Jardins para a vida silvestre: Como atrair libélulas e anfíbios para o seu espaço verde

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Aprenda com uma rede de especialistas a tornar cada recanto num oásis para ajudar a biodiversidade, desde aves e anfíbios a abelhas e morcegos. José Teixeira, investigador do CIIMAR – Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental, da Universidade do Porto, explica como são importantes estes animais de que muitas vezes nem nos apercebemos. Este é o quinto artigo da série “Jardins para a vida silvestre”, uma parceria entre a revista Wilder e a Fundação Calouste Gulbenkian.

Os charcos são importantes para muitos animais e plantas, mesmo que estejam situados em espaços verdes no meio de grandes cidades, nota José Teixeira, que conduziu uma visita no Jardim Gulbenkian, no dia 5 de Junho. O mote desse passeio, disse à Wilder este investigador, foi “sensibilizar” as pessoas para a importância destes ecossistemas aquáticos e da biodiversidade que deles depende – nomeadamente os anfíbios e as libélulas, “que muitas vezes podemos encontrar junto aos sítios onde moramos”.

“Tanto os anfíbios como as libélulas precisam de charcos para se reproduzirem”, em especial de “massas de água parada, com água de boa qualidade”. No que respeita às larvas das libélulas e das libelinhas – insetos que pertencem à ordem Odonata – ficam na água até chegarem ao estado adulto. O mesmo acontece com as rãs, os sapos e outros anfíbios, como é o caso da rã-verde.

Rã-verde (Pelophylax perezi). Foto: Paula Corte-Real

Em contrapartida, esses animais são importantes para o bom funcionamento dos ecossistemas. Desde logo, as libélulas são importantes predadores de larvas e adultos de mosquitos, exemplifica José Teixeira. Por sua vez, as próprias libélulas servem de alimento aos anfíbios, especialmente ao grupo das relas, pequenos anuros verdes que vivem na vegetação ao pé dos charcos, lagos e outras zonas húmidas. Já as garças, aves que podem ver-se tanto no meio do campo como em espaços verdes urbanos, alimentam-se de anfíbios e peixes.

Mas que espécies podemos encontrar num charco situado no meio de uma cidade? No que respeita ao grupo dos anfíbios, o mais certo será observar “a rã-verde (Pelophylax perezi) e alguns tritões”, descreve o mesmo responsável. Já quanto à ordem Odonata, que engloba as libélulas e libelinhas, sabe-se por exemplo que a libelinha lestes-dos-salgueiros (Chalcolestes viridis) se reproduz junto a um dos pequenos lagos do Jardim Gulbenkian. Tanto neste espaço como noutros jardins urbanos, é possível observar também a libélula tira-olhos-menor (Anax parthenope), a imperador-azul (Anax imperator) e a libélula-escarlate (Crocothemis erythraea), entre outras espécies.

No entanto, a existência de peixes num charco ou num lago vai limitar a presença desses outros animais, avisa José Teixeira, que está também ligado ao projeto Charcos com Vida.

Libelinha lestes-dos-salgueiros. Foto: Quartl/Wiki Commons

Como construir um charco

Para a construção de um charco, primeiro, é necessário escavar um buraco que ocupe uma área mínima de dois ou três metros quadrados, mas “até pode ser mais pequeno”, indica este especialista. Mas se o espaço disponível for menor, não se acanhe: “Já vi charcos com um metro quadrado que permitem alguma diversidade”, afiança.

O espaço do futuro charco deve cobrir-se com uma lona de impermeabilização, mas por baixo dessa lona é importante colocar alcatifas ou mantas velhas, “para se proteger a lona e impedir que seja rasgada”.

Já com o charco construído e com água, é importante plantar em volta alguma vegetação adequada a habitats como este. Exemplos: o lírio-amarelo-dos-pântanos (Iris pseudacorus), a chamada orelha-de-mula (Alisma plantago-aquatica), as colheres (Potamogeton natans) e também os dois nenúfares nativos de Portugal (Nuphar lutea subsp. luteum Nymphaea alba). Em contrapartida – alerta José Ferreira – é crucial “nunca introduzir erva-pinheirinha (Myriophyllum aquaticum ou jacinto-de-água (Eichhornia crassipes)”, duas espécies invasoras que têm criado graves problemas em Portugal.

Lírio-amarelo-dos-pântanos (Iris pseucadorus). Foto: Paula Corte-Real

Depois, é preciso ter paciência. Os organismos minúsculos que constituem o fitoplâncton e o zooplâncton, que “só se conseguem ver com uma lupa”, serão alguns dos primeiros a ocupar a nova morada, mas não só; também coleópteros aquáticos e alfaiates, entre outros.  “Muitos dos invertebrados têm asas e por isso chegam sozinhos.”

Os mosquitos e as respetivas larvas também vão marcar rapidamente presença, sendo importante para controlá-los que ali venham morar igualmente libélulas e libelinhas. “Vão chegar por si próprias, desde que o charco tenha condições adequadas: sem fontes de contaminação [como pesticidas e herbicidas], havendo vegetação aquática e alimento para as libélulas”, que serão os próprios mosquitos, sublinha José Teixeira.

Larvas de mosquito. Foto: Paula Corte-Real

Quanto aos anfíbios, a sua vinda já é mais difícil, devido aos obstáculos em meio urbano. No entanto é necessária autorização do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas para transladar populações de animais selvagens, mas sendo “populações de zonas próximas, desde que se saiba que já existiram ali”, este biólogo acredita que não deverá haver impedimentos.

Importantíssimo é não libertar animais de espécies invasoras como alguns peixes e cágados exóticos, “bons exemplos do que nunca se deve fazer”. Já o lagostim-vermelho-do-Lousiana, outra espécie aquática invasora em Portugal, poderá ser um problema se ali chegar sozinho. Nesse caso, o melhor é estar sempre atento e caso se dê pela sua presença, “ir eliminando os que se forem vendo”, alerta o investigador do CIIMAR.

Em último caso, se a situação se agravar, poderá ser necessário esvaziar o charco para eliminar os lagostins e começar tudo de novo, sempre de olho no futuro. O resultado, já se sabe, será a criação de uma boa morada para libélulas, anfíbios e muitos outros animais e plantas, recompensada pelo aumento da biodiversidade e por um belo coro de rãs.

O próximo artigo será dedicado aos pirilampos.


Este artigo insere-se na série “Jardins para a Vida Silvestre”, uma parceria entre a revista Wilder e a Fundação Calouste Gulbenkian.


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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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