O Estroino é um peluche de aspecto patusco, mas o bico e as patas amarelas não deixam dúvidas quanto ao seu parentesco com os patos. Já o Cuper (Cuper penhensis), que viajou um longo caminho da China para Portalegre, faz lembrar um pequeno crustáceo. Os dois bonecos pertencem a um grupo de 105 peluches portugueses que já ajudaram miúdos e graúdos a aprender mais sobre como se classificam os seres vivos, no âmbito do projecto Pelucia diversus.
Tanto o Estroino como o Cuper foram descritos e classificados pelos seus donos no âmbito deste novo projecto do Pavilhão do Conhecimento – Ciência Viva, em Lisboa. O objectivo é aproximar crianças, jovens e adultos dos mistérios da Taxonomia.
“Como bióloga, sempre senti que havia uma grande dificuldade em compreender e explicar conceitos mais complexos associados ao estudo da biodiversidade, como a taxonomia e a filogenia”, explica à Wilder a responsável pelo projecto, Inês Oliveira. “De onde vêm os nomes estranhos? Por que é que nos é pedido para decorarmos um conjunto de características comuns a um grupo de seres vivos? Como é que se organizam e sobretudo, porquê?”, questionava-se.
Mas foi já depois de integrar a equipa de Educação do Pavilhão do Conhecimento, quando procurava uma forma agradável de transmitir a metodologia dos estudos de classificação da biodiversidade, que Inês Oliveira teve a sorte de ouvir uma palestra onde Thierry Brassac, da Universidade de Montpellier, apresentou o projecto Mission Peluche. Foi amor (pelos peluches) à primeira vista.
“A partir daí, o desafio estava lançado”, recorda a bióloga. Com base na ideia original da Mission Peluches, nascida em 2011 na Universidade de Montpellier, a equipa do Ciência Viva desenvolveu o projecto Pelucia diversus, adaptando-o à realidade portuguesa. Contou para isso com a colaboração de três investigadores: Frederico Almada e André Levy, do MARE-Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, e Ana Sofia Róis, do Instituto Superior de Agronomia, que ajudaram a desenvolver os conceitos a transmitir e a adaptar o uso dos peluches ao ensino destes temas.
Foi assim que há dois meses começou a Sociedade Portuguesa de Peluchologia, bem como a organização regular de workshops no Pavilhão do Conhecimento. Nesses encontros para famílias com crianças, cujo calendário irá sendo actualizado, cada um leva o seu peluche e empenha-se a descrevê-lo ao pormenor. Responde-se a questões como o país de origem, a forma de aquisição, o número de patas, o peso e o tamanho, as cores e o habitat. Tiram-se fotografias de identificação, aprende-se a classificar, dá-se um nome comum e um nome científico à nova espécie, desenha-se, ri-se e sobretudo conversa-se muito sobre animais.
Entre os 103 peluchólogos que já se inscreveram nesta fase inicial – número que a equipa pretende “multiplicar rapidamente” durante os próximos meses – existe um grupo maior, dos 7 aos 13 anos de idade, mas também vários membros na casa dos 30. É que a peluchologia pode tornar-se fascinante em qualquer altura.
“O projecto tem uma inerente ligação ao mundo natural, mas não pretende comparar um peluche a um ser vivo. Peluches são peluches e este corresponde a um novo ecossistema ainda por descobrir. É esta a vantagem que nos permite começar de novo, passar pelas mesmas dificuldades que passaram os primeiros taxonomistas, elaborar os primeiros esboços de classificação e assim compreender todo o processo”, explica Inês Oliveira.
O 1º Encontro Nacional de Peluchólogos está previsto para os dias 31 de Maio e 1 de Junho e nos próximos meses vai realizar-se um conjunto de cursos dirigidos aos jovens, “que lhes vão conferir um grau de especialidade nesta nova ciência”.
O novo projecto quer chegar também ao ensino nas escolas. Para isso, ainda em 2015, a equipa vai lançar um conjunto de duas acções de formação destinadas a professores do ensino pré-escolar ao secundário, recorrendo aos peluches para “promover a literacia científica na área da biodiversidade e sistemática”, adianta Inês Oliveira.
“Uma das formas de podermos ultrapassar conceitos errados que se foram adquirindo ao longo de anos, porque simplesmente nunca se pensou verdadeiramente num determinado assunto, é desconstruir esses conceitos e voltar a construir tudo de novo. E para o fazer, nada melhor do que associar um peluche a um ser vivo”, acrescenta a equipa de investigadores científicos.
Frederico Almada, André Levy e Ana Sofia Róis, tal como toda a equipa do Pelucia diversus, prometem pôr os portugueses a olhar de forma mais atenta para o mundo natural que os rodeia.
[divider type=”thin”]Agora é a sua vez.
Não é só no Pavilhão do Conhecimento que se inventariam, organizam e classificam os peluches, de forma semelhante à que foi criada pelo botânico, zoólogo e médico sueco Carl von Linné (1707-1778) no século XVIII. Qualquer português com acesso à Internet pode tornar-se membro da Sociedade Portuguesa de Peluchologia e registar, através do site do projecto, a imagem e as características dos peluches que tem lá por casa e estão ainda por descrever na base de dados. Depois, precisa apenas de aguardar por uma confirmação, que normalmente demora entre um a cinco dias.
O próximo workshop do projecto Pelucia diversus realiza-se no dia 22 de Fevereiro, domingo, das 16h00 às 18h30. A participação é gratuita, mas para mais informações os números de contacto são 21.898.50.20 ou 21.891.71.00.