A jornada de hoje afigura-se dura. Se ignorássemos o calendário, que nos diz vivermos ainda a Primavera, dir-se-ia estarmos em pleno Verão tal a vaga de muito calor que se tem feito sentir nos últimos dias. Chegados ao fim da estrada, preparamo-nos para iniciar uma longa caminhada Serra acima, até a alguns dos seus cumes mais altaneiros. O que nos move não dá para evitar o Sol implacável sob o qual caminharemos ao longo de todo o dia. Desta vez vamos abordar um universo maioritariamente composto por pequenas plantas. É grandioso e colorido.
As flores silvestres também são um tema fascinante. Procurá-las nos seus habitats, identificá-las, descobrir aquelas de que mais se fala, por serem endémicas – da Península Ibérica, ou do noroeste peninsular, ou mesmo do território nacional – ou também raras, ou ainda porque mereceram um estatuto especial pela sua importância para a conservação, é um trabalho motivador que no terreno se concentra no período de floração, essencialmente de Abril a Julho, dependendo das espécies que procuramos e das altitudes a que elas ocorrem. Daí que não possamos evitar as condições adversas em que mais uma vez vamos calcorrear a Serra. As flores que procuramos hoje vivem em terrenos pedregosos de vegetação esparsa, a maiores altitudes e o seu período de floração é estreito. Acorremos no início desta janela de oportunidades prevendo a eventual necessidade de uma segunda incursão caso as plantas estejam atrasadas.
A nossa época florística começou há algumas semanas atrás. Iniciámos os trabalhos andando pelo interior e pela orla dos bosques e por encostas a média altitude. Algumas espécies de narcisos em ambientes diversos, outras tantas violetas em terrenos com água, contam-se entre as primeiras “colheitas”. Também a conviverem com a humidade registamos a orvalhinha, planta insectívora, e as duas espécies de pinguículas. O nome da pinguícula-vulgar é enganador já que se trata de uma planta de ocorrência muito restrita em Portugal. A aquilégia e a anémona-dos-bosques são também preciosidades botânicas e das que florescem mais cedo.
Em vários locais encontramos o solo salpicado de branco por manchas de arenárias, enquanto noutros, prunelas e verónicas contrastam entre si, mais pela forma, completamente distinta, do que pela cor, já que ambas exibem tons azulados. As orquídeas formam um mundo à parte no vasto universo das flores. Um grande número de espécies estão distribuídas por vários géneros, tão vasta é a diversidade que também as caracteriza. Já encontrámos algumas.
Continuamos na nossa subida atentos às várias espécies de urzes e de giestas com que nos vamos cruzando. De flores brancas, ou amarelas, ou rosas, ou vermelhas, umas são mais raras, outras extremamente abundantes.
Junho é o mês indicado para encontrar o emblemático lírio-do-Gerês, especialmente na Serra que lhe deu o nome. Ocorre em encostas de vegetação rasteira, em áreas onde o fogo fez regredir o bosque. Isolados ou em pequenos grupos, encontramo-los por entre afloramentos rochosos. No mesmo cenário ocorre a nespereira-das-rochas mas em muitos casos a cotas mais elevadas. O fraguedo dá abrigo a inúmeras pequenas plantas. Há que procurá-las nos interstícios da pedra, em fendas onde florescem sós ou onde duas ou três espécies se misturam criando pequenas manchas coloridas. Por aqui encontramos várias silenes, a muito azul erva-das-sete-sangrias, o bem-me-quer-das-rochas e muitas mais plantas também floridas.
Atingimos uma altitude superior, atravessando agora uma sucessão de vales amplos, muitos desnudados, delimitados por grandes cabeços graníticos, com formas aborregadas devido aos efeitos da erosão. No fundo de cada um deles corre sempre um ribeiro ou um regato. É nesta sucessão de encostas áridas e linhas de água que encontramos as abrótegas, muito comuns, várias centáureas, algumas muito parecidas entre si, os cravos e mais do que uma espécie de roseiras. Outras plantas menos comuns e apenas conhecidas pelos seus nomes científicos surpreendem-nos a cada passo. No final da jornada irão enriquecer a lista de plantas catalogadas, que vai crescendo gradualmente. O mesmo acontece com o portfólio de imagens.
Demolidos pelo calor que se fez sentir durante toda a ascensão, prolongada e agravada pelas sucessivas mudanças de rumo sempre em busca das flores silvestres, atingimos finalmente o topo da Serra. Uma brisa fresca atenua-nos o esforço. Recompomo-nos com um intervalo dos “trabalhos” para apreciarmos as grandes extensões de território serrano que daqui se alcançam. Um quarto de hora depois, retomamos as buscas nas imediações. São as armérias que mais explicam o esforço hoje despendido. Após alguma procura encontramos vários exemplares dispersos deste endemismo do território nacional que no nosso arquivo se vai juntar à sua irmã, a erva-divina, já “capturada” noutra saída de campo.
Tufos de caldoneira cobrindo afloramentos rochosos lembram-nos estarmos entre os cumes mais elevados e também a necessidade de iniciarmos o regresso. Ao longo da descida continuaremos concentrados na procura de mais uma ou outra flor de montanha e, sempre que possível, na obtenção de melhores registos fotográficos.