seja tarde demais”, apelou o presidente da Sociedade Portuguesa de Botânica, Miguel Porto, sobre duas “ameaças emergentes” que pendem sobre espécies botânicas em Portugal.
Miguel Porto falava durante a apresentação pública dos resultados da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, agendada para esta terça-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, perante uma plateia onde se encontravam por exemplo o presidente do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, Nuno Banza – em representação do ministro do Ambiente – e o vereador José Sá Fernandes, que tutela a área do Ambiente e dos Espaços Verdes na Câmara Municipal de Lisboa.
Este projecto, desenvolvido pela Sociedade Portuguesa de Botânica (SPB) e pela PHYTOS – Associação Portuguesa de Ciência da Vegetação, em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, realizou-se entre Outubro de 2016 e Junho passado.
No total, foram avaliadas 626 espécies de flora – com base em dados recolhidos durante os primeiros dois anos do projecto – que representam cerca de um quinto da flora vascular nativa em Portugal, ou seja, que ocorre naturalmente no território português. Destas, a equipa compilou 381 fichas de espécies que estão ameaçadas de extinção, muitas a necessitarem de medidas urgentes, e 19 espécies que já tinham sido registadas em território nacional mas entretanto desapareceram.
Por outro lado, das cerca de 110 espécies endémicas, que existem apenas em território nacional, 53 fazem parte da lista das que estão ameaçadas de extinção. É o caso por exemplo da Linaria ricardoi, hoje Em Perigo de extinção, ameaçada pelos investimentos em culturas de regadio no Alentejo.
Durante uma apresentação sobre plantas ameaçadas e extintas identificadas durante o projecto, o botânico português alertou para dois casos concretos sobre os quais afirmou que é urgente actuar, pois trata-se de “novas situações com tendência de crescimento”.
“Temos de fazer alguma coisa antes que seja tarde demais. Estamos na altura certa para evitar extinções”, apelou à plateia.
Abacates, laranjas e mangas no Barrocal algarvio…
Quanto à primeira “ameaça emergente”, Miguel Porto identificou o cultivo de “pomares intensivos” no Barrocal algarvio. Os trabalhos da Lista Vermelha registaram 15 espécies botânicas ameaçadas de extinção nesta faixa de território que representa “toda a região calcária a sul das serras algarvias”, que fica entre a zonas do litoral e da serra e apresenta “uma flora muito particular”.
“Até agora não havia grandes problemas”, reconheceu o especialista, que lembrou que “o Barrocal tem resistido até recentemente a ameaças em grande escala, por ser muito pedregoso e seco”. Todavia, alertou, os pomares intensivos de abacate, manga e laranja estão agora a ameaçar a flora local e tudo pode mudar muito rapidamente.
Entre as plantas cuja situação pode alterar-se a breve prazo contam-se a Euphorbia clementei e a Sideritis arborescens, ambas consideradas Pouco Preocupantes segundo os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza. O tomilho-cabeçudo (Thymus lotocephalus) e a erva-das-feridas (Plumango europaea), as duas Quase Ameaçadas, são outros exemplos.
… e culturas intensivas junto ao Sado, zona da Comporta
Outra ameaça que urge combater, adiantou Miguel Porto, é a “conversão de pinhais sobre areias em culturas intensivas de regadio” que está a acontecer na Comporta, na zona junto ao estuário do Sado.
Nas contas avançadas pelo presidente da SPB, essa transformação aconteceu em cerca de 1.200 hectares, entre 2011 e 2019, e ameaça várias plantas que só ocorrem praticamente naquela região.
Em causa estão por exemplo a Juniperus cavicularis e a arméria-do-Sado (Armeria rouyana), ambas espécies Quase Ameaçadas, ou ainda o marcetão-das-areias (Santolina impressa), classificado como Pouco Preocupante.
Apesar de não serem consideradas ainda em risco de extinção, Miguel Porto chamou a atenção para os impactos das mudanças que estão a acontecer nesta região. Por exemplo? Os investimentos em montado intensivo que o grupo Amorim prepara para uma zona de 1.750 hectares na zona de Alcácer do Sal.