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Colecção de borboletas
Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. Foto: Joana Bourgard

Patrícia Garcia-Pereira: “Não temos políticas adequadas que financiem a monitorização da biodiversidade”

19.01.2021

O que pode 2021 trazer para a Biodiversidade e para a Conservação da Natureza? Com o ano que começa, a Wilder lança cinco perguntas a especialistas e responsáveis portugueses que trabalham para conhecer ou proteger o mundo natural.

Patrícia Garcia-Pereira é investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

WILDER: O que espera de 2021 para a Conservação da Natureza em Portugal e no mundo?

Patrícia Garcia-Pereira: Não sei se podemos esperar grandes coisas para 2021… No momento atual, com a pandemia fora de controlo, a elevada taxa de infeção com o novo vírus e consequente elevada mortalidade, espero antes de mais que possa ser dada uma resposta adequada em Portugal e no mundo para garantir o tratamento adequado aos doentes nos hospitais. Esta é sem dúvida a grande prioridade para 2021. Sem saúde não há economia, não é possível continuar as atividades nos vários setores da sociedade. Em relação à Conservação da Natureza, espero que seja um tempo de reflexão, e especialmente que permita aumentar a perceção da sociedade para a realidade dos nossos tempos: a qualidade de vida das sociedades humanas depende da Conservação da Natureza. 

W: No seu entender, quais devem ser as prioridades para este ano em prol da natureza em Portugal? E mais concretamente, para a presidência portuguesa da União Europeia?

Patrícia Garcia-Pereira: A prioridade é sem dúvida a alteração profunda que as políticas na Agricultura em Portugal e na União Europeia têm que sofrer. A Política Agrícola Comum é um atentado à Conservação da Natureza. As atividades agrícolas são a principal causa de alteração e destruição de habitats naturais. Não há conservação da natureza sem a inclusão da Agricultura (no sentido lato: hortícolas, frutícolas, pastorícias ou florestais), e especialmente sem os agricultores. São os agricultores que têm de ser os primeiros agentes de conservação da natureza nas suas propriedades, na sua atividade económica, em que as políticas estatais só poderão favorecer um tipo de exploração dos recursos que seja sustentável, ou seja, que não provoque a perda de biodiversidade, a diminuição da qualidade do solo, de disponibilidade de água, de fenómenos de erosão e desertificação. É preciso controlar as atividades agrícolas intensivas, banir a utilização de agroquímicos, diversificar a exploração de recursos, valorizar economicamente as atividades de proteção da qualidade ambiental e da conservação da biodiversidade nas propriedades agrícolas. Os agricultores têm que ser os primeiros ambientalistas porque dependem diretamente dos recursos naturais. É urgente acabar com a dicotomia que existe atualmente, em que assistimos a conflitos de interesses entre agricultura e conservação da natureza, a confrontos entre agricultores e ecologistas.   

3. Quais as espécies ameaçadas que, na sua opinião, precisam de ajuda premente em 2021? 

Patrícia Garcia-Pereira: A flora. Após a publicação do Livro Vermelho das Plantas Vasculares já temos o conhecimento suficiente para partir para a ação. É preciso em 2021 definir as prioridades e começar a implementar planos concretos que permitam impedir a extinção das espécies identificadas como ameaçadas. Estas ações irão necessariamente contribuir para a conservação dos habitats naturais e consequentemente a proteção de toda a cadeia trófica associada, a começar pelos insetos até aos vertebrados, como aves e mamíferos. 

4. Se coubesse a si decidir, qual seria a principal medida que tomaria este ano para tentar travar a extinção das espécies?

Patrícia Garcia-Pereira: Eu apostava na implementação de planos de monitorização. Para travar a extinção das espécies é preciso acompanhar a evolução das populações na sua área de distribuição ao longo do tempo. Só com dados de monitorização conseguimos identificar alterações, problemas, e agir em conformidade para salvar as espécies. Em Portugal está a ser feito com grande sucesso para o lince-ibérico. Proponho que se siga este exemplo para outras espécies e também para grupos funcionais e bioindicadores da qualidade ambiental dos mares, rios de água doce, e habitats terrestres. Em Portugal, nós temos investigadores qualificados, temos muitas instituições científicas interessadas, temos cada vez mais um público consciente e disposto a participar. Não temos políticas adequadas que financiem a monitorização da biodiversidade. As iniciativas e projetos que existem – como os censos das aves, do escaravelho vaca-loura, das borboletas, das plantas exóticas invasoras, etc. – só são possíveis pelo empenho e sacrifício pessoal dos investigadores, trabalho voluntário, sem apoios financeiros adequados. É absolutamente urgente que as entidades públicas reconheçam a prioridade de estabelecer planos de monitorização a médio-longo prazo e em todo o território. 

5. Qual, ou quais, os projectos na área da Biodiversidade em que estará a trabalhar em 2021 que mais a entusiasmam?

Patrícia Garcia-Pereira: Estou a trabalhar no projeto da Lista Vermelha de Grupos de Invertebrados de Portugal Continental financiado pelo POSEUR e Fundo Ambiental e da responsabilidade da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Sou responsável pela coordenação da avaliação dos grupos de insetos e esperamos este ano poder publicar o primeiro Livro Vermelho para o território continental dedicado aos invertebrados. É fundamental para conhecermos melhor o estado de conservação das espécies e protegermos legalmente aquelas que se encontram ameaçadas. Continuo também com a implementação da Rede de Estações da Biodiversidade (EBIO), com o apoio dos municípios. Já são mais de 40 EBIO abertas ao público, que correspondem a percursos pedestres curtos com painéis de informação sobre espécies comuns que podem ser observadas ao longo do caminho para promover a contribuição dos visitantes para a sua inventariação e monitorização. Vamos também iniciar um estudo sobre o efeito da herbivoria na diversidade de insetos nas propriedades da Associação Transumância e Natureza no distrito da Guarda, que esperemos que contribua para conhecer melhor certos grupos de insetos, como os polinizadores, assim como demonstrar claramente a importância da função ecológica dos insetos para o funcionamento dos ecossistemas. 


Recorde as respostas de:

Helena Freitas

Ângela Morgado

Ricardo Rocha

Miguel Dantas da Gama

Paula Nunes da Silva

Miguel B. Araújo


Já que está aqui…

Apoie o projecto de jornalismo de natureza da Wilder com o calendário para 2021 dedicado às aves selvagens dos nossos jardins.

Com a ajuda das ilustrações de Marco Nunes Correia, poderá identificar as aves mais comuns nos jardins portugueses. O calendário Wilder de 2021 tem assinalados os dias mais importantes para a natureza e biodiversidade, em Portugal e no mundo. É impresso na vila da Benedita, no centro do país, em papel reciclado.

Marco Nunes Correia é ilustrador científico, especializado no desenho de aves. Tem em mãos dois guias de aves selvagens e é professor de desenho e ilustração.

O calendário pode ser encomendado aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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