O lince-ibérico é apontado como uma das espécies em maior risco pela exposição a vias rodoviárias, a nível mundial, indica um estudo científico realizado por investigadores de Portugal, Alemanha e Brasil.
Publicado na revista científica Global Ecology and Biogeography, este estudo avaliou o impacto global da exposição a vias rodoviárias sobre 232 espécies de mamíferos carnívoros terrestres, em todo o mundo.
Além da mortalidade directa ligada aos atropelamentos, as estradas limitam a movimentação dos animais, confinados a populações isoladas e com a viabilidade a longo prazo em risco, explicam os cientistas.
“O lince ibérico (Lynx pardinus) é uma das espécies mais afectadas, já que é afectado [pelas rodovias] em toda a sua área de distribuição”, disse à Wilder uma das coordenadoras do estudo, Ana Ceia Hasse, investigadora do CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos), ligado à Universidade do Porto.
Este felino classificado como Em Perigo de extinção, que ocorre apenas em Portugal e Espanha, está entre os cinco por cento de espécies em maior risco pela presença de rodovias, num total de 17 das 232 espécies estudadas. As projecções indicam, aliás, que o lince-ibérico pode ter apenas 114 anos pela frente até à extinção.
Mas também o lobo (Canis lupus), outro animal que ocorre em território português, desperta alguma preocupação: “Está entre os 25% de espécies mais afectadas por estradas a nível global e é afectado em toda a sua área de distribuição em Portugal”, aponta Ana Ceia Hasse.
De um modo geral, felinos e ursos surgem neste estudo como as famílias em maior risco. Além do lince-ibérico, outros felinos mais ameaçados pelas rodovias são o lince pardo (Lynx rufus), o puma (Puma concolor), o jaguarundi (Herpailurus yagouaroundi), o leopardo (Panthera pardus) e o jaguar (Panthera orca).
No entanto, nem todos os animais mais afectados pela presença de estradas, detectados neste estudo, estão assim reconhecidos pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Das 17 espécies em maior risco, nove são aliás classificadas como Pouco Preocupantes pela UICN, como por exemplo o texugo japonês (Meles anakuma) e a marta japonesa (Martes melampus).
Os cientistas decidiram analisar o impacto das rodovias sobre mamíferos carnívoros porque estes “podem ser particularmente vulneráveis às estradas”.
Por um lado, explica a investigadora portuguesa, estes animais apresentam taxas de reprodução relativamente baixas, o que torna mais difícil a recuperação do número de indivíduos de uma espécie, quando ocorrem atropelamentos; por outro, têm mais mobilidade, pelo que atravessam estradas com mais frequência e podem ser mais vulneráveis à fragmentação do seu habitat.
A equipa começou por estimar a vulnerabilidade intrínseca de cada uma das 232 espécies às estradas. “Tivemos em conta duas medidas: a densidade máxima de estradas, acima da qual as populações se extinguem, e o tamanho mínimo de fragmentos de habitat delimitados por estradas, abaixo do qual as populações se extinguem.”
Para estes cálculos, analisaram a taxa de crescimento populacional de cada espécie e ainda outras características, como o número de crias por ninhada e os intervalos entre ninhadas, a idade inicial de reprodução ou a capacidade de dispersão dos animais.
Esses dados relativos à vulnerabilidade intrínseca foram depois cruzados com o que se observa no terreno – nomeadamente, a densidade das estradas presentes nas áreas de distribuição de cada mamífero carnívoro e os tamanhos dos fragmentos de habitat delimitados por rodovias.
América do Norte e Ásia mais afectadas
Outra das conclusões é que a América do Norte e a Ásia são as regiões do mundo onde mais mamíferos carnívoros sofrem maiores ameaças provocadas pela rede rodoviária. Seguem-se a América do Sul e a Europa.
Além de ajudar à identificação de espécies que precisam de medidas específicas de conservação ou cujo estatuto de conservação precisa de ser reavaliado, o novo estudo pode identificar áreas prioritárias de conservação, em zonas com mais animais afectados, nota Ana Ceia Hasse.
Soluções para o problema das rodovias? “Barreiras que impeçam os animais de atravessarem a estrada, ou passagens inferiores que permitam a movimentação dos animais”, exemplifica a investigadora.
“Outras soluções passariam pela não construção de estradas em áreas mais sensíveis, pela redução ou proibição do tráfego a horas específicas (por exemplo dentro de áreas protegidas, nos períodos de maior actividade dos animais), ou pela colocação de sinais de aviso da presença dos animais, para os condutores.”
A equipa que realizou este estudo está ligada à Cátedra Infraestruturas de Portugal em Biodiversidade do CIBIO-InBIO, ao iDiv-German Centre for Integrative Biodiversity Research, à Martin-Luther University (Alemanha) e ao Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas.