Investigadores andaram pelo país em busca de moscas da família Dolichopodidae, sobre as quais quase nada se sabia. E contaram com a ajuda de cidadãos-cientistas.
As moscas estão entre os animais mais castigados pela sabedoria popular, mas nem todas confirmam a visão que “a maior parte das pessoas têm destes insectos como animais feios e sujos”, afiança Pedro Andrade, investigador do CIBIO-InBIO, ligado à Universidade do Porto.
Pedro Andrade é um dos autores de um artigo científico publicado em Agosto na revista Zootaxa, com a actualização das espécies conhecidas de moscas da família Dolichopodidae em Portugal. Chamadas também de moscas-pernilongas, “são predadores importantes de outros pequenos invertebrados e muitas das espécies são coloridas”, sublinha.
De 34 espécies de moscas-pernilongas conhecidas em Portugal Continental, graças ao novo trabalho, esta família passou agora para um total de 200 espécies diferentes. Destas, 142 eram já conhecidas e outras 40 serão novas para a Ciência, precisando ainda de descrição formal.
Mas como é que se encontraram tantas espécies novas? Entre 2009 e 2016, vários investigadores – com destaque para Rui Andrade e Ana Gonçalves, que também assinam o novo artigo – recolheram espécimes desta família “colorida”, praticamente em todos os distritos de Portugal. Fizeram grande parte do trabalho de campo, mas contaram também com oito observações de cidadãos-cientistas.
Já o cientista belga Marc Pollet, autor principal do artigo, “tratou da identificação dos espécimes, da colecção e da gestão de dados”, explica Ana Gonçalves. “O Marc tem trabalhado com este grupo de moscas desde o final da década de 1980, e por isso pôde socorrer-se de cerca de 35 anos de experiência para ajudar no trabalho. Para além disso, ele possui a maior colecção identificada de moscas-pernilongas na Europa à sua disposição”, adianta.
Marc Pollet admite que havia “uma quase ausência de conhecimento sobre a fauna dos dolicopodídeos (moscas-pernilongas) de Portugal”, em especial comparando com outros países como Espanha (cerca de 180 espécies conhecidas), Itália (260) e mesmo a pequena região da Flandres, na Bélgica (mais de 270). “Acreditei que isto poderia vir a ser uma grande aventura de descoberta da fauna portuguesa e foi precisamente isso que aconteceu.”
Mais de 7.000 espécies
As moscas-pernilongas representam uma das mais de 160 famílias de moscas, todas elas reunidas no grupo dos Diptera (ou dípteros). Em termos gerais, todos os dípteros caracterizam-se “pela presença de duas (“Di”) asas (“Pteron”) dianteiras; o par de asas posteriores é reduzido a duas pequenas estruturas (halteres) usadas para equilíbrio durante o voo”, descreve Marc Pollet.
Com mais de 7.000 espécies em todo o mundo e cerca de 800 na Europa, as moscas-pernilongas destacam-se como sendo “a quarta família com mais espécies”.
“Podem ser facilmente reconhecíveis pela sua estatura esbelta, cor geralmente verde metálica, pernas longas, comportamento nervoso e movimentos rápidos”, nota o investigador belga. “São frequentemente pequenas, com comprimentos entre 1 e 10 milímetros.”
“Muitas variedades de ornamentos e modificações, únicas para algumas espécies, podem ser encontradas nas patas, cabeça, antenas, asas e no corpo dos machos”, o que também ajuda os cientistas na identificação.
Mas afinal, estas moscas são importantes?
Pelo que os cientistas observaram até hoje, são importantes para o controlo de pragas de outros insectos: “As moscas-pernilongas pertencem a um conjunto de predadores generalistas que mantém muitas das espécies mais abundantes controladas durante todo o ano, ao contrário de outras espécies mais especializadas”, explica o investigador.
É que tanto os adultos como a maioria das larvas destas espécies alimentam-se “de pequenos invertebrados de corpo macio como afídeos, pequenas moscas ou vermes”.
O papel mais distintivo parece estar ligado às larvas de algumas espécies de moscas-pernilongas que vivem em galerias construídas por escaravelhos comedores de madeira, “alimentando-se das larvas destes escaravelhos nocivos que têm um grande impacto em algumas florestas de produção nos continentes europeu e americano.”
Mas apesar da importância e das cores brilhantes de muitas espécies, ainda há muito a conhecer sobre estas moscas em Portugal, onde sobretudo o Alto e o Baixo Alentejo estão pouco investigados. “Há um número considerável de espécies adicionais por descobrir se o esforço de amostragem continuar, incluindo espécies completamente desconhecidas em todo o mundo”, sublinha.
Rui Andrade concorda e lembra que uma das dificuldades tem sido a identificação entre tantas centenas de espécies, quando existe uma diversidade tão grande na Europa. “A maioria das espécies só pode ser identificada estudando detalhes da morfologia, sendo necessário recorrer com frequência a pequenas diferenças na forma dos órgãos sexuais dos machos para se chegar a uma conclusão sobre a identidade da espécie”, nota.
Mais interessados precisam-se
Outro obstáculo no estudo das moscas é a falta de carisma destes insectos, quando comparados com borboletas e libélulas, e também dos próprios insectos quando se comparam às aves, mamíferos e outros vertebrados, acrescenta Pedro Andrade, por sua vez.
Mas para que haja novas descobertas, os cidadãos-cientistas podem ser muito importantes, nota outros dos autores do artigo, Ana Gonçalves, que acredita que estas contribuições devem ser mais estimuladas. A investigadora lembra que houve um estudo recente na Flandres, segundo o qual os cidadãos-cientistas podem “produzir informação surpreendente que de outra forma não iria ser notada”. “Isto é particularmente verdade se a pessoa providenciar fotografias geolocalizadas.”
Para já, o trabalho de monitorização de moscas-pernilongas vai continuar no âmbito dos trabalhos para a Lista Vermelha de Grupos de Invertebrados Terrestres. Uma das moscas-pernilongas agora registadas – Anahydrophorus cinereus – vai ser alvo deste novo estudo. “Esta espécie ocorre em praias arenosas, sobretudo ao longo da costa do Centro ao Sul de Portugal. Queremos saber a sua distribuição, os seus requisitos ecológicos assim como potenciais ameaças”, conclui a investigadora.