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Morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus). Foto: Gilles San Martin/Wiki Commons

Jardins para a vida silvestre: Como contribuir para a conservação dos morcegos

08.03.2023

Aprenda com uma rede de especialistas a tornar cada recanto num oásis para ajudar a biodiversidade, desde aves e anfíbios a abelhas e morcegos. O investigador Jorge Palmeirim explica como são importantes estes mamíferos voadores, que muitas vezes passam despercebidos nas vilas e cidades. 

Se estivermos na rua e ao fim do dia levantarmos os olhos para o céu, quando ainda resta um pouco de luz no horizonte, podemos ser surpreendidos por umas pequenas silhuetas que voam de forma errática, em especial se estivermos perto de um candeeiro ou em zonas bem arborizadas. São provavelmente morcegos, explica Jorge Palmeirim, investigador e professor associado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, especialista nestes mamíferos que formam a ordem dos quirópteros.

Em Portugal, são conhecidas 27 espécies deste grupo, algumas bastante comuns em meio urbano, como o morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus) e o morcego-de-água (Myotis daubentonii). Estas duas espécies foram por exemplo observadas no Jardim Gulbenkian, durante uma visita orientada por este investigador no dia 5 de Junho.

No que respeita ao morcego-anão, “muito comum” e de tamanho diminuto, é mais fácil de observar ao cair do dia porque alimenta-se especialmente de “pequenas mosquinhas que têm o pico da sua atividade” nessa altura, nota Jorge Palmeirim, que destaca a “extrema importância” desta e das outras espécies de morcegos porque “comem enormes quantidades de insetos”, chegando a capturar “um inseto a cada 15 a 20 segundos.”

No caso de um morcego que pese cinco gramas, como o morcego-anão, exemplifica, consegue comer metade do seu peso por noite. “Mil morcegos destes, por exemplo, consomem 2,5 quilos de insetos por noite, o que significa uma enorme quantidade se estivermos a falar de pequenas mosquinhas.”

Em Lisboa, há muitos milhares de morcegos-anões, mas não só. Nesta cidade já foram detetadas outras espécies que estarão presentes noutras localidades, como o morcego-de-água, o morcego-hortelão (Eptesicus serotinus), o morcego-de-peluche (Miniopterus schreibersii), várias espécies de morcego-de-ferradura (Rhinolophus sp.), e ainda o morcego-rabudo (Tadarida teniotis), “que voa muito acima do nível das árvores e tem um comportamento bastante diferente” dos restantes.

Ainda assim, quem está em zonas rurais também convive com diferentes quirópteros, mas neste caso são espécies que se alimentam principalmente de borboletas noturnas. “Todas as noites, os morcegos de Portugal comem muitas toneladas de insetos que são potenciais pragas agrícolas, em cujo controlo têm um papel importantíssimo”, salienta o biólogo.

Morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus). Foto: Gilles San Martin/Wiki Commons

Capacidades únicas

Estes animais possuem outras características únicas, como a capacidade para se orientarem no escuro através dos ecos que produzem, interagindo com o ambiente de uma forma “completamente diferente” da nossa, descreve Jorge Palmeirim. Isto porque são donos de “uma espécie de radar ou sonar extremamente sofisticado, que permite que evitem obstáculos e que também encontrem e capturem presas, mesmo que aquelas estejam debaixo de objetos.”

Igualmente fascinante é a sua longevidade, pois “um morceguinho com quatro ou cinco gramas pode viver mais de 30 anos” – uma característica que contrasta com outros pequenos mamíferos, tal como o facto de terem apenas uma cria por ano. “Isto funciona bem como estratégia de vida e a prova disso é a grande diversidade de espécies de morcegos, cerca de 1400 em todo o mundo, o que corresponde a uma proporção muito importante dos mamíferos”, sublinha este professor universitário.

O problema, ressalva, é quando as ações dos humanos lhes provocam mortalidade. Nessas situações, “as populações tendem a cair rapidamente e depois têm muita dificuldade em recuperar, porque a taxa de reprodução é muito lenta”, o que faz dos morcegos um dos grupos mais ameaçados do mundo e também de Portugal. É o caso do morcego-rato-pequeno (Myotis blythii) – “tem estado a declinar muito rapidamente por causas desconhecidas” – e do morego-de-ferradura-mediterrânico (Rhinolophus euryale).

Já o morcego-anão é “altamente adaptável” e “consegue tirar partido da humanização da paisagem”, abrigando-se por exemplo em fissuras de fachadas de prédios, nos espaços entre edifícios ou por baixo das telhas. Ainda assim, não está completamente seguro, pois há pessoas que continuam a matar morcegos desta e de outras espécies devido a “receios e mitos infundados”, critica o investigador.

Morcego-de-água (Myotis daubentonii). Foto: Rauno Kalda/WikiCommons

Como apoiar, na cidade e no campo

Mas como pode cada um de nós contribuir para a conservação dos morcegos? Estes mamíferos voadores dependem de uma área vital muito grande, explica Jorge Palmeirim. Mesmo os morcegos-anões, por exemplo, percorrem diariamente vários quilómetros quadrados entre o local onde se abrigam e as zonas de alimentação, o que limita o que uma só pessoa consegue fazer.

Ainda assim, existem ações importantes, a começar pela necessidade de jardins bem arborizados, pois “as plantas alimentam os insetos, que por sua vez alimentam os morcegos”. Da mesma forma, a manutenção de lagos ou charcos é “muito positiva” para estes mamíferos.

Já a instalação de abrigos artificiais depende do local escolhido. São os chamados morcegos fissurícolas – que usam fissuras para se abrigar, como o morcego-anão e o morcego-hortelão – que ocupam este tipo de caixas. “Numa cidade há tantos espaços disponíveis para estes animais se alojarem, que há uma séria probabilidade de um abrigo artificial nunca chegar a ser ocupado.” Ainda assim, essa possibilidade aumenta em jardins urbanos maiores, em especial se tiverem lagos ou charcos.

Em contrapartida, “onde os abrigos artificiais são mais úteis é em zonas agrícolas com poucas árvores ou em zonas de floresta industrial, como pinhais e eucaliptais, onde há muito poucas árvores velhas e por isso não há abrigos”, nota este professor. Já em zonas com ecossistemas mais equilibrados, avisa, considera-se que não é bom colocar estes materiais porque podem favorecer algumas espécies de morcegos em detrimento de outras com um estado de conservação mais preocupante.

Para quem vive no campo, Jorge Palmeirim deixa ainda duas sugestões: diminuir a utilização de pesticidas, por um lado, e também tolerar a existência destes mamíferos, que são “relativamente frequentes” em zonas rurais. Há quem receie a presença destes animais e se queixe das paredes sujas. “Aí, o importante é tolerar e ter em conta que aqueles morcegos estão a contribuir para reduzir o número de mosquitos durante a noite, à volta da casa, e a intensidade das pragas na horta.”


Este artigo insere-se na série “Jardins para a Vida Silvestre”, uma parceria entre a Wilder e a Fundação Calouste Gulbenkian.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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