Thomas White, professor da Universidade de Sidney, desafia-nos a repensarmos as nossas crenças comuns quanto à importância do cérebro, quando há tantas criaturas que vivem sem ele.
O cérebro é uma maravilha da evolução. Ao deslocar o controlo dos sentidos e do comportamento para este órgão central, os animais (incluindo nós) ficam aptos a dar resposta de uma maneira flexível e a prosperar em ambientes imprevisíveis. Uma aptidão acima de todas – a aprendizagem – tem provado ser a chave para uma boa vida.
Mas e quanto a todos os organismos a quem falta este órgão precioso? Desde as medusas aos corais e às nossas plantas, fungos e vizinhos unicelulares (como as bactérias), a pressão para viver e reproduzir-se não é menos intensa, e o valor da aprendizagem não diminui.
Pesquisas recentes nestes organismos sem cérebro têm sondado as origens sombrias e os mecanismos internos da cognição, forçando-nos a repensar o que significa aprender.
Aprendendo sobre aprender
A aprendizagem é uma qualquer mudança no comportamento, como resultado de uma experiência, e pode assumir muitas formas. Num dos extremos desse espectro está a aprendizagem não associativa. Familiar para qualquer pessoa que “deixa de ouvir” o som ambiente do tráfego ou da televisão, envolve aumentar (sensibilizar) ou diminuir (habituar) a resposta de algo a uma exposição repetida.
Mais para a frente temos a aprendizagem associativa, na qual um estímulo está seguramente ligado a um comportamento. Tal como o amachucar de um pacote de batatas fritas faz com que o meu cão corra, também o cheiro do néctar convida os polinizadores a procurarem uma recompensa doce.
Ainda mais aprofundadas são formas de aprendizagem conceptual, linguística e musical, que necessitam de uma coordenação complexa e de habilidade de reflexão sobre o próprio pensamento. Requerem também estruturas especializadas dentro do cérebro e um grande número de conexões entre as mesmas. Por isso, pelo que conhecemos, esses tipos de aprendizagem estão limitados a organismos com “poder de computação” suficiente – ou seja, com cérebros suficientemente complexos.
No entanto, a presumível relação entre a complexidade de um cérebro e a capacidade cognitiva não é nada directa, se a analisarmos através da árvore da vida.
Isso é especialmente verdade para formas de vida fundamentais, nas quais há exemplos recentes que reformularam o nosso entendimendo do que julgávamos possível.
Quem precisa de um cérebro?
As medusas, as águas-vivas-de-pente e as anémonas do mar estão entre os primeiros ancestrais dos animais. Partilham entre si o facto de não terem um cérebro central.
Ainda assim, a anémona morango-do-mar (Actinia equina) consegue habituar-se à presença de clones por perto. Sob circunstâncias normais, opõe-se violentamente a qualquer invasão do seu território por outras anémonas. Quando os intrusos são cópias exactas de si própria, todavia, aprende a reconhecê-los ao longo de interacções repetidas, contendo a sua agressividade habitual.
Um estudo recente mostrou agora que as medusas vespas-marinhas, também conhecidas como cubomedusas, são aprendizes ávidos, e de uma forma ainda mais sofisticada. Embora possuam apenas uns poucos milhares de neurónios (células nervosas) em redor dos seus quatro olhos, conseguem associar mudanças na intensidade da luz à sua percepção do ambiente, ajustando assim a forma como nadam.
Isso permite-lhes uma navegação mais precisa nos seus habitats dominados por mangues. E dessa forma, aumentam as suas possibilidades de sucesso como predadores venenosos.
Sem neurónios? Não há problema
Levando mais longe os nossos instintos, hoje em dia há evidências abundantes de aprendizagem em organismos que têm até mesmo em falta os blocos neuronais que servem de base a um cérebro.
Os bolores limosos são organismos unicelulares que pretencem ao grupo dos protistas. São ligeiramente semelhantes aos fungos, apesar de não estarem relacionados. Tendo sido recentemente (e de forma incorrecta) popularizados na televisão como parasitas que transformam outros seres em zombies, fornecem também um caso excelente de estudo sobre o que pode conseguir uma criatura sem cérebro.
Várias experiências elegantes têm documentado uma variedade de truques cognitivos, desde recordar caminhos que conduzem à comida, até à utilização de experiências passadas que servem de base à busca por alimentos, ou mesmo aprender a ignorar cafeína amarga durante a busca de recompensas nutritivas.
As plantas também podem ser incluídas no grupo de pensadores sem cérebros. As plantas da espécie Dionaea muscipula, também conhecidas como vénus papa-moscas, utilizam sensores perspicazes para recordar e contar os toques das presas em movimento. Desta forma, podem fechar as suas armadilhas e começar a digestão quando já têm assegurada uma refeição nutritiva.
Como exemplo menos horrível, a dormideira (Mimosa pudica) enrola e inclina as suas folhas para se proteger quando é fisicamente incomodada. Essa é uma actividade com custos energéticos, todavia, e por isso esta planta consegue habituar-se a aprender e a ignorar falsos alarmes. Entretanto, as ervilhas-de-cheiro (Lathyrus odoratus) conseguem aparentemente aprender a associar uma brisa gentil, que parece desinteressante à primeira vista, à presença da luz solar que lhes é essencial (embora essa descoberta tenha sido contestada).
Esses resultados têm resultado em apelos a que as plantas sejam consideradas agentes cognitivos e inteligentes, num debate que tem abrangido ciência e filosofia.
Pensar em grande
Aprender, então, não é um domínio apenas daqueles que têm cérebro, ou até mesmo os rudimentos de um. À medida que continuam a acumular-se evidências de destreza cognitiva nos seres sem cérebro, são desafiadas intuições profundas sobre a biologia do sistema sensorial, do pensamento e do comportamento em geral.
As implicações têm também um alcance que vai para além da ciência, chegando à ética, como sucedeu com os avanços recentes na nossa compreensão da nocicepção, ou percepção da dor. Será que os peixes, por exemplo, sentem dor, apesar de não terem as correspondentes estruturas cerebrais, como as que existem nos primatas? Sim. E quanto aos insectos, com uma organização ainda mais simples de uma ordem de grandeza com menos neurónios? Provavelmente.
E se esses organismos conseguem aprender e sentir, embora de formas que não nos são familiares, o que diz isso sobre a forma como os tratamos nas nossas actividades de lazer, pesquisa e culinária?
Acima de tudo, essas formas curiosas e diversas de vida são um testemunho do poder criativo da evolução adaptativa. Convidam-nos a reflectir sobre o nosso lugar muitas vezes assumido no cimo da árvore da vida, e lembram-nos do valor que está inerente ao estudo, à apreciação e à conservação de vidas muito diferentes da nossa própria.
Este artigo foi traduzido do artigo original publicado na The Conservation, tendo para isso a permissão do seu autor, Thomas White, professor-coordenador na Universidade de Sidney.