Os 40 milhões de euros disponíveis entre 2014 e 2020 para a biodiversidade em Portugal, no âmbito do POSEUR, podem estar em risco, com uma taxa de implementação tão baixa que é “assustadora”, alertou a Zero nesta semana.
“Nunca houve 40 milhões de euros para a natureza” em Portugal mas corremos o risco de não os investir na totalidade, disse ontem Paulo Lucas, da direcção da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, contactado pela Wilder.
Estes 40 milhões de euros fazem parte do total de 25 mil milhões que Portugal vai receber até 2020, através do POSEUR – Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (2014-2020), para conseguir um desenvolvimento sustentável, à luz do que foi definido à escala da União Europeia. A Biodiversidade e Ecossistemas é um dos objectivos previstos para o financiamento, com 40 milhões de euros, num eixo que prevê também 634 milhões de euros para a Água, 306 milhões para os Resíduos e 65 milhões para resolver o problema dos Passivos Ambientais.
No sábado, a Zero emitiu um comunicado onde alerta para os atrasos na execução dos projectos, o que “compromete o investimento público na conservação da natureza”. De acordo com a associação, que analisou a execução dos projectos dedicados à biodiversidade até Outubro do ano passado, já foram atribuídos cerca de 21 milhões a projetos já em curso. Mas desses “apenas foram executados 2,7 milhões de euros, o que corresponde a 14,6% de taxa de realização”.
Em causa estão projectos co-financiados a 85%, apresentados por entidades privadas ou públicas, como autarquias, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e as organizações não governamentais de Ambiente (ONGA). Segundo o POSEUR, o objectivo é “aumentar o conhecimento sobre o estado de conservação e dos estatutos de ameaça de 70% das espécies e habitats que ocorrem em Portugal”.
“A taxa de implementação dos projectos é tão baixa que é assustadora”, comentou Paulo Lucas à Wilder, lembrando que já falta pouco para chegarmos a 2020.
Segundo a análise da Zero, os projetos na componente “ordenamento e gestão de áreas classificadas” gastaram menos de 7% das verbas atribuídas e os integrados na rubrica ”informação e sensibilização” estão abaixo dos 28% de realização. Os projectos liderados pelo ICNF “possuem gastos ligeiramente acima dos 3% das verbas aprovadas” e as ONGA só executaram até ao momento 6,7% das verbas aprovadas. Os municípios gastaram cerca de 26% das verbas que lhes foram destinadas.
“As ONGA têm grande dificuldade em conseguir os 15%. Estes projectos não foram desenhados para ONG, não financiam custos com pessoal e isso torna tudo mais difícil.” Do lado dos organismos públicos, Paulo Lucas diz que “dificilmente se compreende esta taxa de execução baixíssima”.
“Numa altura em que estão gastos somente 2,7 milhões de euros, apesar do valor dos projetos aprovados até à data rondar os 23 milhões de euros, é já improvável que haja um investimento total de cerca de 40 milhões de euros até 2020”, lembra a Zero, em comunicado. “Trata-se de uma situação que tem que ser motivo de preocupação no Ministério do Ambiente, sob pena de se perderem investimentos garantidos numa área que é cada vez mais o “parente pobre” das políticas de ambiente em Portugal.”
Em resposta a perguntas feitas pelo jornal Público, o Ministério do Ambiente reconhece que têm existido dificuldades na execução dos fundos já aprovados, mas justifica-as com constrangimentos burocráticos e concursais e não com dificuldades financeiras das entidades proponentes.
A Zero pede uma “profunda avaliação conjuntamente com a Autoridade de Gestão do POSEUR, por forma a recuperar os atrasos no investimento público e a redirecionar as verbas para ações concretas de conservação da biodiversidade e dos ecossistemas”.
“Desorientação” na escolha das prioridades
Além dos atrasos na implementação dos projectos, a Zero está preocupada ainda com a “muita desorientação na seleção das prioridades que são colocadas a concurso”.
Paulo Lucas lamenta que não haja “uma estratégia a longo prazo que defina as prioridades para a área da conservação da natureza” e que a conservação no terreno não esteja a receber a atenção necessária.
“Por estranho que possa parecer, o montante atribuído a ações concretas representa somente 3,5 milhões de euros (15% do total de 23 milhões aprovados)”, escreve a Zero. “Neste contexto, é percetível que as autoridades públicas preferem destinar 42% das verbas para “informação e sensibilização” e 38% ao “ordenamento e gestão de áreas classificadas”, em prejuízo da conservação efetiva da biodiversidade e dos ecossistemas.
O responsável referiu à Wilder que a aposta na recuperação do lince-ibérico (Lynx pardinus), espécie Em Perigo de Extinção segundo a Lista Vermelha da União para a Conservação da Natureza (UICN), é perfeitamente compreensível. “De facto, não podemos falhar com o lince-ibérico. Mas isso não chega”.
Paulo Lucas sublinhou a falta de concursos abertos para a conservação do lobo-ibérico (Canis lupus signatus) e para a redução dos conflitos com o homem; para a conservação das espécies e habitats das zonas costeiras, das zonas montanhosas, dos charcos temporários, muitas delas endémicas; para os peixes migradores e para os bivalves de água-doce e para a conectividade dos rios, ameaçados pelas alterações climáticas e poluição. “Há situações dramáticas mas onde estão os apoios? Há alguém a pensar nisto?”, questionou o responsável.
O ambientalista referiu ainda a necessidade de apoiar as aves necrófagas, “para que passem a ocupar áreas de Portugal que não apenas as zonas de fronteira com Espanha”.
Do seu lado, o Ministério do Ambiente respondeu ao Público que “todos os projectos aprovados são inequivocamente de conservação da natureza, independentemente da sua tipologia”. Lembrou também que os projectos aprovados “estão em linha com a Estratégia para a Conservação da Natureza e Biodiversidade, elaborada, longamente discutida e fortemente participada durante o ano de 2017”. Este documento de 89 páginas que propõe o futuro da conservação de espécies e habitats e da nossa relação com o mundo natural até 2025 ainda não está publicado.
“Sabemos o que é preciso fazer, quais os habitats onde temos de intervir. Mas tem de haver uma entidade coordenadora de boas vontades para conseguirmos fazer as coisas”, concluiu Paulo Lucas.