Apanha de malmequeres para o ramo da espiga. Foto: Maria José Mackaaij

Projecto está a ajudar crianças de Querença a conhecer melhor a natureza

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Expedições pela natureza da aldeia algarvia de Querença e conversas com peritos em aves ou abelhas são apenas algumas das actividades à disposição dos “Pequenos Naturalistas de Querença”, projecto que arrancou em 2019.

Promover o gosto pelo mundo natural logo desde pequenino é o grande objectivo do projecto “Pequenos Naturalistas de Querença”, que está a funcionar desde o ano letivo 2019-2020.

Apanha de malmequeres para o ramo da espiga. Foto: Maria José Mackaaij

De momento, no terceiro ano de projeto, são 26 as crianças que pertencem a este clube. Oito estão no Jardim de Infância (que têm entre os 3 e os 5 anos) e 18 andam na Escola de 1º ciclo de Querença (alunos do 1º ao 4º ano do ensino básico, entre os 6 e os 11 anos).

“Estão envolvidas no projeto todas as crianças da Escola de JI/EB1 de Querença”, disse à Wilder Maria José Mackaaij, criadora e coordenadora do projecto e técnica superior (bibliotecária e mediadora da leitura) da Câmara Municipal de Loulé que desenvolve estes projetos na Fundação Manuel Viegas Guerreiro.

“É um projeto multissensorial para brincar, aprender e crescer com a Natureza, em Querença”, explicou a responsável. “Pretende despertar nas crianças o fascínio, o conhecimento e o sentimento de ligação com a natureza e com os seres que a habitam; promover a sua literacia ambiental; estimular a responsabilidade individual e colectiva face à utilização dos recursos naturais, bem como criar pontes com a cultura intemporal da sua região e da sua comunidade.”

A floresta mediterrânica a partir do percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro. Foto: Maria José Mackaaij

A cada 15 dias, as crianças fazem expedições à descoberta da natureza pelas ruas da aldeia ou pelo campo, subindo e descendo colinas. Entre os destinos escolhidos estão o Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro criado pela Fundação Manuel Viegas Guerreiro e que será inaugurado brevemente, a Fonte Benémola e o caminho medieval da aldeia.

Querença é rica e exuberante em biodiversidade. “Ouvimos histórias, aprendemos e descobrimos debaixo de uma azinheira centenária ou de uma oliveira milenar, calcorreamos a estrada do cemitério bordejada por pomares de sequeiro tendo como banda sonora as estridentes cigarras, perscrutamos as pedras dos valados que seguram as terras, espreitamos as rãs nos tanques, enchemos as mãos pequenas de bagas brancas da flor do medronheiro, caídas na terra depois de um dia de chuva e vento, imaginamos grandes aventuras nas florestas douradas das romanzeiras no outono e como será a tristeza da princesa moura da lenda, perante a beleza delicada das flores da amendoeira.”

Nestas saídas, as crianças fazem observações da biodiversidade de Querença: “árvores, folhas, frutos, texturas, aves, insectos…. Aprendemos a distinguir tipos de nuvens, as árvores do típico pomar de sequeiro e as da floresta mediterrânica presentes no barrocal algarvio, as ervas aromáticas e medicinais, escutamos as sinfonias das cigarras, os gorjeios das andorinhas… “, especificou Maria José Mackaaij.

As sessões dos “Pequenos Naturalistas de Querença” permitem-lhes “preencher a paisagem com a sua alegria, brincadeira e liberdade de movimentos. Por incrível que pareça, apesar de viverem num espaço rural, algumas destas crianças levam uma vida muito parecida com a das crianças da cidade”, notou.

Além disso, as crianças aprendem também com convidados que as visitam. Por exemplo, o serviço educativo do Museu Municipal de Loulé mostrou-lhes fósseis e falou-lhes da geologia deste território aspirante a Geoparque da UNESCO; e a empresa local DaSerra levou até elas o fascinante mundo das abelhas e o seu contributo para a biodiversidade.

