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GPS em miniatura desvendam vida secreta dos morcegos do deserto

23.08.2019

A escassez de alimento na época seca obriga os morcegos do deserto a voar durante mais tempo e mais longe. Para chegar a esta conclusão, uma equipa de cientistas utilizou minúsculos GPS para seguir os animais.

O morcego-de-asas-amarelas (Lavia frons) é uma das mais de 150 espécies de morcegos do deserto.

Caça insectos e pequenos vertebrados durante a noite e durante o dia abriga-se entre as folhas das árvores junto ao leito dos rios, secos na maior parte do ano.

Morcego-de-asas-amarelas. Foto: Adrià López-Baucells

“Parece uma personagem de desenhos animados futuristas”, com as suas orelhas “gigantes” que têm o dobro do comprimento da cabeça, descreve à Wilder Ricardo Rocha, 34 anos, investigador da Universidade de Cambridge (Reino Unido), um dos investigadores que participou no estudo.

“É lindo! Apesar de viver em regiões bastante quentes, o pelo é relativamente longo, de tons esbranquiçados, e a pele das asas, do nariz e das orelhas é amarela”, acrescenta o também colaborador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, ligado à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Morcego-de-asas-amarelas. Foto: Adrià López-Baucells

Este morcego de olhos grandes e negros foi o escolhido para um dos primeiros estudos científicos a colocar GPS em morcegos, uma oportunidade para estudar de que forma a escassez de recursos durante a época seca – que se estende de Janeiro a Fevereiro e depois de Junho a Outubro –  afecta os movimentos destes animais.

Segundo explicou Ricardo Rocha, esta espécie de morcego foi escolhida por várias razões. “É das espécies mais comuns na África subsaariana”, “é relativamente fácil de capturar” e é “grande o suficiente para poder voar com os aparelhos de GPS e o rádio transmissor que queríamos usar”.

Em 2017 e 2018, no Parque Nacional de Sibiloi, no Norte do Quénia, ao longo das margens do Lago Turkana, uma equipa de investigadores – coordenada por Irene Conenna, da Universidade de Helsínquia (Finlândia), e da qual fizeram parte Ricardo Rocha e Adrià López-Baucells, investigador do Museu de Ciências Naturais de Granollers, na Catalunha  – instalou redes de neblina para capturar e colocar “mochilas” GPS com um grama de peso em 29 morcegos-de-asas-amarelas. 

Durante a época chuvosa foram colocados localizadores GPS em 15 morcegos e durante a época seca em 14. Todas as noites durante uma semana foram gravadas as localizações destes animais a cada 30 a 60 minutos. 

Ardió López-Baucells em trabalho de campo para este estudo. Foto: Irene Conenna

“Estávamos particularmente curiosos sobre a origem da água que os morcegos eventualmente poderiam estar a beber”, explica Ricardo Rocha. “Na área onde estávamos a trabalhar e durante a época seca haviam apenas duas opções: o Lago Turkana, com água ligeiramente salgada, ou então poços escavados pelos locais no leito seco dos rios.”

A equipa acabou por descobrir que durante a época seca, os morcegos usam territórios maiores para caçar e têm períodos de actividade mais longos, potencialmente para compensar uma escassez de alimento.

A investigação, cujos resultados foram publicados a 16 de Agosto num artigo na revista científica Movement Ecology, revelou que durante a época seca os morcegos usavam em média uma área de cerca de sete hectares, enquanto que fora dessa época, a área usada pelos morcegos era bem menor, ou seja, de 4,5 hectares.

Isto porque, explica Ricardo Rocha, “com menos chuva há menos vegetação no deserto, o que significa que existem menos insectos – logo, menos recursos para os morcegos”.

O desafio de usar GPS em pequenos animais voadores

Os investigadores ficaram a par da alteração de comportamentos destes morcegos graças a uma nova geração de localizadores GPS em miniatura, no formato de pequenas “mochilas” ultraleves. 

Vista aérea da área de estudo. Foto: Adrià López-Baucells

“Os localizadores GPS têm tido, até agora, um uso limitado em morcegos insectívoros por causa dos limites de peso e do baixo sucesso na recolha de dados”, explica Irene Conenna, em comunicado. 

