O que pode 2021 trazer para a Biodiversidade e para a Conservação da Natureza? Com o ano que começa, a Wilder lança cinco perguntas a especialistas e responsáveis portugueses que trabalham para conhecer ou proteger o mundo natural.
Humberto Rosa é Diretor para o Capital Natural na DG Ambiente da Comissão Europeia desde Novembro de 2015. Antes disso, e desde 2012, foi Diretor para a Adaptação às Alterações Climáticas e as Tecnologias de Baixo Carbono na DG Ação Climática.
WILDER: O que espera de 2021 para a Conservação da Natureza em Portugal e no mundo?
Humberto Rosa: A minha principal expectativa para 2021 reside na Cimeira da Convenção para a Diversidade Biológica (CDB) prevista para final do ano na China. A sua importância crucial vem do facto de o mundo precisar de um novo acordo para a natureza e biodiversidade, capaz de substituir o atual que decorria até 2020 e que essencialmente falhou. Estamos de facto a viver uma verdadeira crise ecológica, de que as faces mais visíveis são as alterações climáticas e a perda de biodiversidade. Ou seja, em vez de se ter atingido o objetivo global de parar a perda de biodiversidade até 2020, essa perda antes se acelerou a níveis dramáticos um pouco por toda a parte. Tinha havido um primeiro acordo global com vista a parar a perda até 2010, e falhou; houve este segundo que previu o mesmo para 2020, e igualmente falhou. O novo acordo terá de ser em moldes bem diferentes, mais ambicioso e operacional, sobretudo mais capaz de ser verificado, monitorizado e reforçado pelas partes em caso de descaminho. A União Europeia tem o objetivo assumido de liderar pelo exemplo e dotou-se de uma Estratégia da UE para a Biodiversidade até 2030 que é reconhecidamente a mais ambiciosa que o mundo já viu, repleta de metas quantificadas e mecanismos de governança para assegurar que se cumprem. Nos últimos meses tem havido tomadas de posição de muitos países fortemente a favor de compromissos ambiciosos pela biodiversidade do planeta em vários eventos globais preparatórios. O que todos devemos exigir agora é que seja negociado um novo acordo global pela natureza com horizonte a 2030 que faça a diferença em matéria tão absolutamente fundamental para a humanidade.
W: No seu entender, quais devem ser as prioridades para este ano em prol da natureza em Portugal? E mais concretamente, para a presidência portuguesa da União Europeia?
Humberto Rosa: A presidência portuguesa já anunciou o seu programa e prioridades, onde se inclui explicitamente a biodiversidade, entre outros objetivos climáticos e ambientais. Uma das tarefas onde a presidência portuguesa terá um papel importante será precisamente preparar as posições da UE no quadro preparatório da Cimeira da CDB. Caberá a Portugal e ao seu Governo definir prioridades nacionais na área. Mas no meu entender Portugal teria vantagem em adaptar para o contexto nacional metas quantificadas para a biodiversidade, em linha com as metas propostas na Estratégia da UE para 2030. Por exemplo, a designação de mais áreas protegidas em terra e mar, incluindo sob proteção estrita, a restauração de áreas húmidas e de florestas, a remoção de barreiras obsoletas nos rios, a redução do uso de pesticidas e fertilizantes, a redução da sobre-pesca e captura acidental de espécies protegidas, etc.
W: Quais as espécies ameaçadas que, na sua opinião, precisam de ajuda premente em 2021?
Humberto Rosa: A prioridade que advogo é mais uma vez a que está definida na Estratégia da UE para 2030: espera-se que os Estados-Membros, incluindo com certeza Portugal, assegurem que até 2030 nenhuma das espécies ou habitats protegidos pela legislação europeia estejam em declínio do seu estado de conservação, e que pelo menos 30% dessas espécies e habitats passem a estar em estado favorável ou rumo a ele. Seja no continente ou nos arquipélagos, não faltam espécies ameaçadas a carecer de atenção deste ponto de vista. Investir na gestão da Rede Natura 2000 e das áreas protegidas em geral faz parte do que se recomenda para isto.
W: Se coubesse a si decidir, qual seria a principal medida que tomaria este ano para tentar travar a extinção das espécies?
Humberto Rosa: Considero que mais que a extinção de espécies propriamente dita, que é o caso extremo de perda irreversível, devemos hoje preocupar-nos com a simples diminuição das populações de espécies selvagens, desde vertebrados até insectos, que é aliás o que potencia a extinção. Temos de dar mais espaço à natureza em benefício dos serviços insubstituíveis que esta presta à humanidade. Neles se pode incluir, entre muitos outros, a própria prevenção de epidemias como a que vivemos hoje, visto estar bem claro que a maioria das novas doenças virais com origem em animais deriva da crescente pegada e pressão humana em ecossistemas que deviam estar essencialmente preservados. No caso de Portugal, apostaria em restaurar os nossos ecossistemas silvícolas e florestais com uma composição apropriada de espécies vegetais e florestais, com mosaicos de paisagens e descontinuidades, com herbívoros e predadores, para que a dinâmica da natureza passasse a ajudar na prevenção de mega-fogos florestais. E consideraria definir áreas marinhas protegidas com restrição de capturas, inclusive para permitir um maior recrutamento de juvenis enriquecendo as pescas nos seus arredores.
W: Qual, ou quais, os projectos na área da Biodiversidade em que estará a trabalhar em 2021 que mais o entusiasmam?
Humberto Rosa: O principal e mais desafiante é a iniciativa legislativa que a Comissão Europeia irá apresentar em 2021 com vista a estabelecer metas vinculativas de restauração de ecossistemas degradados na União Europeia, em particular para os que tenham maior potencial de captura e armazenamento de carbono e de prevenção de impactos de desastres naturais. É uma tarefa complexa que estamos a desenvolver na Direção-Geral do Ambiente e que, a meu ver, poderá dar um impulso sem precedentes a essa temática tão importante que é a restauração da natureza. É ela que traz uma mensagem de esperança à agenda da biodiversidade, e que mais pode motivar as pessoas para o tema. Acompanho também com particular interesse o desenvolvimento da nova Estratégia Florestal da UE, que estará alinhada com a prioridade dada pelo Pacto Ecológico às contribuições que as florestas europeias devem dar para o clima, a biodiversidade e a bioeconomia.
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