Um  goivo fora do lugar na Serra de S. Mamede

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Uma serra que afinal são seis, um goivo-das-beiras fora do lugar e vistas panorâmicas que não cabem na fotografia fizeram da visita ao Parque Natural de S. Mamede um passeio surpreendente e entusiasmante, mas difícil de descrever, escreve a correspondente da Wilder Fernanda Gamito.

Só visto – e, já agora, sentido, subindo as encostas de lousa solta com o aroma dos estevais e ao som de cascatas – é que se perceberá como é especial este território tão diverso que tem a alvura e a sobriedade idílica do Alentejo, mas o clima e a abundância de água das Beiras. 

Parque Natural de São Mamede. Foto: Fernanda Gamito

Ao redor de Alegrete, no vale da Ribeira de Arronches, já se nota uma paisagem serrana fortemente influenciada pelas atividades humanas desde tempos imemoriais. Olival, pomares e hortas, eiras e muros apiários, estevais onde se misturam os fetos e o rosmaninho, sobreiral com prados abertos onde cresce a pegajosa dedaleira-das-rochas (Digitalis thapsi), antecipam a cooperação harmoniosa entre a ocupação humana e a Natureza que será uma constante neste passeio.

Dedaleira-das-rochas (Digitalis thapsi). Foto: Fernanda Gamito

O mais importante dos relevos alentejanos, a Serra de S. Mamede, com 1025m de altura, foi continuamente habitado desde a Pré-história e é um verdadeiro mosaico paisagístico e cultural: floresta mista de pinheiro-bravo e eucalipto, montados com sobreiros, azinheiras e carvalho-negral, monumentos megalíticos, romanos e medievais, olivais e vinhas, açudes, levadas e cascatas, soutos e castinçais de árvores centenárias, cristas rochosas onde se ergueram castelos que dominam sobre montes e vales, suaves e ondulados…

Descobrimos agora que a Serra S. Mamede é, na verdade, um vasto maciço montanhoso (40km de comprimento por 10km de largura), composto por dois planaltos centrais e largos vales, dos quais se destacam várias serras: Castelo de Vide; Marvão; Selada; Portalegre; S. Mamede;  Fria.

Serra de Marvão. Foto: Fernanda Gamito

Por esta altura, as cerejeiras e macieiras em flor e os prados floridos onde pasta o gado livremente tornam estes vales quase paradisíacos. Têm nomes como Escusa, Porto da Espada, S. Julião, Freguesia, Porto Roque e Sovrete e é aqui que a diversidade de habitats se torna mais evidente a quem segue nas estradas panorâmicas que os atravessam.

À variedade geológica e de agro-sistemas, alia-se a variação de altitudes e de exposição a Norte ou a Sul, tudo se conjungando para influenciar uma paisagem estonteante e perfeita como num sonho.

Vale de Sovrete. Foto: Fernanda Gamito

O GPS não sabe de paisagens encantadas, tão pouco de estradas interrompidas e, na aldeia de Porto da Espada, indicam-nos o melhor caminho, com palavras e pronúncias antigas. O “Falar Raiano de Marvão” (dialecto português centro-meridional, na classificação de Lindley Cintra) foi, até não há muito tempo, uma variedade linguística específica em uso nesta região, numa representação única do mundo tradicional, à altura do seu carácter singular.

Barranco da cascata de Monte Sete. Foto: Fernanda Gamito

Seguimos então para Monte Sete, o sítio onde se precipita em cascata o Rio Xévora, num barranco profundo. O caminho reluzente de xisto é “a prumo”, mas as vistas e as surpresas compensam. Será, não será?…

Goivo-das-beiras (Erysimum lagascae). Foto: Fernanda Gamito

São mesmo goivos-das-beiras (Erysimum lagascae), endemismo da grande família Brassicaceae, nativo do Sudoeste da Península Ibérica, classificado como “vulnerável” e supostamente circunscrito em Portugal Continental a Trás-os Montes e à Beira Alta.

Fora do lugar, a pequena e frágil “prima” das couves convive aqui, em grande número, com estevas, giestas e cravinas-bravas (Dianthus lusitanus), testemunhando, à sua maneira, que esta Serra de S. Mamede é mesmo um daqueles recantos de Portugal que julgávamos perdidos para sempre.

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