A dificuldade em estudar animais tão pequenos faz com que estejam “muito pouco estudadas” as alterações no comportamento dos morcegos por causa das alterações globais, salienta Adrià López-Baucells, 31 anos, à Wilder.

“Regra geral, os morcegos são bastante difíceis de capturar e é extremamente complicado seguir os seus movimentos durante a noite.”.

Na sua opinião, “este estudo é pioneiro no uso de GPS em espécies tão pequenas e em ambientes tão extremos como o deserto do Norte do Quénia”.

Irene Conenna e Ricardo Rocha. Foto: Adrià López-Baucells

O maior contributo do artigo está, para Adrià López-Baucells, relacionado com o uso de aparelhos de GPS para seguir os movimentos de espécies tão pequenas. “Estes aparelhos permitem descrever de maneira muito precisa o comportamento territorial destes animais e este tipo de estudos são bem raros, particularmente pela dificuldade técnica que comportam.”

Morcegos do deserto, espécies especialmente sensíveis

Os localizadores GPS em miniatura “permitiram-nos compreender melhor de que forma uma maior aridez afecta a eficácia dos morcegos para caçar, levando-nos mais longe na descoberta dos limites da tolerância destes animais e dos impactos das alterações climáticas”, acrescenta Irene Conenna.

Na verdade, estes morcegos do deserto podem ser espécies especialmente sensíveis às alterações climáticas.

Morcego-de-asas-amarelas. Foto: Adrià López-Baucells

“Num cenário de aquecimento global é de esperar que os morcegos tenham ainda que explorar áreas maiores para encontrarem os recursos que necessitam”, explica Ricardo Rocha. “Isso terá consequências nas interações sociais entre animais com territórios anexos, potencialmente gerando conflito. Irá impor também maior stress fisiológico sobre os animais, que terão de despender mais energia para encontrar alimento”.

Segundo o artigo, a energia que os morcegos gastam a voar pode ser até 15 vezes mais elevada do que a usada pelo seu ritmo metabólico em descanso. 

“Os nossos resultados demonstram que eles têm de lutar para encontrar recursos suficientes nos períodos mais secos do ano. Este esforço poderá ser ainda maior num futuro próximo. As alterações climáticas estão associadas a condições que são mais típicas da época seca – com menos precipitação e temperaturas mais elevadas”.

No caso do morcego-de-asas-amarelas, se as condições se tornarem demasiado extremas nos desertos onde vive, através do aumento da temperatura, a espécie poderá desaparecer de algumas zonas.

O céu nocturno em Turkana. Foto: Adrià López-Baucells

Mas, apesar de alguns dos locais onde agora ocorre poderem deixar de ser propícios, o morcego pode vir a colonizar zonas que hoje são demasiado húmidas mas que não o serão no futuro. “Acho que não deixará de ser, necessariamente, um morcego de deserto”, considera Ricardo Rocha.

Os morcegos, que constituem cerca de um quinto de todas as espécies de mamíferos, são um grupo de animais “bastante ameaçado”, alerta Adrià López-Baucells. “São animais altamente sensíveis e com taxas de reprodução lentas – geralmente têm uma cria por ano -, o que faz com que as populações recuperem muito lentamente depois de impactos antropogénicos”, acrescenta.

“Muitas espécies não conseguem adaptar-se às mudanças rápidas que o ser humano inflige na paisagem natural.”

Neste momento, as principais ameaças para os morcegos são a fragmentação e perda de habitat natural, o uso abusivo de pesticidas, a perturbação e destruição de refúgios e as alterações climáticas.


Saiba mais.

Saiba mais aqui sobre os investigadores Ricardo Rocha e Adrià López-Baucells.

Agora é a sua vez.

Adrià López-Baucells sugere o que podemos fazer para ajudar a conservar os morcegos:

“A melhor resposta que podemos dar para ajudar na conservação dos morcegos, num cenário de alterações climáticas, é manter os seus habitats originais em bom estado de conservação, com árvores velhas, com refúgios de qualidade, e grande disponibilidade de insetos.

Isso permite que os morcegos se consigam adaptar mais ou menos às flutuações climáticas do ambiente.

Mas ao mesmo tempo temos de reduzir, de forma extrema e imediata, a emissão de gases com efeito estufa e, sobretudo, o consumo excessivo de produtos desnecessários.

Um bom começo é optar por uma alimentação o mais vegetariana possível.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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