Fósseis nos Valados do Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro. Foto: Maria José Mackaaij

“Este ano queremos aprender mais acerca das aves que sulcam os nossos céus, das residentes e das que usam este nosso território nas suas migrações”, adiantou a responsável. “Por isso, iremos aprender sobre anilhagem científica das aves (com o Sr. António Marques e a Divisão de Ambiente da Câmara de Loulé), como os pombos se orientam no espaço (com a Sociedade Columbófila Louletana), como vivem as andorinhas que nidificam nos beirais da escola e muito mais.”

Além dos passeios e contacto com especialistas, os “Pequenos Naturalistas de Querença” mergulham também nos livros infantis da sua biblioteca especializada em ambiente e a que chamam “A Nossa Casa Comum”.

Biblioteca A Nossa Casa Comum. Foto: Maria José Mackaaij

“Aguardamos que o Covid passe, pois gostaríamos muito de aprender também com os mais velhos, os avós e os utentes do Lar de Querença. Pomos esperança no futuro.”

Os “Pequenos Naturalistas de Querença” são uma dimensão de um projeto mais vasto, intitulado “Vemos, Ouvimos e Lemos…”, dedicado às crianças da Escola de JI/EB1 de Querença. Este projeto resulta de uma parceria entre a Câmara Municipal de Loulé, a Fundação Manuel Viegas Guerreiro e o Agrupamento Padre João Coelho Cabanita, onde esta escola se insere.

“As crianças adoram aprender e brincar ao ar livre. Aprender e descobrir com o corpo todo. Com todos os sentidos. Espantar-se e procurar respostas. Aguçam a sua curiosidade e gostam de colocar hipóteses, pondo à prova conhecimentos prévios, cruzando experiências, aventando até prodígios fantasiosos”, contou Maria José Mackaaij.

Mas, na opinião desta responsável, “ainda há muito a fazer” quanto ao estado da literacia dos mais novos para a biodiversidade.

“A escola trabalha e explora as área do ambiente, mas creio que todos sentimos que se aprende de forma mais plena e feliz e se interiorizam mais eficazmente as aprendizagens se estas acontecerem em contacto com a vida, em movimento e em experimentação. Este tipo de propostas poderá permitir que cada criança vá encontrando um sentido pessoal para o seu percurso como ser aprendente e transformador do mundo.”

Segundo Maria José Mackaaij, “um pouco por todo o lado, estão a surgir cada vez mais oportunidades para as crianças aprenderem em contacto com o mundo natural”. “A urgência das alterações climáticas coloca uma pressão cada vez maior para que surjam contextos de aprendizagem que despertem e promovam a consciência individual para uma vida outra, menos consumista, mais responsável, mais atenta ao património vivo, local e global.”

Actividade “As Abelhas”. Foto: Maria José Mackaaij

Este projecto pretende dar o seu contributo. E, para Maria José Mackaaij, este caminho não tem sido difícil.

“Este projeto tem sido acarinhado pelas crianças, pelas docentes e demais pessoal educativo da escola, pelas famílias e pelas instituições envolvidas na sua concretização e, por isso, não nos tem sido difícil concretizá-lo. Até porque não requer grandes investimentos. Apenas saímos do espaço murado da escola e partimos à descoberta pelas ruas e caminhos da aldeia.”

“Aprender de forma vívida é sem dúvida um dos maiores benefícios que temos colhido, ao mesmo tempo que vamos construindo  uma relação de amor pela natureza, experimentando o prazer de aprender em liberdade nas paisagem do nosso território, na alegria dos nossos reencontros quinzenais e na nossa coesão enquanto grupo.”

As maiores dificuldades passam, sobretudo, pelas limitações impostas pela Covid-19 ao contacto com as pessoas mais idosas da aldeia e às deslocações para o exterior.

“Mas mesmo em tempos difíceis de Covid 19, quando as escolas permaneceram de portas fechadas às atividades no exterior e às crianças apenas restava aprender confinadas no seu interior, os “Pequenos Naturalistas de Querença” puderam desfrutar em pleno da sua liberdade na paisagem, pois neste seu contexto de aldeia do barrocal algarvio, eles e a natureza eram a mesma bolha.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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