Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ

Já são 140 os linces-ibéricos em Portugal

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Arrancará este mês o quarto projecto LIFE dedicado à conservação desta espécie Em Perigo de Extinção, que hoje tem cerca de 140 animais em Portugal, em 50.000 hectares.

A pouco e pouco, o lince-ibérico (Lynx pardinus) está a regressar aos seus territórios históricos em Portugal e Espanha. Este felino das barbas e das orelhas com pontas em forma de pincel foi, até 2015 uma espécie Criticamente Em Perigo de extinção. Em Portugal, o lince-ibérico chegou a viver numa situação de “pré-extinção”.

Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ

O colapso das populações de coelhos-bravos, a sua principal presa, agravado por duas doenças – a mixomatose (nos anos 50) e a febre hemorrágica viral (nos anos 80) -, a caça indiscriminada e a perda de habitat pelas campanhas agrícolas e de reflorestação com eucalipto e pinheiro-manso, que destruíram os matagais mediterrâneos, ditaram o quase desaparecimento desta espécie.

Agora serão cerca de 140 linces numa zona com perto de 500 quilómetros quadrados (50.000 hectares) nos concelhos alentejanos de Serpa, Mértola, Castro Verde e Alcoutim.

Desses 140 animais, 90 são adultos (animais com mais de dois anos de idade) e subadultos (entre um e dois anos) e 51 são crias, disse recentemente à Wilder João Alves, técnico superior do Departamento de Conservação da Natureza e Biodiversidade do ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas).

“O número de crias deverá ainda aumentar porque haverá, pelo menos, mais quatro ninhadas que ainda não foram detectadas”, explicou.

Pelo menos 20 fêmeas têm territórios estabelecidos.

Mel espreita viatura. Foto: Técnico/ICNF/LIFE Iberlince

A principal forma para procurar os animais é a foto-armadilhagem. Esta ferramenta “permite identificar os animais, avaliar a sua condição física e estado reprodutor”, acrescentou João Alves.

Actualmente há menos de 30 câmaras de foto-armadilhagem espalhadas pelos campos, por causa de avarias, furtos e danos. João Alves adiantou que está a decorrer um “procedimento de aquisição de novas câmaras e outros equipamentos de monitorização, com co-financiamento POSEUR”.

Além das câmaras, os linces são detectados através de dejectos, no âmbito dos trabalhos de monitorização do coelho-bravo (principal presa do lince-ibérico), cuja área de actuação se sobrepõe à área de lince.

“Neste momento existe um lince com GSM activo e 18 linces com VHF activos”, especificiou João Alves. “Os dados obtidos com esta técnica permitem identificar, com bastante precisão, os territórios ocupados, as relações entre os indivíduos em termos de utilização do espaço e também determinar movimentos de dispersão.”

Uma vez por ano, o acompanhamento aos linces sobe de tom. É durante a campanha para avaliar o estado de saúde dos linces do Vale do Guadiana.

Peritos saem para o campo para capturar linces para o controlo sanitário e marcação com novos colares emissores.

A última campanha aconteceu durante o mês de Novembro de 2019. Foram capturados 14 linces juvenis, sub-adultos e adultos. Em 2018 tinham sido capturados 13.

Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-situ/Arquivo

“Mantemos em 2019 uma população saudável e comprovadamente imunocompetente para os agentes patogénicos pesquisados, o que nos permite estar confiantes no crescimento da população”, comentou o responsável.

Durante estas campanhas, os técnicos capturam os animais e aplicam-lhes um sedativo/anestesia a fim de conseguirem recolher amostras de pêlo, fezes, urina e sangue, registar medidas biométricas e tirar fotografias. “O animal continua a ser monitorizado até à sua total recuperação e é depois libertado no local de captura”, explicou.

“As amostras servem para executar uma bateria de análises preconizada a nível ibérico. Avaliamos individualmente cada animal com hemograma, bioquímicas, pesquisa de vírus e parasitas e, eventualmente, para outros agentes que possam vir a ser necessários.” Cada animal “serve de sentinela ou indicador dos seus companheiros”.

Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ do Lince-Ibérico

Em Agosto deste ano, o lince Qom foi atropelado. A equipa conseguiu capturar o animal e levou-o para o Centro de Treino e Recuperação de Lince Ibérico (CTRLI), em Silves, onde está em recuperação, “embora com lesões neurológicas marcadas”.

“A sua evolução clínica está a ser monitorizada diariamente por veterinários do Centro Nacional de Reprodução do Lince-ibérico (CNRLI) e do ICNF, aguardando-se com esperança a sua recuperação plena, que lhe permita regressar à vida em liberdade.”

Na verdade, dos 17 linces com morte documentada no Vale do Guadiana, sete morreram atropelados. As outras 10 mortes foram causadas por afogamento (duas), causas desconhecidas (cinco), envenenamento (uma), doença (uma) e acidente numa cerca (uma).

A conservação da espécie está prestes a receber um novo impulso, depois da aprovação pela Comissão Europeia, em Maio, do quarto projecto LIFE dedicado ao lince-ibérico, o LynxConnect– “Criando uma metapopulação de lince-ibérico (Lynx pardinus) genética e demograficamente funcional”.

O principal objectivo é “reforçar a conectividade entre as populações de Portugal e de Espanha”, segundo o ICNF. Isto será feito, por exemplo, através da identificação e preparação de áreas de conexão.

Mais uma vez, Portugal faz parte do esforço com vários parceiros, como o ICNF, a Infraestruturas de Portugal e a Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (CIMBAL).

Lince-ibérico, cria. Foto: Programa Ex-situ (arquivo)

O projecto – que arrancará em Setembro de 2020, se for possível formalizar os termos de compromisso entre os parceiros, e terminará em Setembro de 2025 – vai identificar e avaliar “áreas preferenciais através das quais se têm processado as deslocações espontâneas de exemplares de lince” mas também as “novas potenciais áreas pelas quais estas deslocações poderão efectivar-se”, explicou João Alves. O objectivo é promover a criação de novos pequenos núcleos populacionais nessas áreas, podendo ser libertados um ou dois casais de lince nas zonas de conexão que venham a ser definidas.

Mais concretamente, adiantou João Alves, “será identificada, avaliada e caracterizada uma potencial nova área de reintrodução” de lince. Até porque, sublinhou, “a capacidade de carga do território de reintrodução e dispersão adjacente ao Vale do Guadiana encontra-se prestes a estar saturada”.

Ainda assim, essa nova área de reintrodução “não será alvo de libertações imediatas. Quanto muito poderão iniciar-se apenas na fase final do projecto ou logo após a sua conclusão”.

Segundo o responsável, está previsto ainda um novo protótipo de monitorização remota “através da utilização de drones, que possibilitem o seguimento em zonas muito acidentadas ou de difícil ou impossível acesso por via terrestre”.

LynxConnect não vai esquecer a importância do envolvimento social e da sensibilização e participação das comunidades rurais e urbanas.

Crias de lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-situ

Até hoje, os linces do Vale do Guadiana já deram provas de que o objectivo do LynxConnect é bem possível de cumprir. Em 2019, Orvalho, um macho nascido em Serpa, estabeleceu-se na população Extremenha de Matachel e já se reproduziu. Outros houve que nasceram no Guadiana e se estabeleceram em outros locais, como em Serpa, no Chança Internacional e em Alcoutim.

Durante os próximos anos, haverá quem esteja a criar corredores para ajudar os linces a regressar.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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